Ministério Publico Militar

Ministério Publico Militar

Arquivo do blog

Tecnologia do Blogger.

Salmo 127

1 Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela.

2 Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, pois ele supre aos seus amados enquanto dormem.

3 Eis que os filhos são herança da parte do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão.

4 Como flechas na mão dum homem valente, assim os filhos da mocidade.

5 Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava; não serão confundidos, quando falarem com os seus inimigos à porta.

Translate

Google+

Deixe seu recado AQUI!!!

Nome

E-mail *

Mensagem *

sexta-feira, 4 de junho de 2010

2° Guerra Mundial - Stalingrado O princípio do fim

Stalingrado... Onde Hitler lançou divisões inteiras em ataques suicidas, aniquiladas nas mais sangrentas batalhas da guerra... Quando tudo terminou, o “magnífico 6o Exército alemão”, com seus 300.000 “insubstituíveis soldados”, tinha sido completamente destruído. – Geoffrey Jukes


Stalingrado: A batalha crítica



Stalingrado foi a mais longa e a mais cruciante das batalhas da Segunda Guerra Mundial. Os acontecimentos da frente Oriental tiveram em Geoffrey Jukes o seu historiógrafo mais famoso. A narrativa que produziu da momentosa luta, minuciosa e vibrante, como que faz voltar a roda do espelho que retratasse aquele vulcão.



Após o fracasso da invasão da Rússia por Hitler em 1941, o exercito alemão já não tinha os efetivos e os recursos para renovar a ofensiva, para colocar no ataque a mesma intensidade que pós naquele ano, mas Hitler não estava disposto a ficar na defensiva e consolidar seus ganhos. Assim, ele procurou uma solução ofensiva que, com meios ilimitados, prometesse mais resultados apenas limitados. Não tendo mais força para atacar ao longo de toda à frente, ele se concentrou na parte sul, visando a capturar os campos petrolíferos do Cáucaso, de que tanto precisavam os dois contendores para não caírem na imobilidade. Se lhe fosse possível conseguir aquele petróleo, ele poderia, subseqüentemente, voltar para o norte, sobre a retaguarda dos exércitos russos assim imobilizados, e que protegiam Moscou, ou até mesmo atacar as novas indústrias bélicas russas que haviam sido instaladas nos Urais. Contudo, a ofensiva de 1942 foi um risco maior que a do ano anterior, porque, se fosse detida, o longo flanco desse avanço para o sul ficaria exposto a um contra-ataque, em qualquer ponto dos seus 1.600 km de extensão.



De inicio, a técnica alemã da Blitzkrieg acertou mais uma vez - seu quinto sucesso nítido, e tremendo, desde a conquista da Polônia, em 1939. A penetração rápida deu-se no setor Kursk-Kharkov, e então o 1º Exército Panzer, do General Ewald von Kleist, avançou como uma torrente pelo corredor entre os dois rios Don e Donetz. Estuando pelo baixo Don, à porta do Cáucaso, ele conquistou, em seis semanas, os campos petrolíferos mais ocidentais, situados em redor de Maikop.



A resistência russa esboroara fragorosamente ante o impacto da Blitzkrieg e Kleist encontrara reduzida oposição nos últimos estágios do seu avanço. Este foi o momento em que a Rússia se mostrou mais fraca. Somente uma fração dos seus exércitos recém-formados estava pronta para ação, e mesmo essa fração carecia muito de equipamento, especialmente de artilharia.



Felizmente para a Rússia, Hitler dividiu a força do ataque entre o Cáucaso e Stalingrado, cidade situada na margem do Volga, que era a porta pra o norte e para os Urais. Além disso, quando os primeiros ataques a Stalingrado, desfechados pelo 6º Exército de Paulus, foram detidos, em meados de julho com enorme dificuldade, Hitler passou a desviar, cada vez mais, forcas do Cáucaso para fortalecer seu ataque divergente a cidade. Isto por causa do nome, ”a cidade de Stalin”, que para Hitler passou de desafio a obsessão. Ele desgastou as forças que possuía no prolongado esforço por captura-la, perdendo de vista seu objetivo principal, os suprimentos de petróleo do Cáucaso, verdadeiramente vitais. Quando Kleist se dirigiu de Maikop para os campos petrolíferos principais, seu exército foi esbarrando em resistência cada vez maior, por parte de tropas locais que já lutavam em defesa do lar, da família, enquanto forças suas eram retiradas, em favor dos esforços de Paulus para capturar Stalingrado.



A resistência russa nessa cidade foi-se tornando, a cada golpe recebido, mais e mais áspera, enquanto que a direção dos ataques alemães, suficientemente clara, simplificava o problema do Alto-Comando russo de enfrentar a ameaça. Além disso, a concentração dos alemães em Stalingrado drenava continuamente as reservas da sua proteção de flanco, que já estavam em dificuldades por se terem de estender tanto - quase 640 km, desde Voronezh, ao longo do Don, até o ponto em que este se aproxima do Volga, em Stalingrado bem como desse local ate o rio Terek, no Cáucaso. A percepção dos riscos levou o Estado-Maior-Geral alemão a dizer a Hitler, em agosto, que seria impossível dar à linha do Don as características todas de flanco defensivo, durante o inverno -, mas ele ignorou a advertência, em sua obsessão pela captura de Stalingrado.



A posição dos defensores daquela área começou a parecer cada vez mais perigosa, e até mesmo desesperada, à medida que o círculo se contraía e que os alemães se aproximavam do coração da cidade. O momento mais critico deu-se a 14 de outubro. Os russos estavam com sua retaguarda tão próxima do Volga, que não tinham espaço para executar táticas para absorver choques, nem terreno para ceder, a fim de ganhar tempo. Mas, abaixo da superfície, fatores básicos trabalhavam a seu favor. O moral dos ataques alemães estava sendo solapado pelas pesadas baixas que vinham sofrendo e pelo crescente senso de frustração, criando assim o clima propicio à contra-ofensiva que os russos se preparavam para desfechar, com novos exércitos, contra os flancos alemães defendidos por tropas romenas e de outras nacionalidades, de qualidade inferior às alemães. Essa contra-ofensiva teve início a 19 de novembro.



Várias cunhas foram fincadas em diferentes lugares dos flancos, de modo a isolar o 6º Exército de Paulus. Por volta do dia 23 o cerco estava completo, e mais de 250 mil soldados, alemães e satélites seus, estavam isolados. Hitler não permitia a retirada. As tentativas de ajuda, feitas em dezembro, foram repelidas. Mesmo então, Hitler relutava em permitir que o 6º Exército tentasse abrir caminho para oeste antes que fosse tarde demais; além disso, o abastecimento aéreo se mostrava inadequado.



Veio o fim - o fim de uma batalha que durou mais de seis meses - com a rendição de Paulus e do grosso do que restava do seu esgotado e faminto exército, a 31 de janeiro, embora um resto de tropa, isolado num bolsão, ao norte, ainda resistisse por mais dois dias.



Este livro de Geoffrey Jukes se beneficia do seu amplo conhecimento de fontes russas, como a história oficial da Grande Guerra Patriótica da URSS, em seis volumes, e as memórias de alguns dos lideres militares.



Aquela história oficial forneceu muito mais provas concretas do que os relatos puramente propagandísticos publicados durante a guerra e os primeiros anos do pós-guerra. Ela corrigiu o retrato absurdamente exagerado da influência de Stalin na luta, que antes predominada. Deve-se considerar, entretanto, que a narrativa revista foi produzida durante o período de Krushev e com seu apoio - de modo que ela tendia a salientar excessivamente a influencia do sucessor de Stalin na luta, ao mesmo tempo em que depreciava a de seu antecessor. Ademais, a indolência do Marechal Zhukov, relegada a segundo plano na época de Stalin, mas que começava a ser citada depois da morte deste, foi novamente obscurecida por Krushev. Desde a queda deste, Zhukov passou a receber o merecido reconhecimento, após a publicação, em 1965, de uma historia oficial, em um volume, que, embora sintetizasse a primeira historia, em seis volumes, revisava de maneira considerável seu conteúdo e suas conclusões. Além disso, o próprio Zhukov teve permissão ou foi talvez mesmo encorajado a escrever as suas memórias, as quais, significativamente, contradizem várias afirmações contidas na primeira narrativa da Batalha de Stalingrado, feita pelo Marechal Chuykov.



Deve-se ter em mente esse longo processo de alteração da historia e da sua perversão para fins de propaganda quando estudam narrativas e declarações de fonte russas, que nos obriga, também a usar de cutela na verificação do numero de efetivos e de baixas nela registrado, embora parecia mais correto do que o anteriormente publicado, que é bem maior.




Porque Stalingrado?



A grande planície da Europa estende-se desde a costa do Canal da Mancha, através dos Países Baixos, Alemanha, Polônia, e União Soviética, ate o sopé dos Montes Urais. Ocasionalmente, como se quisesse mudar sua característica, ela se franze nas dobras de colinas ondulantes, mas sempre volta a ser a mesma planura monótona. Limitada ao norte pelo mar e ao sul - pelo menos até a Ucrânia - por montanhas, foi durante séculos o palco onde primeiro as tribos da Europa, celtas, teutões e eslavos, depois os fanáticos religiosos e finalmente os exércitos mais formalizados, porém não menos belicosos, das nações que lhes sucederam, desempenharam os sangrentos dramas de que a historia européia tão deploravelmente se acha repleta.



Na ausência de altitudes dominantes, as barreiras defensivas mais importantes da planície são inevitavelmente os seus grandes rios - Reno, Elba, Oder, Vístula, Bug, Divina, Dniester, Dnieper, Don, Volga e seus tributários - que a cortam para o norte ou para o sul. E foi às margens do mais imponente de todos, o Volga, e do seu vizinho quase tão grande, o Don, que ocorreu, em fins de 1942 e começos de 1943, o grande complexo de batalhas que a história conhece como “Stalingrado”. Ali, onde os imensos trigais da Ucrânia cedem lugar às ravinas da bacia do Volga, os exércitos de duas ideologias militares se chocaram pela posse de uma cidade que, embora a princípio não fosse considerada um objetivo militar básico, pelo simbolismo do seu nome e pela tenacidade da suas defesa, passou a dominar os esforços de ambos os lados e jogou por terra a tentativa nazista de criar um império no leste.



Não que esta fosse a primeira vez que o Exército Vermelho detinha os alemães. A irresistível maré da conquista alemã despejara-se sobre a Rússia européia durante o verão de 1941, como acontecera na Europa ocidental no ano anterior, e, divisão após divisão, o mal equipado, mal treinado e mal dirigido Exército Vermelho experimentara o mesmo destino dos poloneses, franceses, holandeses, belgas, iugoslavos e gregos - sítio e captura. Eles também haviam suportado o peso da cruz do bárbaro tratamento que lhes dispensavam os seus captores, pois a União Soviética não era signatária da Convenção de Genebra sobre o tratamento de prisioneiros de guerra e, além disso, o russo ocupara, com o judeu, o lugar de mais baixo na obscena hierarquia racial dos nazistas, em cujo ápice se colocava o Herrenvolk - a Raça dominante - germânica, naturalmente. Assim, o respeito alemão às formalidades legais levou-o a dispensar tratamentos mais ou menos correto aos da Europa ocidental e da Escandinávia; no leste, porém, o germânico, sobrepondo a letra da lei ao seu espírito, foi impiedoso.



Não havia empecilhos legais à aplicação do horror nazista aos prisioneiros russos, que morriam aos milhares nos campos de concentração, cerca de 5.500.000 oficiais e soldados do Exército Vermelho foram capturados durante a guerra: três quartos deles morreram em 1941 e cerca de 4.000.000 antes do final da guerra. À população civil foi um pouco melhor o tratamento dispensado, sobretudo depois que o exército alemão, prosseguindo para o leste, fora sucedido pela administração civil, com sua aparelhagem formada pela Gestapo, equipes especiais (de extermínio) e campos de concentração.



Nas áreas ocupadas, isso resultara numa supressão do entusiasmo pelo nazismo como uma libertação dos horrores do regime stalinista e, nas áreas não ocupadas, numa aceleração da vontade de resistir, pois pelo menos as severidades do stalinismo eram temperadas pela promessa de um futuro melhor, do qual já começavam a aparecer alguns sinais na forma da revolução industrial levada a cabo dentro dos planos Qüinqüenais. Stalin os castigava com chicotes, mas Hitler o fazia com escorpiões. Além disso, o nazismo não oferecia ao eslavo senão a condição de escravo nas colônias agrícolas que seriam estabelecidas no leste como o celeiro do “Reich de Mil Anos”.



Embora muitas pessoas colaborassem com os alemães, por acreditarem na inevitabilidade da vitória destes ou por causa do que haviam sofrido com o comunismo de Stalin, ou ainda porque queriam alimentar suas famílias ou se libertar do jugo russo (este motivo era particularmente forte entre as minorias não-russas, que compõem mais de um terço da população soviética), para a grande maioria dos russos a ditadura doméstica era, dos males, o menor. Ademais, à medida que as provas das atrocidades nazistas iam sendo habilmente divulgadas pelo partido comunista e que se faziam concessões para estimular o patriotismo e recrutar sentimento religioso para causa, a resistência soviética endureceu e a população se reuniu em torno da figura de Stalin como jamais ocorrera, em tempo de paz.



Assim, a despeito das brilhantes vitórias conquistadas na campanha do verão e outono de 1941, os alemães viram que o Exército Vermelho e o regime de Stalin ainda estavam firmes. O inverno, porém, se aproximava. Com a chegada dessa estação, dos três objetivos principais - Leningrado, Moscou e Kiev - os dois primeiros ainda não haviam sido tomados, e, o que é pior, o controle das tropas soviéticas pelos seus mais graduados comandantes vinha melhorando perceptivelmente, à medida que os velhos “cavalos de batalha” stalinistas eram levados para a retaguarda, substituídos por gente mais jovem e mais atualizada do ponto de vista militar.



O mais notável dentre estes era sem duvida o ex-chefe do Estado-Maior-Geral, o General-de-Exército Georgy Konstantinovich Zhukov, que ganhou notoriedade por sua determinação e pela capacidade de se impor aos acontecimentos. Em outubro de 1941 Stalin designou-o para Leningrado, onde em três frenéticos dias de atividade, deu ordem ao caos reinante na organização da defesa e pôs em execução um plano que resistiu por mais de 900 dias ao sítio do exército germânico. Dali, foi chamado com urgência de volta a Moscou, que corria o risco de ser capturada. Como comandante da Frente Oriental (o Grupo de Exército que defendia a cidade) e como membro do Stavka (o QG supremo), ele não só conseguiu rechaçar os alemães da capital como também explorou as condições atmosféricas e o cansaço alemão para improvisar uma contra-ofensiva que fez a Wehrmacht girar sobre os calcanhares, levou seu Grupo de Exércitos Centro à beira da desintegração e infligiu aos alemães sua primeira grande derrota terrestre de toda a guerra.



Mas, finalmente, a ofensiva de Zhukov se esgotou, por falta de recursos, e ambos os lados pararam para um balanço dos acontecimentos. Para os generais alemães a experiência parecia não ter sido totalmente digerida. Ao racionalizarem a derrota, eles a atribuíam a um série de motivos: às vacilações de Hitler com relação a prioridades, ou à lama do outono, ou a neve e ao gelo do inverno - como se Stalin jamais tivesse prejudicado os generais do Exército Vermelho com as vacilações ou decisões erradas, como se a chuva e as neves de inverno não tivesse caído igualmente sobre o super-homem germânico e o subumano russo; como se o envio de tropas alemãs para uma operação essencialmente móvel e da alta velocidade, debaixo de tempo que congela os lubrificantes, impedindo a movimentação de seus veículos, impossibilitando seus caminhões de atirar até cada granada, ou cartucho , se livrasse da graxa solidificada, que a tornava grande demais para a culatra, não fosse em si a negação da boa estratégia pela qual eles próprios eram os responsáveis.



Se as tropas soviéticas estavam adequadamente vestidas para o inverno e as alemãs não, a culpa cabia a alguém. Era como se Stalin, com sua paixão pelo segredo, tivesse conseguido ocultar não só os efetivos das reservas do Exército Vermelho como também a severidade do inverno russo. De qualquer modo, quando o tempo propício à campanha retornasse, na primavera, tudo seria diferente. Não fora a habilidade militar soviética que vencera a batalha de Moscou e sim o “General Inverno”, com alguma ajuda do Fuhrer. Entrementes, a experiência adquirida pelos soldados alemães experiência que lhes fora negada duramente todo o treinamento, que era unicamente ofensivo, lhes poderia ser utilidade.



Assim tranqüilizados, os generais alemães não perceberam a principal lição da campanha de inverno - que toda a campanha no leste dependia de derrotar o Exército Vermelho antes que ele desenvolvesse a habilidade necessária para enfrentar a veloz guerra de blindados e que, em essência, isso significava derrota-los antes do inverno de 1941. Já tinha havido evidências de que as ruinosas tentativas soviéticas de resistir firmemente, com a inevitável conseqüência do sítio, estavam sendo abandonadas, sob a influência de um pensamento melhor, estimulado pela escassez de potencial humano, e que, quando os russos tivesse absorvido plenamente as lições do verão (Zhukov sem dúvida as tinha aprendido), como ficou evidenciado em sua ordem durante a contra-ofensiva de Moscou, que proibia categoricamente os ataques frontais aos pontos fortes, insistindo, em vez disso, nas táticas de desbordo (by passing), o Exército Vermelho se mostraria mais difícil de quebrar na nova estação de campanha.



De sua parte, a liderança soviética, Stalin em particular, superestimou a importância da mudança no equilíbrio estratégico, tal como o haviam feito os alemães, e planejaram acompanhar o sucesso de Zhukov com uma ofensiva estratégica ao longo de toda a frente. Foi a 5 de janeiro de 1942 que realmente começou a forjar-se a cadeia de decisões que tornaram inevitável a Batalha de Stalingrado. Naquele dia, Zhukov foi chamado à Frente Ocidental (na linguagem militar soviética “Frente” significa um Grupo de Exércitos) para um reunião do Stavka em que se examinariam as futuras operações. Nessa reunião, Stalin propôs o plano de uma ofensiva geral, ao longo de toda a frente entre Leningrado e o Mar Negro.



Zhukov sabia que os alemães, embora acabassem de sofrer sérios reverses no centro e no sul, este bem menor, ainda eram um inimigo perigoso. Partindo desse ponto de vista, optou por uma vagarosa ofensiva limitada ao centro, onde o Grupo Centro de Exércitos alemães se encontrava em grande confusão. Stalin, porém, já havia decidido. No fim da reunião, o Chefe do Estado-Maior-Geral, Marechal Shaposhnikov, disse a Zhukov: “Você estava perdendo tempo em discutir. O Supremo já havia decidido. As diretivas já haviam sido emitidas...”

“Então, porque ele pediu as nossas opiniões?”

“Não sei, meu caro, não sei”, disse Shaposhnikov com um suspiro. Ele tampouco favorecia a ofensiva geral.



Esta foi desfechada alguns dias depois, mas não podia ser suficientemente forte em parte alguma para servir de garantia de êxito. Ela falhou em toda a parte. Em certos lugares, transformou-se em desastre, com o desperdício de mais exércitos, de modo que o Exército Vermelho ficou bem mais fraco para enfrentar a campanha de verão. E, o que era pior, o exército alemão, saindo-se bem em suas primeiras ações defensivas da guerra, recuperou-se do abalo sofrido e adquiriu a experiência que seu treinamento não lhe tinha fornecido. Assim, o Exército Vermelho perdeu a oportunidade de fazer uma penetração no centro, tornando-se inevitável mais uma campanha de verão em território soviético. Os dois lados começaram a planejar ofensivas e ambos escolheram o setor sul da frente para concentrar o ataque.



O combate de inverno deixara a linha de frente muito sinuosa. Leningrado estava sitiada, parte da Criméia ainda se encontrava em mãos russas e ao sul de Kharkov havia um grande bolsão na linha, bolsão conhecido como o “Saliente de Barvenkovo”. Desse modo, o plano do Stavka visava a socorrer Leningrado e a fortaleza da Criméia, a base naval de Sebastopol, juntamente com um grande ataque de fora e ao norte do saliente de Barvenkovo, sendo que contra este último objetivo se encontraria a parte principal de toda a ofensiva de verão, que procurava recapturar Khakov. O plano seria tentado por forças de dois Grupos de Exércitos - as Frentes Sudoestes e Sul - sob o comando do Marechal S. K. Timoshenko, um veterano da Guerra Civil, promovido a Comissário do Povo para a Defesa depois do colapso da guerra de inverno contra a Finlândia. A ele deve-se também a reorganização implacável do Exército Vermelho.



A ofensiva dirigida contra o saliente de Barvenkovo tomaria a forma de um movimento de pinças realizado pelo 6º Exército (Tenente-General A. M. Gorodnyansky), que atacaria pela face norte do saliente, dirigindo-se para Kharkov. Partindo da área de Volchansk, a nordeste da cidade, o 28º Exército, sob o comando do Tenente-General D. I. Ryabishev , com elementos do adjacentes 21º e 38º Exércitos, desceria ao encontro do 6º Exército. Um grupamento de combate, comandado pelo Major-General L. V. Bobkin, atacaria do saliente para oeste, na direção de Krasnograd, a fim de proteger a retaguarda do 6º Exército enquanto este se dirigia para o norte e para trazer as forças alemães ocupadas na face sul do saliente, o 9º Exercito (Major-General F. M. Kharitonov) e o 57º Exército (Tenente-General K. P. Podlas) montariam ofensivas limitadas, destinadas a imobiliza-las.



O plano era previsível, dadas a forma da linha de frente e a importância de Kharkov, que era a segunda maior cidade soviética em mãos alemãs e o centro principal das comunicações e abastecimento dos alemães no sul. Contudo, isto não era necessariamente decisivo para seu sucesso; agindo em condições certas, muitos movimentos menos imaginativos tem logrado êxito. Sua falha realmente fatal era mais básica e, como que de propósito, se adaptava aos planos alemães.



O projeto de Hitler para o verão era muito mais ambicioso que o de Stalin, mas, antes que pudesse ser posto em vigor, teria a Wehrmacht que realizar algumas operações preliminares. A cabeça-de-ponte soviética na Criméia tinha de ser eliminada, assim como o saliente de Barvenkovo. Por conseguinte, enquanto Timoshenko principiava a encher o saliente com forças de assalto (incluindo cerca de 600 tanques, dois terços do total de blindados), também o Feld-Marechal Fedor von Bock, comandante do Grupo de Exércitos Sul, concentrava a maior parte do seu 6º Exercito (Coronel-General Friedrich Paulus) contra sua face norte, e reunindo seu 1º Exército Panzer (Coronel-General Ewald von Kleist) do lado oposto da sua garganta sul, em Barvenkovo. Em suma, as melhores armas de Timoskenko - seus tanques T-34 médios e KV-1 pesados, superiores a quaisquer dos tanques alemães - estavam sendo empenhados num ataque contra um vazio, contra a face leste do saliente, ligeiramente defendida, enquanto que a verdadeira ameaça se desenvolvia atrás deles, na forma da “Operação Fredericus”- o fechamento do Saliente.



Nenhum dos comandantes percebia o que o outro estava querendo fazer, e se Bock estivesse pronto para atacar antes que os tanques de Timoshenko fossem lançados no vazio, seu Grupo de Exércitos Sul ter-se-ia encontrado em sérias dificuldades. Na verdade porém, Timoshenko desfechou sua ofensiva a 12 de maio de 1942, cerca de uma semana antes que Bock estivesse pronto. A princípio, a pinça sul de Timoshenko parecia esta indo bem (embora a do norte encontrasse dificuldade desde o início) e, do ponte de vista de Timoshenko, o único inesperado é que as brigadas de tanques da sua força sul não estavam, ao que parecia, encontrando muita oposição. Onde se haviam metido os alemães?



A pergunta foi respondida a 17 de maio, quando patrulhas de exploração, destacadas para ver a identidade e os efetivos das forças alemãs no flanco sul, retornaram com prisioneiros do 1º Exército Panzer, compreendendo que haviam caído numa armadilha, e que a cada hora que passava seus exércitos corriam mais perigo, Timoshenko comunicou-se por telefone com o Stavka e pediu permissão para diminuir a velocidade da ofensiva, para, reagrupando-se, poder enfrentar a nova ameaça. A permissão lhe foi recusada. Kharkov tinha de ser recapturada.



A ofensiva soviética não deixara de influir na paz de espírito de Bock. A “Fridericus” pretendera ser uma operação padronizada de duas pontas, com ataques pelo norte e pelo sul para fechar a garganta do saliente, o que não foi possível, porque a garganta norte, em Balakleya, defendida pela 44º Divisão de Infantaria (uma divisão vienense do ex-exército austríaco), debaixo de forte pressão soviética, não dava a ninguém a certeza de que podia ser defendida. Por certo, não poderia ser montada qualquer ofensiva partindo dali.



Portanto, foi com algum temor que Bock determinou um operação “Fredericus”de um só braço, realizada pelo 1º Exército Panzer do lado sul do saliente, com o apoio de infantaria fornecido pelo 17º Exército. Uma força de duas divisões Panzer, uma motorizada e oito de infantaria reuniu-se ao sul de Barvenkovo e se lançou à batalha na manhã de 17 de maio um dia antes do início marcado para “Fredericus” de duas pontas. De início houve dificuldades em penetrar as posições soviéticas, mas pela tarde do dia 22 a 14º Divisão Panzer chegara à margem sul da parte norte do rio Donetz, em Bayrak, fronteiro aos austríacos da 44º Divisão, que estavam em sérias dificuldades. O bolsão foi fechado e dentro dele encontrava-se a maior parte da força de assalto de Timoshenko, porque, embora ele tivesse conseguido a permissão do Stavka, no dia 19, para abandonar a ofensiva e enviado um representante, General Kostenko, para organizar a retirada, Kleist fora mais veloz que ele.



Algumas unidades do Exército vermelho conseguiram, combatendo, abrir caminho para o leste, mas a maioria das forças foi, dentro do bolsão, destruída; 29 divisões soviéticas se destroçaram completamente e muitas outras sofreram danos sérios, três exércitos haviam deixado de existir - o 6º, o 9­º, e o 57º, juntamente com seus comandantes, excetuando-se Khariatonov e seu QG, do 9º Exército, que saíram de avião no último momento; Kostenko estava morto; Bokin e seu grupo de assalto não mais existiam; o 9º Exército, que sob o comando de Kharitonov havia adquirido invejável folha de serviços nas batalhas defensivas do outono anterior, faria muita falta na prolongada defesa que se seguiria; dois terços dos tanques estavam perdidos.



E esta fora apenas um operação de arrumação, pois a principal ofensiva alemã estava por vir!



Muitos dos generais alemães se haviam opostos à invasão da União Soviética, especialmente com os britânicos às suas costas e com a possibilidade de a Grã-bretanha vir a servir de base para a invasão do continente e para a guerra de duas frentes que a Alemanha tanto temia. Como os planos ambiciosos de 1941, com sua ofensiva ao longo de toda a frente, não trouxeram nem o aniquilamento do Exército Vermelho nem o colapso do regime de Stalin, os estrategistas alemães tiveram de examinar mais atentamente as premissas militares, políticas e econômicas da guerra para decidir onde montar seu principal esforço, com suas forças agora mais limitadas. Também Hitler se mostrava muito preocupado com as realidades políticas e econômicas - já que o fracasso da Blitzkrieg de 1941 comprometera inevitavelmente a Alemanha com uma guerra prolongada, já agora com três grandes potências industriais alinhadas contra si, inclusive o colosso estadunidense.



Durante os meses de verão e outono de 1941, o regime de Stalin resistira a choques maiores que os que haviam derrubado o regime dos tzares na primeira guerra mundial. À parte as razões já discutidas, razões que Hitler talvez identificasse melhor que qualquer de seus generais, havia o fato de a industrialização haver dado a Stalin meios financeiros em quantidade que nenhum tzar jamais tivera. Grande parte do novo poderio industrial da Rússia - particularmente as grandes siderúrgicas dos Urais, como ss de Magnitogorsk - estava fora do alcance da Alemanha durante o futuro previsível; além disso, a capacidade soviética de produção de tanques vinha sendo suplementada por maquinaria evacuada das área industriais ocidentais antes que os alemães as alcançasse. A produção soviética de aviões também aumentava regularmente.



Assim, tendo as táticas de Blitzkrieg fracassado em 1941, quanto mais tempo o Urso Russo tivesse de vida, maior a probabilidade de ele finalmente vencer o antagonista, sobretudo quando grande parte do poderio industrial americano começou a ampara-lo.



Mas o colosso econômico soviético tinha um calcanhar-de-aquiles bem visível: o petróleo soviético localizava-se principalmente no Cáucaso e só haviam uns poucos caminhos, de Maikop, Grozny e Baku, por onde ele podia chegar aos centros de distribuição e finalmente acionar as rodas e lagartas dos veículos do Exército Vermelho. Havia a ferrovia que passava por Rostov; havia outra, que se separava da primeira em Trikorestk e seguia para Stalingrado, e uma terceira, que percorria a margem ocidental do Mar Cáspio de Baku e Grozny, seguindo para Astrakhan, onde se unia a uma linha que alcançava a Rússia Central. Havia o último e o mais importante dos caminhos, o imponente Volga, pelo qual iam e vinham imensas barcaças petroleiras, diretamente de Baku.



Capturada Rostov, a primeira rota estaria isolada. Tomadas Maikop e Grozny, situadas ao norte das montanhas do Cáucaso, e as segunda e terceira ferrovias estariam cortadas. Dispostas tropas na margem ocidental do Volga, a última rota estaria isolada, asfixiando toda a atividade industrial soviética e detendo completamente o Exército Vermelho. Melhor ainda, se fosse possível cruzar o Cáucaso e capturar o Baku, o petróleo soviético acionaria os veículos da Alemanha e lhe permitiria suportar uma guerra prolongada, aliviando-a da dependência dos campos petrolíferos romenos de Ploesti - vulneráveis aos ataques dos bombardeiros soviéticos estacionados da Criméia (até que a cabeça-de-ponte soviética dali fosse eliminada), ou dos aviões britânicos e americanos de longo alcance, sediados no Oriente Médio.



Mesmo isoladas, estas eram razões convincentes para Hitler dar ênfase à sua campanha de 1942, no sul; mas havia outras. A Alemanha estava firmemente plantada na parte Ocidental da área industrial de Kharkov, mas a área oriental - o carvão e o aço do Donbass - ainda era controlada pelos soviéticos. Um avanço pelo Volga a cortaria bem pelo meio e a acrescentaria às fontes de potencial industrial-militar da Alemanha.



Além disso, grandes benefícios políticos adviriam do sucesso no sul. Talvez se pudesse convencer a Turquia a abandonar a neutralidade, que se encontrava, pois, embora a política do seu governo fosse em geral favorável aos aliados, havia no país disposição para colaborar com a Alemanha, baseada sobretudo no companheirismo de armas da Primeira Guerra Mundial. Derrotando o inimigo hereditário da Turquia e aparecendo na fronteira turco-soviética; cortando a rota de abastecimento do Estados Unidos ã União Soviética, que passava pelo Irã, e, assim, ameaçando o controle anglo-soviético desse pais, a Alemanha se tornaria uma potência no Oriente Médio. Desse modo se a Turquia entrasse no jogo, a Alemanha poderia ameaçar toda a posição britânica naquela parte do mundo, avançando para os campos petrolíferos do Golfo Pérsico e para o Canal de Suez, visando a surpreender no Egito o 8º Exército britânico pela retaguarda.



Está claro que tudo isso eram considerações a longo prazo. No começo de 1942, a tarefa que confrontava os estrategistas militares alemães era o mais modesto, embora ainda formidável, dos problemas: conquistar as posições que lhe permitiriam realizar as brilhantes perspectivas que pululavam ativamente na desordenada imaginação de Hitler. As forças alemãs já estavam consideravelmente estendidas, objetivando manter as linhas de frente existentes, após as baixas das batalhas do inverno. Um movimento para sudeste sobre o Cáucaso estenderia mais estas linhas, e as forças enviadas para aquela área não estariam disponíveis para um desenvolvimento rápido, no caso de surgirem dificuldades em outra parte qualquer. Ademais, a retaguarda dessas forças estaria sempre aberta a qualquer golpe soviético que tomasse a forma de um ataque norte-sul, ao longo do Don e na direção de Rostov.



Caso isto acontecesse, elas seriam isoladas, ou teriam de sair apressadamente de Kuban e do Cáucaso. Portanto, era necessário colocar uma guarda de flanco e de retaguarda, para protege-las contra esse perigo, e o problema residia em saber onde coloca-la, tendo-se em mente que as forças da Alemanha estavam muito estendidas e que seus aliados, Romênia, Itália e Hungria, com sua tropa relativamente mal equipada, mal treinada e de duvidoso entusiasmo, teriam de participar da operação.



Qualquer exame, ainda que superficial, do mapa mostra, com toda clareza, a linha ideal. Ao sul do centro principal de comunicações de Voronesh, o Don começa a desviar-se para o leste, prosseguindo assim até o leste de Serafimovich, onde dobra para o sul, antes de finalmente, retomar o curso para oeste, até sua foz, no Mar de Azov. Por outro lado, o Volga dobra para oeste entre a sua foz, em Astrakhan, e Stalingrado. Assim, qualquer linha defensiva baseada no Don teria o rio à sua frente, até um ponto a leste de Serafimovich, e desse ponto até o Volga a distância não chega a 80 km. O Exército Vermelho podia atacar por esse trecho sem ter que inicialmente atravessar um grande rio. Portanto, o local natural para ancorar a extremidade oriental da linha de defesa do flanco era o Volga, na área de Stalingrado. Nesse ponto o rio tem cerca de 1.500 m de largura, o tráfego sobre ele poderia ser interrompido por bombardeio aéreo ou de artilharia, e qualquer tentativa soviética de cruza-lo seria prejudicada pela quantidade de água a atravessar. Não havia necessidade de tomar a cidade; isolada do norte, e só acessível por barcos fluviais, sob constante ataque aéreo e de artilharia, ela seria indefensável.



Assim, não se fez qualquer plano específico para toma-la. Como Kleist disse, depois da guerra: “No começo, Stalingrado para nós não passava de um nome no mapa”, e a maneira como a cidade foi ganhando importância no drama, aparece nas declarações e Diretivas de Hitler, feitas com o passar do ano e à medida que os fatores políticos, econômicos e militares se foram transformando na grande preocupação da sua mente, brilhante mas tão cheia de aberrações.



O plano básico para o verão preparado no inverno anterior, pelo Alto-Comando do Exercito (Oberkommando des Heeres, ou OKH), visara apenas a uma campanha modesta no sul. A parte principal ocorreria no norte, na captura de Leningrado e numa ligação com os finlandeses. O plano foi recusado, mas a operação de Leningrado permaneceu presente em todos os rascunhos que se seguiam e, no devido tempo, este fato influenciaria a luta muito longe do Volga.



A 28 de março o Chefe do Estado-Maior-Geral do OKH, Coronel-General Franz Halder, um brilhante planificador que se constituía em exceção, por não ser produto do Estado-Maior-Geral prussiano, e sim do velho exército bávaro, apresentou um plano operacional, revisto, para a defesa de verão, numa conferência realizada no QG de Hitler, o Wolfsschanze (a Toca do Lobo), situada no coração de florestas sombrias perto de Rastenburg. Ele recebeu o codinome de Fall Blau (“Caso Azul” - voltara-se ao uso de cores para codinomes, desde o fracasso da grande exceção, “Barbarossa”) e contemplava uma ofensiva em dois estágios.



Esta ofensiva era fora do comum porque seria montada de uma linha com uma inclinação para trás, e portanto, a primeira força a se mover seria a que partisse do ponto mais distante a oeste. Esta se dirigia para sudoeste, ao longo do Don, partindo da área de Krisk-Kharkov, afastando os exércitos de Timoshenko do rio e circundando-os. Então, no momento certo, a força situada na extremidade sudoeste da linha se moveria na direção leste, partindo do Rio Mius, desviando a Frente Sul soviética para noroeste. As duas forças se encontrariam a oeste de Stalingrado, cercando e eliminando totalmente as Frentes Sudoeste e Sul soviéticas, terminando com êxito a primeira fase da operação. Só então é que se desviariam para o sul rumo ao Cáucaso e aos campos petrolíferos.



Hitler aceitou o plano, mas recusou a Diretiva que o explicava insistindo em que ele próprio faria o rascunho, tornando-a muito mais específica do que era normal (uma Diretiva comumente estipula os objetivos e deixa os detalhes da sua consecução a critério dos comandantes interessados, mas Hitler desconfiava dos seus generais, sobretudo depois do colapso da campanha de inverno).



Por conseguinte, o resultado, a Diretiva nº 41, de 5 de abril de 1942, dá uma boa idéia do pensamento de Hitler na época. Nela, ele diz; “é fundamentalmente necessário unir todas as forças disponíveis para a realização da operação principal no setor sul visando a destruir o inimigo a oeste do Don, de modo a, subseqüentemente, capturar as regiões petrolíferas caucasianas e cruzar as montanhas do Cáucaso”. Ele também disse: “de qualquer modo, deve-se tentar alcançar Stalingrado propriamente dita, ou pelo menos elimina-la da lista dos centros industriais e de comunicações, submetendo-a à ação das nossas armas pesadas...”. A ênfase era clara: era “fundamentalmente necessário” destruir as forcas soviéticas no sul e depois tomar os campos petrolíferos; mas se devia “tentar” tomar Stalingrado ou pô-la ao alcance dos canhões e bombardeiros pesados.



Para a operação, Bock recebeu forças formidáveis. Para a pinça norte, ao longo do Don, ele tinha o 4o Exército Panzer (Coronel-General Hermann Hoth) e o 6o Exército (Coronel-General Paulus); para a pinça sul, o 1o Exército Panzer (Kleist) e o 17o Exército (Coronel Richard Ruoff), enquanto que o 11o Exército (Coronel-General Erich von Manstein) também estaria disponível tão logo tivesse limpado a Criméia e tomado a fortaleza de Sebastopol. Forças-satélites, consistiriam dos seguintes exércitos: 3o e 4o Romenos, 8o Italiano e 2o Húngaro; assim, o total das forças sob o comando de Bock atingia a 89 divisões, nove delas blindadas.



No começo de maio de 1942, os dois “Eixos” soviéticos (QG de controle de mais de um Grupo de Exércitos) no sul - sudoeste e norte do Caúcaso - tinham entre si 78 divisões (14 de cavalaria) e 17 brigadas de tanques que, a julgar pelas aparências, era uma força adequada para a defesa da sua área.



Mas esses números tem de ser interpretados com certo cuidado. Em primeiro lugar, uma divisão soviética, com todos os seus efetivos, tinha apenas dois terços ou três quartos da divisão alemã. Em segundo, em todos os aspectos, excetuando-se a coragem pessoal, o soldado de infantaria soviético e seus oficiais subalternos não eram iguais aos alemães. Em terceiro, as táticas soviéticas ainda eram estereotipadas e “lentas”. Em quarto, as forças blindadas soviéticas não tinham a experiência dos alemães em penetração profunda; a Blitzkrieg era algo sobre o qual haviam lido em jornais e livros, ao passo que os comandantes alemães a vinham usando com sucesso desde 1939; além disso, sua familiaridade com o controle e abastecimento de colunas velozes de tanques e infantaria motorizada compensava em muito a inferioridade da qualidade de seus blindados. Como veículos de combate, os tanques alemães - sobretudo os PzKpfw III e IV - eram marcadamente inferiores ao pesado KV-1 russo e, em especial, ao T-34 médio (o mais bem sucedido dos tanques produzido em qualquer parte durante a Segunda Guerra Mundial) em blindagem, poder de tiro e mobilidade.



Além disso, a inferioridade soviética aumentara com o colapso verificado no saliente de Barvenkovo, em maio, que destruíra 29 divisões de infantaria soviéticas e dois terços dos tanques de Timoshenko, deixando-o numericamente inferiorizado em blindados na proporção de 8 para 1 quando o ataque alemão começou; e a captura da Criméia pelos alemães eliminou mais cinco exércitos soviéticos, com um total de pelo menos 15 divisões. Assim, o equilíbrio de forças existentes no começo de maio, já no início de junho desaparecera, de modo que o prognóstico de uma grande ofensiva alemã no sul era bom.



Seria enfadonho traçar detalhadamente a história do equilíbrio de potencial humano durante as batalhas que precederam a de Stalingrado; basta dizer que quando o Grupo de Exércitos soviético chamado “Frente de Stalingrado” foi formado, em 12 de julho, composto de 38 divisões, 14 dessas divisões tinham menos de 1.000 homens cada uma, e outras seis tinham menos de 4.000, quando o organograma da divisão, “no papel”, dava-lhe um total de efetivos de 15.000 homens. Três exércitos que haviam combatido na ofensiva de Kharkov em maio (21o, 28o e 30o), tinham, entre si, 21 divisões, todas oficialmente classificadas como “remanescentes”, e o 4o Exército de tanques, formado a 22 de julho, possuía 80 tanques; por volta de 10 de agosto, não existia mais nenhum. Não havia força para acionar o “rolo compressor” russo, e fora basicamente a ofensiva para sair do saliente de Barvenkovo que colocara o Exército Vermelho nessa entaladela.


O Russo acabou



A 28 de junho, Bock fez seu primeiro movimento, lançando seu 4º Exército Panzer contra Voronezh, importante cidade no sistema lateral de comunicação soviético, situada atrás da linha de frente. Dois dias depois, ele colocou o 6º Exército em movimento, dirigindo-o para nordeste, contra o mesmo alvo, visando a formar um bolsão centralizado em Stary Oskol, onde os 6º, 21º e 40º Exércitos soviéticos ficariam envolvidos. Os dois exércitos alemães se posicionaram atrás deles, e o 2º Exército húngaro estaria a oeste. Ele iniciaria violentamente a ofensiva.



Todavia, Timoshenko recusou-se a cooperar. Fontes soviéticas não dizem que ele teve informações antecipadas, muito embora possa tê-las recebido, porque, a 19 de junho, o oficial de operações da 22º Divisão Panzer, Major Reichel, fez uma aterrissagem forçada perto das linhas Russas, quando voava para um visinho QG de corpo. Reichel tinha consigo alguns documentos, incluindo os objetivos para primeira fase do “Caso Azul” e que não foram recuperados. Por isso, tanto seu comandante de corpo, General Stumme, como seu comandante-de-divisão, General von Baoneburg-Lengsfeld, foram demitidos dos seus postos e mais tarde submetidos a conselho de guerra por quebra de sigilo.



Parece muito provável que os documentos tenham caído em mãos soviéticas, mas se os soviéticos acreditaram neles ou não, é coisa que não sabemos. É comum “plantar” documentos falsos durante a guerra, e muitos desses “cavalos dados” tiveram seus dentes ceticamente examinados, entre 1939 e 1945. De qualquer modo, dadas a inferioridade soviética de forças no setor sul da frente e a relutância do Stavka em desviar seus exércitos de reserva do setor central nesse ponto ainda se acreditava que a principal ofensiva alemã seria inevitavelmente contra Moscou), Timoshenko não teve outra alternativa senão recuar assim que as divisões Panzer se puseram em movimento. Estas traziam a intenção de cerca-lo, e destruir a força sobre seu comando, e uma vez que tivessem penetrado, Timoshenko estaria fazendo o jogo delas se se mantivesse firme.



Mas Voronezh tinha de ser defendida, porque, se caísse, as comunicações laterais soviéticas correriam perigo. Pior ainda, os alemães teriam a opção de atacar para o norte, atrás da frente de Bryansk, na direção de Moscou. O Stavka ignorava que Moscou não se encontrava na agenda alemã para 1942, e o fato de Voronezh aparecer como o primeiro objetivo alemão reforçaria a crença dos que achavam que os documentos de Reichel faziam parte de um ardil bem preparado. Assim, as reservas do Stavka começaram a dirigir-se para Voronezh; dois exércitos de “armas combinadas”(infantaria) e um exército de tanques tomaram posição na margem leste do Don, enquanto outro exército de tanques da ala direita da adjacente frente de Bryansk era deslocado para a área situada ao sul de Yelets, com ordens para fustigar o 4º Exército Panzer pelo flanco e pela retaguarda. Isto era arriscado, pois o 4º Exército Panzer já havia chegado à ferrovia Kastornoye-Stary Oskol ao anoitecer de 2 de julho e lançara um anzol em torno do flanco esquerdo do 40º Exército russo, pronto para envolve-lo, ao passo que o 6º Exército, atirado à batalha a 30 de junho, encontrava-se a apenas 40 km de Stary Oskol ao anoitecer de 2 de julho e se preparava para cercar os 21º e 28º Exércitos soviéticos.



Pelo menos dessa vez o Stavka reagiu com presteza. Um novo QG foi apressadamente instalado em Voronezh, pelo Tenente-General F. I. Golikov, e um grupo de oficiais de Estado-Maior e Chefe de Estado-Maior-Geral, Coronel-General A. M. Vasilevsky, partiram imediatamente de Moscou para o QG da frente de Bryansk a fim de assegurar o controle local. Tudo ficou pronto bem a tempo. Os alemães tomaram uma cabeça-de-ponte sobre o Don a 6 de julho, mas não conseguiram fazer qualquer progresso contra as forcas soviéticas entrincheiradas e, enquanto assediavam as portas de Voronezh, eles correram perigo de serem flanqueados quando a reserva da frente de Bryansk desfechou seu contra-ataque, pelo sul de Yelets, no mesmo dia. O 24º Corpo Panzer e três divisões de infantaria tiveram de ser destacados para enfrentar essa nova ameaça, e, com isso, Voronezh foi salva. Sua conquista exigiria agora uma grande operação.



Isto criou o primeiro problema importante de decisão para a liderança alemã. A tenacidade com o Exército Vermelho defendia Voronezh devia-se ao medo de que estava possuído pelo Stavka de que sua queda fosse o prelúdio de um avanço sobre Moscou, mas, como os alemães não tinham qualquer intenção de se dirigir para o norte, a captura rápida da cidade era menos importante do que o cerco dos exércitos de Timoshenko. Enquanto as divisões do 49º Exército Panzer estavam empenhadas na tentativa de tomar a cidade - tarefa para a qual não serviam e que desperdiçava a vantagem da sua mobilidade - os exércitos da Frente Sudoeste escapavam tranqüilamente por entre poderosas retaguardas, em boa ordem e com todo o seu equipamento pesado.



Em geral, Hitler não era avesso a impor decisões aos seus generais, mas dessa vez ele demonstrou uma humildade incomum. A 3 de julho ele chegou ao QG de Bock. Disse apenas que “não insistia mais” na captura de Voronezh - mas Bock, influenciado pelo fato de suas patrulhas se encontrarem já nos arredores da cidade, persistiu na empreitada. À medida que as reservas soviéticas entraram na cidade, e com a criação de um novo Grupo de Exército (a Frente de Voronezh), entendeu o comando nazista ser perigoso aliviar a pressão, pelo receio de que as forças soviéticas, agora muito maiores, contra-atacassem pelo flanco e pela retaguarda das forcas de Bock, de modo que boa parte do 4º Exército Panzer ficou retida ali até 13 de julho. Mesmo assim, ele não conseguiu tomar a parte oriental da cidade nem cortar as linhas de abastecimento soviéticas ao norte do Don. Entrementes, os exércitos de Timoshenko afastavam-se pelas estepes praticamente em paz. Finalmente Hitler perdeu a paciência, demitiu Bock, responsabilizando-o pelo fracasso da ofensiva e pelo desastre em Stalingrado, o ponto culminante seis meses depois.



Mesmo antes da demissão de Bock, Hitler tencionava dividir o Grupo de Exércitos Sul em dois Grupos, o (A) para cuidar do avanço para Cáucaso, e o (B) para a investida rumo ao Volga. Com esse objetivo em mente, mudou seu QG de Rastenburg para Vinnitsa, na Ucrânia, e empenhou-se numa revisão completa do programa operacional, culminando na emissão da Diretiva nº 45, a 23 de julho. Antes, porém, de examinarmos essa diretiva, levemos em conta a situação militar, tanto como a via Hitler, e como esta era na realidade.



Não há duvidas de que a pouca resistência soviética ao avanço dos 4º e 6º Exército Panzer para o leste foi para Hitler uma surpresa. Suas tropas percorriam os intermináveis trigais da Ucrânia em velocidade que lembravam as primeiras semanas inebriantes do verão anterior e as nuvens de poeira que marcavam seu progresso eram praticamente tão espessas quanto o nevoeiro do pseudo-sociológico absurdo que os ideólogos nazistas estavam provocando no jubilo prematuro pela queda dos infra-humanos russos. Até mesmo seus generais, que às vezes tentavam fazer com que Hitler descesse das nuvens, pareciam ter-se deixado envolver na euforia predominante. Halder, talvez o mais cético de todos, não encontrou resposta, quando Hitler lhe disse a 20 de julho: “Os russos estão liquidados”, exceto retrucar: “Devo admitir que assim parece”.



Não há como negar que o Exército Vermelho estivesse recuando para o sul a velocidades mais adequadas a uma fuga em pânico, porém a resistência que oferecia ao cerco e a tantas vezes demonstrada relutância em abandonar equipamento pesado indicava uma retirada apressada, mas organizada, para linha mais defensável. O General Warlimont, Subchefe do Estado-Maior de Operações do QG de Hitler, OKW (Alto-Comando das Forças Armadas), afirmou mais tarde, que “... estávamos esperando por uma vitória real; parecia-nos que o inimigo ainda não fora forçado a travar combate, a julgar pelo pequeno número de equipamento capturado”. Ele estava certo, mas não há nada que sugira que ele ou seus superiores, exceto Halder, fizessem outra coisa senão esperar em silêncio.



Admita-se que Hitler sempre relutou, até muito depois de Stalingrado, em aceitar qualquer argumento sobre as possibilidades do Exército Vermelho, que para ele havia chegado ao fim. Muitos meses depois, quando todo o seu frágil império ruía em seu redor, ele determinou a internação num asilo o chefe dos “Exércitos Estrangeiros do Leste”(o setor do Serviço Militar de Inteligência responsável pelos cálculos dos efetivos do Exército Vermelho), por ter feito estimativas que o Führer considerara exageradas. Assim, talvez fosse necessário um coração forte e um total desprezo pela própria carreira para sugerir ao Supremo “General” que o inimigo ainda se encontrava um tanto distante do último suspiro. Não obstante, é inacreditável que houvesse alguém em condições de poder concordar com as eufóricas bazofias de Hitler e seu séqüito, pois a situação real não era tão rósea.



É verdade que as coisas iam mal para o Exército Vermelho. O publico soviético mergulhara em profunda melancolia com a retirada aparentemente interminável; além disso, a “fraqueza” revelada pelos defensores da área sul estava sendo abertamente comparada com a firmeza dos que lutavam por Leningrado e Moscou. Isto provocou tensões entre generais do sul e os homens enviados pelo Stavka, que persistem até hoje, porque, afinal de contas, se tivessem permitido a Timoshenko abandonar a ofensiva de maio forças teriam estado em melhores condições de enfrentar o ataque alemão. O Stavka e Stalin foram os verdadeiros vilões da peça, e os generais do sul o sabiam, mas o público geral ignorava isso. Tudo o que este e o soldado comum sabiam é que, a cada dia que passava, a herança industrial soviética, criada tão recentemente e debaixo de tanto sacrifício, estava sendo entregue aos rapinantes alemães.



Assim, o estado de espírito da infantaria soviética que se dirigia para a grande curva do Don era a depressão e incerteza, situação que as exortações transmitidas por grupos de civis entusiásticos não aliviaram. O moral estava baixo. Muitos oficiais soviéticos tem narrado que, naqueles dias sombrios de julho, dias visinhos do momento da batalha de Stalingrado, foram designados para ocupar pontes ou cruzamentos de estrada, pistola de mão, organizando o pessoal desgarrado em unidades ad hoc e ouvindo as engenhosas razões dessa gente para dizer que não podia parar no momento.



Não obstante, a retirada foi, de modo geral, feita em ordem e sua extensão era facilmente explicada. O lugar óbvio para tomar posição e lutar era a extremidade oriental da grande curva do Don e o sincronismo da retirada era governado pela rapidez com que os exércitos da Reserva do Stavka podiam ser deslocadas para o sul. Devemos lembrar-nos de que esses exércitos haviam sido deslocados do centro, para que estivessem disponíveis par a defesa de Moscou, se necessário; todos eles estavam ao norte de uma linha traçada desde Borisoglebsk ate Saratov e só começaram a mover-se para o sul no início de julho.



O sensato seria desloca-los para a área da curva do Don, atrás das forças em retirada de Timoshenko, e era isto realmente que o Stavka pretendia. Não há duvidas de que teria sido mais dramático lança-los à frente aos bocados. A colocação desses homens em posições preparadas militarmente fazia mais sentido, embora isso também significasse que eles não estavam identificados na frente de batalha, o que confirmava a crença dos alemães de que o Exército Vermelho não tinha mais nenhuma reserva operacional. As ações alemãs decorrentes dessa concepção errônea seriam catastróficas para a Wehrmacht, porque, longe de estarem liquidados, o russos “ainda não haviam começado a lutar”.



A principio, Hitler ficou preocupado com o fato de o colapso iminente do Exército Vermelho vir a determinar aumento de pressão por parte dos britânicos e americanos na forma de uma invasão da Europa Ocidental. Ele retirara doze divisões do oeste durante os meses de maio e junho, transferindo-as para a Rússia, para a ofensiva de verão. Agora, ele retinha uma unidade de elite, a 1ª Divisão SS de Panzergrenadier (sua guarda pessoal, Leibstandarte Adolf Hitler), fora da batalha, e a 9 de julho ordenou que ele se dirigisse para oeste; depois determinou que a Divisão de Infantaria Motorizada, também de elite, a Gross Deutschland, seguisse a primeira. A seguir, o Führer começou a preocupar-se com a possível ação soviética contra o Grupo de Exércitos Centro e enviou as 9ª e 11ª Divisões Panzer para reforçá-lo.



A 11 de Julho, Hitler emitiu a Diretiva nº 43, ordenando que o 11ª Exército de Manstein, que acabara de capturar Sebastopol, atravessasse e Estreito de Kerch e participasse da invasão do Cáucaso. Dias depois, ele revogou a ordem e despachou todo o Exército, excetuando-se um corpo, para o norte, onde sua experiência na captura de fortalezas poderia ser explorada na conquista de Leningrado (operação remanescente do primeiro rascunho do plano para a ofensiva de verão, no qual fazia sentido. Agora, no plano definitivo, ela não tinha sentido algum, porque a ênfase fora desviada para o sul).



Então, para amontoar loucuras sobre loucuras, Hitler ordenou, a 13 de julho, que o 4º Exército Panzer, que estava avançando sobre Stalingrado, se desviasse para sudoeste, afim de ajudar o 1º Exército Panzer de Kleist na tomada de travessias sobre o baixo Don, a leste de Rostov. O 4o Exército Panzer acabara de ser liberado da tarefa que lhe fora atribuída na Diretiva original, mas agora tiravam-no desta para ajudar Kleist, cujas as forças (agindo como ponta-de-lança para o braço sul da pinça só se puseram em movimento quatro dias antes.



Para piorar as coisas, Kleist não precisava de qualquer ajuda, pois naquele mesmo dia o Stavka ordenou uma retirada geral da Frente Sul sobre o Don, exceto em Rostov, de modo que Hoth praticamente fechou um bolsão vazio , ao chegar às travessias do Don, encontrou-os praticamente sem defesa e as estradas de aproximação apinhadas com o trafego de Kleist, com o qual seus próprios tanques começaram a se enredar, impedindo o movimento de Kleist para o Cáucaso. Depois da guerra, Kleist afirmou que se o 4º Panzer não tivesse sido desviado dessa forma, ele poderia ter tomado Stalingrado em fins de Julho, e sem lutar. Isto é discutível, porque as divisões Panzer não são lá muito adequadas para conquistar grandes cidades; além disso, forças consideráveis da reserva do Stavka - notadamente os 62o e 64o Exércitos - provavelmente teriam sido desviadas para defender a cidade, caso estivesse sendo ameaçada por um Exército Panzer, e não pela sobrecarregada infantaria do 6o Exército.



Entretanto quaisquer que fossem os méritos da afirmação de Kleist, não há duvida alguma de que não havia necessidade do 4o Exército Panzer na área de Kleist, e pelo menos uma autoridade soviética (o Marechal Yeremenko) chegou a descrever sua diversão como “flagrante erro de cálculo estratégico”. Também não há provas de que os generais alemães objetassem na época, independente do que mais tarde pudesse ter falado a respeito, pois ignoravam a diretiva do Stavka para uma retirada geral e esperavam fazer boa colheita de divisões soviéticas - embora não tivessem tido sorte até então. Mesmo quando a pinça sul (1o Exército Panzer e 17o Exército) começou a mover-se, não conseguiu fazer mais do que empurrar a Frente Sul à sua vanguarda, pois assim como a Frente Sudoeste voltava sobre Voronezh, também a Frente Sul estava voltando sobre Rostov e, com isso, outra tentativa de cerco fracassara.



Todavia, o Alto-Comando ainda se apegava à crença de que o Exército Vermelho estava liquidado e foi nesse ponto - 23 de julho de 1942 - que Hitler emitiu sua Diretiva nº 45. Em vista da situação, o documento era surpreendente. A seqüência organizada do plano original - primeiro o Volga e depois o Cáucaso - desaparecera: os dois objetivos deveriam ser alcançados simultaneamente. Agora também já não bastava bombardear Stalingrado - era preciso tomá-la. Quanto aos campos petrolíferos caucasianos, Maikop e Grozny não eram o suficiente, a despeito do fato de a captura de Grozny possibilitar o isolamento do abastecimento de petróleo soviético por ferrovia, desde os campos principais de Baiku, que tinham de ser tomados, muito embora isto implicasse a travessia da cordilheira do Cáucaso - importante barreira defensiva, com poucos passos e cujos píncaros ultrapassavam os 3 mil metros - por desfiladeiros estreitos onde uns poucos defensores decididos poderiam deter toda uma divisão.



O 4o Exército Panzer ainda estava nos arredores das travessias do Don e, a despeito de necessitarem dele mais ao norte, só seis dias depois é que as ordens que trazia foram mudadas. A 29 de julho, Hoth conseguiu fazer seus primeiros tanques atravessar o rio e, tão logo o fez, recebeu novas ordens. Ele teria de deixar uma divisão para trás, para manter contato com Kleist, e fazer o restante atravessar novamente o tio Akasay e abordar Stalingrado pelo Sul. A cidade começava a dominar a imaginação alemã.



O Exército Vermelho não ficara esperando passivamente que os alemães decidissem o que fazer a seguir, pois, embora a importância de Stalingrado pudesse variar, na concepção de Hitler e dos generais, não haviam dúvida quanto ao lugar que ela ocupava na mística soviética. O próprio nome significava “cidade de Stalin” - e nomes podem ser importantes. Não tinha Hitler mudado o nome do couraçado-de-bolso Deutschland devido a possíveis efeitos sobre a moral do povo se um navio chamado “Alemanha” fosse posto a pique? Mais do que isso, o próprio Stalin desempenhara em 1920 papel importante na derrota dos Exércitos Brancos do General Denikin nesse local (então chamado Tsaritsyn).



Nos anos subseqüentes, a cidade fora escolhida para símbolo da União Soviética e se tornou um gigante industrial, estendendo-se por 40 km ao longo da margem ocidental do Volga. Stalingrado sustentava uma população de 600.000 habitantes com suas fábricas - três das quais, a siderúrgica “Outubro Vermelho”, a fábrica de material bélico “Barricadas” e a Fábrica de Tratores de Stalingrado, se enfileiravam ao longo do rio, no setor norte da cidade, cujos “Bairros Operários”, situados imediatamente a oeste, desempenhariam papel importante na próxima batalha.



Embora a cidade, como sinal especial da preferência de Stalin, fosse sobrecarregada da arquitetura do tipo bolo de noiva, da qual ele tanto gostava, seus habitantes sentiam por ela grande orgulho, com seus parques e passeios ao longo do rio, com numerosas ravinas ligando-se ao Volga e, em seu centro, muito indícios de um futuro mais amplo, coisa a que todos aspiravam. O próprio Volga, que ali tinha quase 1.500 metros de larguras, contava numerosas ilhas; sua margem ocidental era alta e alcantilada, com saliências em certos lugares, debaixo das quais havia muitas cavernas. No interior da cidade salientavam-se várias colinas de pequena altitude, uma das quais, a Mamayev Kurgan (Túmulo de Mamay), com seus 110 m de altura, oferecia excelente panorama de todo o centro. Embora não houvesse pontes sobre o Volga, grandes barcaças ferroviárias e rodoviárias o cruzavam, e o porto fluvial crescia cada vez mais em importância, depois da tomada de Rostov e das suas ferrovias, a 25 de julho. O Exército Vermelho não abandonaria facilmente essa cidade.



Varias mudanças foram então introduzidas na organização da defesa da área. A Frente Sudoeste fora eliminada e os Grupos de Exércitos ficaram diretamente subordinados ao Stavka, enquanto que a nova Frente de Voronezh, formada para conter Bock no norte, fora entregue ao comando de um antigo Subchefe do Estado-Maior-Geral, General N.F. Vatutin, e seu vizinho do norte, a Frente de Bryansk, também era entregue a outro antigo Subchefe do Estado-Maior-Geral, General F.I. Golikov. Essas duas nomeações refletiam a influência de Zhukov, pois os dois homens haviam servido sob seu comando no passado recente e ambos viriam a despenhar papéis importantes, mais tarde, na batalha de Stalingrado, à medida que Zhukov passava a envolver-se nela e a orientá-la cada vez mais. Com a eliminação da Frente Sudoeste, à medida que suas forças se retirassem para a curva do Don, seriam absorvidas pela Frente de Stalingrado, que estava sendo formada com tropas dos exércitos de reserva do Stavka.



A nova Frente passou a ter existência oficial a 12 de julho e de início Timoshenko foi quem a comandou, mas era evidente que ele teria de sair - não em desgraça, porque, no todo, a retirada para a curva do Don fora feita com habilidade e economia, mas porque a nova Frente era importante demais para ser comandada por um general que rescendia a derrota. De qualquer modo, ele pertencia à geração mais velha de comandantes do Exército Vermelho, que agora começavam a ceder lugar a homens educados dentro de escola mais moderna, ligados ao próprio Zhukov ou ao antigo líder deste, o grande Marechal Tukhachevsky, a quem Stalin “expurgara” e executara usando a acusação falsa de ter tramado com a Alemanha contra o estado soviético. Assim, a 22 de julho, Timoshenko foi investido no posto mais alto do importante, mas ainda tranqüilo, setor noroeste da frente, e seu lugar foi ocupado pelo General V.N. Gordov, que três dias antes assumira a direção do 64º Exército, uma das formações da reserva do Stavka que fora deslocada para a curva do Don e estava em vias de tomar posição.



O Grupo de Exércitos B havia formado três subgrupos para o ataque a Stalingrado, sendo-lhes distribuídas as seguintes tarefas: o Grupo Norte, consistindo de duas divisões Panzer, atacaria a 23 de julho, partindo da área de Golovsky-Peralazovsky, visando a capturar a grande ponte sobre o Don, em Kalach, atrás das forças soviéticas deslocadas a oeste do Don. A Força Central, com uma divisão Panzer e duas de infantaria, atacando a 25 de julho, avançaria da área de Oblivskaya-Verkhne-Aksenovsky, também na direção de Kalach. Enquanto esses dois grupos formavam uma escora contra as forças soviéticas na curva do Don, o 6o Exército se aproximaria, vindo do lado oeste, e os envolveria, deixando aberto o caminho para o Volga. A oportunidade seria então explorada pelo terceiro grupo (Sul), com uma divisão blindada, uma motorizada e quatro de infantaria, que já teriam atravessado o Don em Tsimlyanskay no dia 21 e estabelecido uma grande cabeça-de-ponte de onde ele avançaria do sul sobre Stalingrado; enquanto isso, os dois outros grupos, tendo terminado sua tarefa na curva do Don, avançariam para o Volga, pelo oeste e noroeste da cidade.



Para a execução desse plano, o Comandante-Chefe do Grupo de Exércitos B, Coronel-General Freiherr von Weichs, tinha uma força total equivalente a 30 divisões - embora menos de dois terços destas fossem alemães - e mais de 1.200 aviões, superando numericamente as forças soviéticas na curva do Don na proporção de cerca de doid pra um. Contudo, para uma operação defensiva, essa proporção não era desesperadamente desfavorável para os comandantes soviéticos. Para eles, uma disparidade muito maior de armas, porque, graças às perdas na ofensiva de Kharkov, eles estavam em inferioridade numérica de cerca de dois pra um em tanques e canhões, e de três pra um em aviões. Além disso, para piorar as coisas, quase 300 dos 400 aviões do seu 8º Exército Aéreo eram de tipos obsoletos, porque os aviões melhores e mais novos - os caças Yak-1, os bombardeiros leves Pe-2 e o excelente avião de ataque a terra Il-2 (o Sturmovik) - só estavam disponíveis em poucas quantidades. Na prática, isto significava que a superioridade aérea alemã sobre a área era quase total.



Do seu total de 30 divisões, Weichs pode deslocar cerca de 20 contra as forças soviéticas na curva do Don (quase todas elas alemãs e uma romena), às quais pode acrescentar mais um corpo a partir de começos de agosto, quando o 8o Exército italiano começou a ocupar seu setor ao longo do Don, de ambos os lados de Veshenskya. As forças soviéticas eram formadas pelos 62o e 64o Exércitos, apoiados pelo 1o Exercito de Tanques (que tinha 160 tanques) e pelo 4o Exército de Tanques (com 80 tanques), enquanto que o canto norte da curva era ocupado pelo 1o Exércitos de Guardas, cujo único papel na batalha foi defender uma cabeça-de-ponte ao sul do rio, em Kermenskaya. Mas todos os exércitos que tinham de suportar o peso principal do ataque alemão eram recém-formados e os dois exércitos de tanques eram particularmente inexperiente, pois só a 22 de julho é que tinham sido criados.



À parte algumas escaramuças entre o 14o Corpo Panzer e os elementos avançados do 62o Exército, ao longo do Rio Chir, a partir de 17 de julho, não houve nenhuma ação importante antes de 23 daquele mês, quando cinco divisões alemães atacaram a ala direita do 62o Exército ao norte de Manyolin, enquanto que o 64o Exército era atacado no rio Tsimla. Depois de três dias de luta, o 14o Corpo Panzer penetrou as defesas do 62o Exército e avançou para Kamensky sobre o Don, flanqueando aquele exército pelo norte. O 1o Exército de Tanques, que se foi deslocado atrás do 62o, tentou isolar a força alemã atacando-a pelo norte, através da sua retaguarda enquanto o 4o Exército de Tanques tentava um ataque de desvio pelo norte do saliente alemão -, mas, como nenhum dos dois exércitos existia há mais de cinco dias, como ambos continham uma mistura heterogênea de tanques e infantaria não-motorizada, ainda estavam apenas parcialmente equipados e eram comandados por oficiais de infantaria que não tinham experiência no trabalho com blindados, era pouco provável que seus ataques tivessem êxito; e não tiveram - especialmente por não terem qualquer coordenação e receber pouco apoio de artilharia e praticamente nenhuma cobertura aérea.



Enquanto esse mal-dirigido ataque caminhava vacilante para o fim inevitável, o 24o Corpo Panzer enfiava uma cunha entre os 62o e 64o Exércitos ao se dirigir do sudoeste para Kalach ao longo da margem ocidental do Don. O Stavka ficou muito inquieto com a penetração sul e a 28 de julho deu ordens a Gordov para que fortalecesse as defesas sul da área situada entre os rios desde Logovsky. Assim, a 1o de agosto ele deslocou o 57o Exército ao longo dessa linha e também recebeu o comando do 51o Exército, que se deslocaria pelo sul da curva do Volga, desde os Lagos Sarpa ate o ponto em que a linha de frente chegava à estepe Calmucos, na direção de Rostov. Isto dava à Frente de Stalingrado uma linha de quase 700 km de extensão, e em vista da dificuldade de se administrar frente tão longa decidiu-se criar um novo Grupo de Exércitos, a Frente Sudeste, que cuidaria da parte meridional da linha do Gordov. Com isso, teve inicio a procura de um oficial adequado para comanda-lo.



Entrementes, na área da curva do Don a situação tornara-se relativamente calma, porque, embora as forças móveis alemãs tivessem chegado ao Don e feito penetrações profundas de ambos os lados do 62o Exército, as tropas inexperientes da reserva do Stavka haviam-se saído muito bem, e nem o 6o e nem o 4o Exército Panzer estavam em posição de forçar a linha do Don ou envolver o 62o Exército sem parar para reagrupar. A maior parte do 4o Exército Panzer já havia voltado da inútil expedição que fizera às travessias do Don, no sul, e a 31 de julho Hoth levou-o à ofensiva, na área de Tsimlyanskaya, contra o 51o Exército, que estava por demais estendido e que, com cinco divisões de infantaria abaixo dos seus efetivos, tentava proteger uma frente de 200 km de Verkhne-Kurmoyarskaya ate Orlovskaya.



O golpe de Hoth penetrou as defesas do 51o Exército, que começou uma retirada apressada para a ferrovia Tikhorestsk-Krasnoarmeysk. Assim, por volta de 2 de agosto, ele chegara a Kotelnikovo, restando entre ele e Stalingrado apenas 135 km de território com alguns pequenos obstáculos naturais, sendo com mais importante deles os rios Aksay e Myshkova.



Tinha havido algumas mudanças de comando na frente de Stalingrado: o 62o Exército passara para o comando do General A.I. Lopatin, enquanto que o comandante em exercício do 64o Exército, Tenente-General A.I. Chuykov, passara a direção de seu exército ao Major-General M.S. Shumilov, partiu para apresentar-se ao QG da Frente em Stalingrado, discutira com Gordov (por cujas qualidades como comandante de Frente não tinha muito respeito) e voltara para o 64o Exército, a fim de dar alguma explicação por escrito da retirada de algumas das unidades desse exercito para o outro lado do Chir, quando ainda sob seu comando. Na manha de 2 de agosto, Shumilov mandou chamá-lo, informou-o da penetração de Hoth, que ameaçava flanquear todo o exército e talvez toda a frente, e sugeriu que ele se encarregasse do setor sul.



Chuykov, satisfeito por escapar à tarefa de escrever o relatório, partiu imediatamente. Ao chegar ao setor sul, descobriu ele duas divisões de infantaria soviéticas, parte do 51o exército, vagando pela estepe, a caminho de Stalingrado, para se reunir ao exército do qual se haviam desgarrado, levando consigo dois regimentos de morteiros de foguetes Katyusha e evidentemente abalados pelas pesadas baixas que haviam sofrido no ataque de Hoth; mas eles não tinham rádio. Chuykov assumiu seu comando, colocou-os atrás do rio Aksay e pôs um regimento de infantaria na retaguarda deles para consolidar sua resolução; a seguir, entrou em contato com o QG da frente, comunicou o que tinha feito e foi informado de que 208a Divisão de infantaria da Sibéria estava desembarcando de um trem na região, devendo também subordinar-se ao seu comando - se ele conseguisse encontrar seu QG, cujo paradeiro era desconhecido.



Depois de várias horas, ele encontrou a divisão, que começara a desembarcar no dia anterior, mas soube que quatro trens carregados haviam sido destruídos por aviões alemãs e os sobreviventes se haviam espalhado. Pouco mais adiante, na estação de Chilekov, encontrou mais trens carregados de soldados da mesma divisão e que começavam a desembarcar, mas de repente sete aviões alemãs apareceram e bombardearam a estação, causando pesadas baixas entre as tropas e destruindo seu radio. Maldizendo Godov por não ter assegurado a proteção aérea à divisão, Chuykov começou a reunir os desgarrados, organizando-os em unidades e encarregando-as de varias tarefas.



Com essa força improvisada, organizou um defesa ao longo do Aksay e despachou patrulhas de reconhecimento, que verificaram que a principal força de Hoth fazia largo desvio para o leste -obviamente com a intenção de atacar Stalingrado pelo sul. A própria força de Chuykov, situada no Aksay, foi atacada, a 6 de agosto, por tropas de infantaria alemãs e romenas. Chuykov rechaçou o golpe e sustentou a posição até que recebeu ordens de recuar, a 17 de Agosto, em conformidade com a retirada geral de toda a linha. Ele aprendera algumas lições a serem empregadas para romper ataques alemães e as aplicaria muito bem, em momentos mais importantes, em vários estágios cruciais da batalha.



Na frente principal, na curva do Don, a situação piorara para o Exército Vermelho após o fracasso do contra-ataque. O 62o Exercito perdera a maioria das suas oito divisões de infantaria, que abriram caminho lutando em pequenos grupos mas deixaram a maior parte do seu equipamento para trás e levariam algum tempo para se reagruparem e reequiparem. Para substitui-las, ele recebeu algumas das divisões do 1o Exército de tangues que fora dispensado, bem como um divisão pertencente ao 64o Exército, mas que fora afastada para o norte pela penetração alemã entre os dois exércitos. A grande ponte em Kalach fora tomada intacta por audacioso golpe levado a cabo por pequeno grupo de sapadores de assalto alemães, permitindo assim aos tanques alemães o salto fácil para a língua de terra entre o Don e o Volga. Gordov começara mal como comandante de Frente, sendo evidente que não poderia manter a posição por muito mais tempo.



Por volta de 16 de agosto, a última cabeça-de-ponte no trecho do Don que corre de norte a sul entre Kamensky e Verhne-Kurmoyarskaya fora entregue; porém, mais ao norte, ao longo do trecho oeste-leste do Don, antes que este alcance a grande curva, o 1o Exército de Guardas e o 21o continuaram de posse de vários trechos da margem sul entre Kletskaya e Serafimovich, enquanto que os romenos do 3o Exército permaneciam obstinadamente na defensiva. Essas cabeças-de-ponte esquecidas, que então pareciam não preocupar ninguém no OKW, no OKH ou no grupo de Exércitos B, revelar-se-iam decisivas quando o calor e a poeira de agosto cedessem lugar às neves de novembro.


Yeremenko assume



A principio, Stalin estava interessado em encontrar não um substituto para Gordov, e sim um comandante para a Frente Sudeste. Em vista, porem, dos desenvolvimentos subseqüentes, causados pelo trabalho insatisfatório de Gordov na batalha da curva do Don, ele viria a dar importância extraordinária à nomeação do homem que seria encarregado do novo Grupo de Exércitos.



A 1o de agosto, um atarracado general soviético discutia com seu médico num quarto de hospital em Moscou, onde se recuperava de um ferimento na perna, seu segundo ferimento sério na guerra. Ele tentava convencer o médico de que estava em condições de retornar à ativa, e, depois de áspera discussão sobre os direitos dos pacientes versus os dos médicos em decidir quando se está ou não apto para receber alta, foi ele submetido a um teste prático de verificação de sua habilidade em andar sem o auxilio da bengala. Meia dúzia de passos foram o bastante para lhe provocar um suor frio na fronte e a perna ficou dormente.



“Basta, basta”, ordenou o médico em triunfo. “Agora está claro, estimado Coronel-General, sobre quem está errado quanto ao momento da recuperação. Ainda é preciso um período de cura fundamental”. O general confessou timidamente que já se havia apresentado ao Stavka dizendo-se apto para voltar à frente. “Pior para o senhor”, disse o médico. “Sem uma nota do médico encarregado, eles nem se quer olharão para o relatório.”



Com o fracasso do blefe, o general recorreu ao apelo emocional. “Diga-me, professor, com sinceridade, se o senhor estivesse sofrendo do meu mal, e no mesmo estado, será que ficaria calmo, sabendo que centenas de pessoas estão morrendo de ferimentos e esperando sua ajuda, professor, somente sua ajuda, de ninguém mais?”. O professor ponderou, mas não deu nenhuma resposta direta. “Está bem , se o senhor me der sua palavra de honra de que obedecera estritamente o regime que eu prescrever, não hesitarei em dar-lhe alta”. O general passou o resto do dia procurando caminhar sem a bengala, enquanto aguardava um telefonema. Este veio volta da meia-noite, do Secretário do Comissário do Povo para a Defesa. “Seu relatório foi examinado. Venha imediatamente ao Kremlin.”



Ele deixou sua bengala na ante-sala de Stalin e entrou corajosamente na sala de conferencias do Comitê de Defesa do Estado. Stalin, que acabava de dar um telefonema, voltou-se para ele, fitou-o cautelosamente nos olhos e disse: “Bem, o senhor acha que já esta bom?”. “Sim, estou recuperado”, disse o general. Um dos outros membros dos comitê observou que ele estava mancando, mas o general retrucou, alegando um bem-estar que estava longe de sentir. “Então, está bem”, disse Stalin. “Para nós o senhor está de volta à ativa. Temos muita necessidade do senhor neste momento. Vamos tratar dos negócios. As circunstâncias em Stalingrado agora são tais, que não podemos deixar de tomar medidas para fortalecer esse importantíssimo setor da frente e para melhorar a direção das tropas. Decidimos dividir em duas a recém-formada Frente de Stalingrado. O Comitê de Defesa do Estado pretende dar-lhe o comando de uma delas. Qual a sua opinião?” “Estou pronto para servir em qualquer lugar que o camarada julgue necessário mandar-me”, respondeu o general. Seu nome era Andrey Ivanovich Yeremenko, Coronel-General com 39 anos de idade.



Yeremenko era um dos “quebra-galhos” favoritos de Stalin e já fora encarregado de algumas tarefas difíceis, embora não fosse em todas bem sucedido. Mas ele era um estrategista atilado e um grande otimista. Os desafios eram para ele uma das razões da vida. Talvez seu otimismo, às vezes, disparasse, talvez ele às vezes tendesse para considerar-se um homem do destino, mas a situação não era para os timoratos e ninguém podia acusá-lo disso. Ele logo se dirigiu para o edifício do Estado-Maior-Geral, a fim de se familiarizar com a situação no sul, retornando ao gabinete de Stalin naquela noite. Depois de alguma discussão com Stalin sobre a conveniência de se manter uma única Frente de área (implicitamente sob o seu comando, e não sob o de Gordov), ele cedeu à decisão de Stalin e pediu o comando da Frente Norte, observando que o extenso flanco alemão ao longo do Don seria muito vulnerável a um contra-ataque, mais adequado ao seu temperamento do que a defesa. Stalin ouviu-o até o fim e retrucou: “Sua proposta merece atenção, mas isto é para o futuro; por enquanto temos de deter a ofensiva alemã”.



Fez um pausa para encher o cachimbo, e Yeremenko apressou-se em concordar. “Seu raciocínio é perfeito”, prosseguiu Stalin. “Estamos enviando-o à Frente Sudeste para deter o inimigo, que está atacando pela área de Kotelnikovo, na direção de Stalingrado. A Frente Sudeste tem de ser criada do nada, e depressa. O senhor tem experiência disso; criou a Frente de Bryansk do nada (em 1941). Assim, voe ate Stalingrado amanhã e crie a Frente Sudeste.”



Yeremenko chegou a Stalingrado na manhã de 4 de agosto. No aeroporto, esperava-o um carro, enviado pelo seu “Membro do Conselho Militar”, o homem responsável pela supervisão do Departamento Político da Frente, incumbindo da doutrinação, propaganda, moral e bem-estar dos soldados, apara assegurar a máxima cooperação das autoridades partido e do governo em Moscou e, se preciso, para assegurar (discretamente) que Yeremenko permanecesse “politicamente” sensato. O “Membro do Conselho Militar”, muito conhecido no sul, era o Primeiro-Secretário do Partido Comunista Ucraniano. Servira a Timoshenko no cargo em que passou a servir a Yeremenko. O cargo de Comissário equivalente à patente de Tenente-General. Era um homem baixo, atarracado, dotado de um temperamento que, depois da guerra, se tornaria conhecido do mundo inteiro. Seu nome; Nikita Sergeyevich Krushev.



Yeremenko tinha quatro dias pra criar a Frente Sudeste e passaria a comandá-la a 9 de agosto. A linha demarcatória das suas responsabilidades e as de Gordov partia de Kalach, descendo o vale do rio Tsaritsa até o Volga, cortando assim em duas partes a área da cidade. Seu QG estava situado numa instalação subterrânea, o Abrigo Tsaritsyn, especialmente construído no começo do ano. Assim que começou a organizar seu QG, suas reações foram postas à prova quando, a 7 de Agosto, os Panzer de Hoth (que Chuykov vira evitando a linha de Aksay nos dias 5 e 6) se aproximaram de Stalingrado pelo sul, penetraram o flanco esquerdo do 64o Exército e chegaram a 30 km da cidade. Ele não podia esperar ajuda da Frente de Stalingrado, cujas forças estavam plenamente comprometidas, e seus outros exércitos (51o e 57o) encontravam-se muito aquém dos seus efetivos: o 51o tinha apenas o equivalente a uma divisão completa na área - os remanescentes dos dois outros ainda estavam na linha Aksay, com Chuykov, longe demais para ajudar.



O pânico irrompeu na cidade e foi necessário que se adotassem medidas draconianas para evitar que os civis invadissem as estradas necessárias ao tráfego militar. Depois disso, reuniu-se apressadamente uma força improvisada, com canhões antitanques e morteiros de foguetes Katyusha, a qual foi enviada para enfrentar Hoth em Abganerovo. Seguiram-se sete dias de luta, com o primeiro choque ocorrendo a 9 de agosto, mas finalmente se deteve a penetração de Hoth, que abandonou momentaneamente a tentativa de penetrar pelo Sul. Assim, Yeremenko saiu-se bem em sua primeira prova; porém, outras mais severas estavam por vir, a começar a 10 de agosto, enquanto a luta em Abganerovo estava no auge.



Naquele dia surgiu uma situação muito séria na ala esquerda da Frente de Stalingrado, imediatamente adjacente à direita de Yeremenko, quando o 62o Exército do General Lopatin encontrou dificuldades ao tentar um contra-ataque com três das suas divisões. Embora estas causassem algumas baixas aos alemães, acabarem cercadas por três lados e só puderam escapar com grande dificuldade e pesadas baixas. Com isso, embora o avanço alemão fosse temporariamente detido na margem ocidental do Don, a situação continuou crítica, porque a linha natural do avanço para Stalingrado era diretamente oblíqua à linha de demarcação entre as Frentes de Stalingrado e Sudeste, com todas as dificuldades impostas pela coordenação das operações entre dois comandantes de igual patente especialmente no tocante ao movimento de reservas. Naquele momento, Yeremenko não dispunha de reservas, sendo, portando, obrigado a depender de Gordov (com o qual, ou para quem, quase todos os oficiais graduados soviéticos tinham tido dificuldades de trabalhar e que, no momento, também não contava com reserva alguma). Yeremenko informou ao Stavka essa dificuldade, com o resultado talvez inesperado de que, na noite do dia 13, ele se viu nomeado comandante das duas Frentes, tendo Gordov como seu subcomandante para a Frente de Stalingrado e Golikov (mais tarde da Frente de Bryansk) preenchendo o mesmo posto na Frente Sudeste. Assim, ele tornou-se Comandante Supremo no local, e, embora membros do Stavka visitassem freqüentemente o seu QG, quaisquer decisões que tivessem de ser tomadas rapidamente, a ele cabia tomá-las. Sua faculdade de agir com presteza em breve seria posta à prova, pois Paulus estava prestes a montar a mais séria ameaça aos defensores da cidade, na forma de um ataque pelo norte, oeste e sul.



Hitler estava muito revoltado com o fracasso dos seus generais em capturar Stalingrado e Paulus não podia deixar de reagir aos desejos do seu senhor. O limite do prazo para a captura da cidade era 25 de agosto, data que se aproximava, de modo que o QG do 6o Exército emitiu ordens operacionais no sentido da tomada a 19 de agosto, fixando-se o início das operações para as 04:30 h do dia 23. Na primeira fase, uma ponta-de-lança móvel, de que faziam parte a 16a Divisão Panzer, a 3a e a 60a Divisões Motorizadas, comandadas pelo Tenente-General Hube, abriria um caminho pelo corredor entre o Don e o Volga, partindo de cabeças-de-ponte de ambos os lados do Vertyachi. Quando tivessem alcançado os subúrbios norte de Stalingrado (Spartakovka, Rynok e Latashinka), elas se preparariam para entrar na cidade na direção do sul, enquanto forças subseqüentes consolidavam e ampliavam o corredor conquistado. O 4o Exército Panzer invadiria a cidade, pelo sul, assim que ela tivesse sido isolada pelo seu lado norte, e o 51o Corpo do General von Seydlitz-Kurzbach se dirigiria de Kalach para leste, mantendo contato em seu flanco norte com a força subseqüente de Hube e visando a atacar Stalingrado na junção entre os 62o e 64o Exércitos, de modo a isolá-los um do outro.



A força de Hube partiu na hora marcada, sobrepujando as defesas soviéticas pelo peso, velocidade e eficiência. A quilômetros de distância, para o sudeste, seus integrantes podiam ver as nuvens de fumaça provocadas pelos incêndios lavrados em Stalingrado pelos ataques da aviação alemã (Luftflotte IV) que, somente naquele dia, realizara mais de 2.000 surtidas, numa campanha de terror com a qual os habitantes de Varsóvia e Roterdã estavam familiarizados. No meio da tarde os homens de Hube já avistavam a cidade e, à aproximação da noite, abriram caminho esmagando a defesa improvisada das operárias da fábrica “Barrikady”, que guarneciam canhões antiaéreos, e avançando para a elevada margem ocidental do Volga, ao norte de Rynok. Ali, eles passaram a noite preparando-se para a batalha do dia seguinte, quando a cidade, por certo, cairia. Mas, sem que soubessem, Yeremenko estava prestes a agir como parteira, trazendo à luz uma fortaleza numa cidade morta.



Ele despertara, bem cedo, com a notícia de que os alemães avançavam através do espaço entre os 62o Exército e o 4o Exército de Tanques (este, agora, só tinha infantaria, pois todos os seus tanques haviam-se perdido na batalha da curva do Don), alertando para o fato o Coronel Sarayev, comandante da 10a Divisão de forças do NKVD (Comissariado do Povo para Assuntos Internos), que eram, essencialmente, tropas dedicadas à segurança interna, os “primos” uniformizados da polícia secreta, motivo por que não tinham armamentos pesados, como artilharia. A despeito disso, porém, a defesa do perímetro urbano, de 50 km de extensão, estava em suas mãos, já que não podiam empregar formações do exército regular para essa tarefa.



Às 08:00 h, Yeremenko telefonou ao QG do 62o Exército pedindo um relatório sobre a situação, o qual deixou claro que os alemães corriam velozmente contra a cidade. Às 09:00 h, o Chefe do Estado-Maior do 8o Exército Aéreo, General Seleznev, informou: “Pilotos que acabam de regressar de um vôo de reconhecimento dão conta de que se ferem intensas lutas na área de Malaya Rossoshka. Em terra, tudo está em chamas. Os pilotos viram duas colunas de cerca de 100 tanques cada uma, seguidas de densas colunas de infantaria transportadas em caminhões. Vêm na direção de Stalingrado. As vanguardas das colunas estão passando pela linha Malaya Rossoshka. Grandes grupos de aviões inimigos estão bombardeando nossas forças, para abrir caminho para suas colunas”.



Yeremenko não gastou palavras. “Minha decisão: mande todos os aviões da Frente de Stalingrado decolar imediatamente. Desfeche um golpe violento contra as colunas de tanques e infantaria motorizada inimigas”. A seguir, telefonou ao Major-General T. T. Khryukin, comandante das forças aéreas da Frente Sudeste, mandando-o lançar todos os seus aviões de ataque terrestre contra a coluna de Hube. Depois disso, chamou o comandante dos blindados, General Shtevnev, e o Chefe das operações, General Rukhle.



O telefone tornou a tocar. Era Krushev. “Que há de novo?”. “Notícias não muito agradáveis”. “Irei ao QG imediatamente”. Outro chamado telefônico. Desta feita era o comandante da artilharia antiaérea, Coronel Raynin, informando que seus detetores de som em Bolshaya Rossoshka haviam captado o ruído dos tanques de Hube. Yeremenko ordenou-lhe que se preparasse para usar seus canhões contra tanques e aviões, pois a cidade em breve seria bombardeada. Agora que Shtevnev e Rukhle haviam chegado, ele deu ordens ao primeiro para que reunisse os remanescentes de dois corpos de tanques que estavam prestes a ser enviados para a retaguarda, a fim de, uma vez organizados, receberem novo equipamento e rapidamente partirem para o bloqueio do avanço alemão, preparando-se a seguir para um contra-ataque (empresa perigosa, considerando-se que os dois corpos tinham, em conjunto, menos de 150 tanques, a maioria deles o obsoleto T-70). Rukhle saiu para cumprir as ordens.



Eram 11:00 h quando Krushev chegou para notificar que as formações integradas pelo pessoal do partido e dos trabalhadores estavam preparadas para se unirem à defesa e queriam receber tarefas. Um clima de inquietação dominava o QG e Yeremenko teve de se esforçar para manter a aparência de calma no meio de toda aquela frenética atividade. O telefone tornou a tocar. O Chefe das Comunicações, Major-General Kroshunov, informou, preocupado, que um trem carregado de munição, alimentos e reforços havia sido destruído por blindados alemães.



“Os tanques inimigos estão avançando sobre Stalingrado. Que faremos?”. “O seu dever. Detenha o pânico”, respondeu Yeremenko acremente. O Coronel Sarayev, do NKVD, entrou. “Os tanques inimigos estão a uns 16 km de Stalingrado e aproximando-se rapidamente da parte norte da cidade”, disse Yeremenko. “Sei disso”, murmurou Sarayev. “E o que fez?”. “De acordo com suas ordens anteriores disse aos dois regimentos que se ocupam das defesas no norte e noroeste para que fiquem prontos para a batalha”. Yeremenko ordenou que, além disso, o regimento de reserva se deslocasse do subúrbio de Minina para a fábrica “Barrikady”, situadas na área ameaçada. Agora seu subchefe para a Frente Sudeste, Tenente-General Golikov, estava ao telefone. A trama se complicava. O 4o Exército Panzer começava atacando pelo sul, às 07:00 h; por volta do meio-dia, ele havia capturado a estação de Tinguta e o desvio na marca dos 74 km. A 38a Divisão de Fuzileiros estava parcialmente cercada, mas, em outros locais, os alemães haviam sido rechaçados e se preparava um contra-ataque. “Muito bem, vá em frente. Dê ordens à 56a Brigada de Tanques, na reserva da Frente Sudeste, para que se prepare para ação imediata”- disse-lhe Yeremenko.



Trouxeram-lhe alimento, mas não havia tempo para comer. O subchefe do Estado-Maior-Geral estava telefonando de Moscou querendo saber como se desenvolvia a ação. Enquanto Yeremenko falava com ele, vieram dizer que o General Lopatin, comandante do 62o Exército, queria falar-lhe imediatamente ao telefone. “Lopatin informando. Cerca de 250 tanques e uns 1.000 caminhões cheios de soldados de infantaria, com apoio aéreo muito forte, eliminaram um regimento da 87a Divisão de Fuzileiros ao norte de Malaya Rossoshka”. “Sei disso. Providencie o fechamento da brecha imediatamente e rechace o inimigo do perímetro intermediário e recupere a situação.”



Agora o Coronel Raynin informava que seus canhões estavam combatendo tanques a leste de Orlovka e tinham sofrido algumas baixas, e o Coronel Sarayev veio dizer que o 282o Regimento da 10a Divisão da NKVD estava em combate com tanques e infantaria motorizada inimigos a leste de Orlovka. Yeremenko principiou a examinar mentalmente o estado das suas reservas; ele tinha algumas unidades particularmente boas, que já haviam sido testadas, mas não eram muitas – uma brigada de tanques, uma só de infantaria motorizada, pouco mais de uma de destruidores de tanques e uma brigada de infantaria agora a caminho. O telefone tocou, interrompendo seus pensamentos. Desta feita não era um militar, e sim Malyshev, o Ministro da Produção de Tanques e representante do Comitê de Defesa do Estado, falando da “Fábrica de Tratores Stalingrado”, que se tornara grande produtora de tanques.



“Da fábrica podemos ver a luta no norte da cidade. Artilheiros de canhões antiaéreos combatendo tanques (estes eram os canhões guarnecidos por operárias da fábrica, que a coluna de Hube dominou no fim da tarde). Várias granadas já caíram na área da fábrica. Os tanques inimigos estão avançando sobre Rynok. Preparamos os alvos mais importantes para serem destruídos”. “Não destrua nada por enquanto. Defenda a fábrica a qualquer preço. Ponha o destacamento de operários de prontidão para a batalha e mantenha o inimigo longe da fábrica. A ajuda já está a caminho.”



Malyshev entregou o fone ao Major-General Feklenko. “Estou no centro de treinamento de tanques e tenho cerca de 2.000 homens e 30 tanques. Decidi defender a fábrica”. “Uma decisão correta. Nomeio-o comandante do setor. Organize imediatamente a defesa da fábrica com força do centro de treinamento e do destacamento de operários. Duas brigadas estão a caminho daí, uma de tanques e outra de fuzileiros.”



Agora o Engenheiro-Chefe da Frente Sudeste, acompanhado do seu oficial de abastecimento, chegava para informar orgulhosamente que haviam completado a construção de uma ponte flutuante sobre o Volga, defronte à Fábrica de Tratores, em dez dias, dois dias antes do prazo, com a extensão de 3.200 m. “Muito bem. Agradeça aos homens que a construíram e aos oficiais que a supervisionaram, especialmente ao Camarada Stepanov e aos outros. Quanto à ponte, mande destruí-la”. Os dois técnicos olharam um para o outro, imaginando se Yeremenko ficara louco. “Sim, sim destruam-na imediatamente”. E explicou sucintamente por que isso tinha de ser feito, e eles partiram para cumprir as ordens.



Entraram a seguir os especialistas em artilharia, Major-General Degtyarev e Zubanov, para informar que os alemães estavam muito perto dos paióis de munição e receberam ordens de transferir o máximo que pudessem da munição para local seguro.



Começaram então a chegar algumas notícias melhores. O Coronel Gorokhov veio comunicar a chegada das suas tropas, a 124a Brigada de Fuzileiros, à margem oposta. “Faça sua brigada atravessar o mais rápido que puder e leve-a para a Fábrica de Tratores. Lá, apresente-se ao Camarada Feklenko; ele lhe dirá qual a sua tarefa.”



Yeremenko tentou uma vez mais comer seu desjejum (eram quase 18:00 h), mas o telefone tornou a chamar. O Coronel Raynin informou que “Grandes grupos de bombardeios alemães se aproximavam de Stalingrado, a oeste e a sudoeste. Eles estarão sobre a cidade dentro de três a cinco minutos. As sereias de alarma já soaram, as ordens de combate foram dadas e os caças estão decolando”.



“Certo. Vá em frente”, disse Yeremenko o mais calmamente que podia, enquanto seu coração começava a disparar e sua fronte se inundava de suor. “Grandes grupos”- isso queria dizer trinta ou quarenta em cada grupo; pelo menos cem aviões (na verdade era cerca de seiscentos, já que muitos dos aviões fizeram várias surtidas). Com a chegada dos aviões, a força de Hube começou a atacar de Rynok para o sul. Primeiro, ela foi enfrentada por fogo de morteiros e canhões antiaéreos; em breve vieram os batalhões de fuzileiros antitanques, que apressadamente tomaram posição no arroio de Sukhaya Mechetka, a uns 800 metros ao norte da Fábrica de Tratores. Depois de algumas horas de combate encarniçado, os tanques de Hube retiraram-se para reabastecer, para reparos e receber munições para o dia seguinte. Enquanto eles assim faziam, os defensores, em apuros, da Fábrica de Tratores recebiam reforços. Finalmente, Yeremenko podia tomar seu desjejum.



Morte de uma cidade



Os incêndios provocados pelos bombardeiros alemães permaneceram em atividade durante toda a noite, e o sol, na manhã seguinte, espancou a treva que recobria uma cidade em devastação. Tinham sido dois meses de tempo bom, sem qualquer chuva, e as casas dos subúrbios, predominantemente de madeira, arderam como palha, de modo que, em grandes áreas dos arredores, só as chaminés de tijolos permaneceram de pé, como pedras tumulares. No centro e na área industrial, onde os prédios eram de construção mais sólida, à primeira vista as coisas pareciam mais ou menos normais, porém um exame mais detalhado revelava que por trás das paredes havia apenas montões calcinados. Alguns depósitos de combustíveis explodiram como gigantescos fogos de artifício, despejando seu conteúdo incandescente nas águas do Volga, onde se espalhava, ainda ardente, pela superfície do rio. Os desembarcadouros, assim como muitos navios neles atracados, foram consumidos pelo fogo. O sistema telefônico deixara de funcionar, porque os postes de sustentação dos fios, de madeira, arderam também. O próprio asfalto das ruas contribuíra para o holocausto. Os primeiros bombardeiros haviam destruído o sistema de abastecimento de água, de modo que os bombeiros tiveram de assistir impotentes à catástrofe, dedicando-se apenas ao auxílio das vítimas que fazia. Devido à proximidade dos seus aeródromos, os bombardeiros puderam fazer várias viagens. Durante o dia, Stalingrado recebera 2.000 incursões de bombardeiros. Pela manhã do dia 24, a cidade era só ruínas e milhares dos seus cidadãos jaziam mortos. Depois da guerra, embora muitos autores alemães afirmassem que as incursões tinham visado a objetivos estritamente militares, a verdade é que elas se realizaram com finalidades terroristas.



O bloqueio das ruas, feito com os escombros dos prédios, prejudicara bastante o movimento das forças de Yeremenko para os setores ameaçados da linha de frente, e por muitas vezes o Posto de Comando esteve fora de ação; mas havia poucas tropas soviéticas na área urbana propriamente dita, já que a maioria delas se encontrava nos perímetros externos e intermediário de defesa.



Mais tarde, a experiência dos Aliados ocidentais em Cassino e Caen mostraria que a destruição de grandes prédios, ao contrário do pretendido, pode ajudar um defensor decidido a impedir a acesso dos atacantes às posições desejadas. Examinado por esse prisma, o bombardeio de Stalingrado foi um erro. A calma visão posterior dos fatos é um dos vícios de análise mais perniciosos do historiador, mas é tentador imaginar qual teria sido um instrumento de precisão suficiente para ser usado, não contra a cidade, mas contra as tropas estáticas da 10a Divisão do NKVD, os homens de Feklenko que se encontravam nos terrenos próximos à Fábrica de Tratores, ou contra os tanques de Golikov, que se reuniam em Tinguta para o contra-ataque. Pois o fato é que, quando os alemães reiniciaram o ataque, em terra, na manhã de 24, enfrentaram defesa tão sólida quanto um rochedo, e foi esta súbita fuga de um prêmio que parecera estar ao alcance das suas mãos que os levou a aplicar cada vez mais força à ponta de uma penetração longa e vulnerável, ignorando completamente o perigo a que se expunha seu flanco norte, ao longo do Don.



Também não havia qualquer necessidade vital para esse procedimento, pois a 23 de agosto os homens de Hube, de fato, haviam atingido os objetivos estabelecidos no plano original - criar uma linha desde o Don até o Volga, no ponto em que os dois rios estavam mais próximos um do outro, e submeter Stalingrado e o Volga ao bombardeio. Além disso, eles haviam dividido a Frente de Stalingrado em duas e isolado as linhas ferroviárias de que tanto dependia o seu sistema de comunicação lateral. Mas o corredor alemão pela língua de terra entre o Volga e o Don ainda era muito estreito e Yeremenko esperava cortá-lo para restaurar a integridade da sua frente. Quando os tanques e a infantaria motorizada das colunas de Hube atacaram ao longo do Sukhaya Mechetka, na manhã do dia 24, encontraram oposição tão intensa, por parte dos reforços misturados de Feklenko - desde a brigada de infantaria de Gorokhov até os batalhões da milícia de Stalingrado - que, longe de ganhar terreno, não progrediram nada durante a manhã, sofreram um contra-ataque no fim da tarde e foram obrigados a recuar 2 km.



Entrementes, os bombardeiros continuavam tirando o máximo proveito dos ataques, não às posições soviéticas no vital setor norte, mas à própria área urbana. Isto não facilitava a tarefa de Yeremenko e Krushev, já que era preciso tomar providências urgentes para evacuar mulheres, crianças e gente idosa para o outro lado do Volga. Além disso, os indícios de desordem e confusão no seio do povo obrigaram Yeremenko a decretar estado de sítio no dia 25; mas cada bomba que caía na cidade era uma bomba a menos sobre a força de Feklenko, postada ao norte da Fábrica de Tratores, e seus homens utilizaram ao máximo a paz momentânea que lhes davam.



Detido no norte, o 6o Exército agora tentava abrir caminho pelo oeste. A 25 de agosto, protegido pelos nevoeiros matinais, um grupo de 25 tanques e uma divisão de infantaria atravessaram o Don, ao sul de Rubezhnoye, e começaram a avançar para a parte central de Stalingrado. Eles foram detidos por um grupamento de combate composto de uma brigada de tanques (a 169a) e uma divisão de infantaria (a 35a de Guardas), sob o comando de Subchefe de Yeremenko para a Frente de Stalingrado, Major-General Kovalenko. O grupamento de combate abriu caminho, lutando, até a parcialmente cercada 87a Divisão de Fuzileiros, em Bolshaya Rossoshka, salvando-a. Um grupo de 33 soldados da 87a Divisão de Fuzileiros, todos da Sibéria e do Extremo Oriente, como muitos dos melhores soldados da Rússia, realizou uma façanha notável ao deter durante dois dias uma força de 70 tanques alemães que os haviam cercado, destruindo 27 deles e fazendo excelente uso da arma improvisada que o mundo inteiro conhece pelo nome de “coquetel Molotov”, mas que (devido à sua infeliz associação com a invasão soviética da Finlândia, em 1939) é descrita de maneira mais prosaica pelos autores russos como “uma garrafa contendo uma mistura inflamável”. A despeito do fato de ser estreante em batalha a maioria dos soldados que participaram do evento, suas baixas totais foram apenas de um ferido!



Com os alemães temporariamente rechaçados nos arredores da cidade, Yeremenko voltava-se para o momento do contra-ataque, pelo qual tanto ansiava. Seu objetivo era obrigar o 14o Corpo Panzer a abandonar o corredor do Volga ou, esperançosamente, destruí-lo. A maneira como esperava fazer isso era através de golpes contra suas linhas de comunicações, usando os 21o e 1o Exércitos de Guardas no norte. A denominação de “Guardas” era dada como honraria a uma unidade que se tivesse distinguido em combate. Ela recebia uma escala melhor de equipamentos e seus homens eram mais bem pagos. Todavia, não era formada de recrutas especialmente selecionados, como acontece com as unidades de “guardas” do Exército Britânico.



No dia 24, duas divisões do 21o Exército já haviam começado a sondar as posições alemãs em Serafimovich e Kletskaya e parte do 1o de Guardas atacara perto de Novo-Grigoryevskaya. Ele aumentou sua cabeça-de-ponte na margem direita do Don, mas as forças empregadas não eram suficientemente poderosas para isolar a força de Hube. No dia 25, várias divisões do 63o Exército atacaram a partir da linha Yelanskaya-Zimovsky, movendo-se para o sul e capturando outra cabeça-de-ponte sobre o Don. O grupamento de combate do General Kovalenko já então recebera o reforço de mais duas divisões de fuzileiros e alguns tanques, e a 26, lançou outro contra-ataque pela área de Samofalovka, num esforço para deslocar os alemães de várias elevações dominantes, mas não havia apoio suficiente de artilharia, o ataque foi mal coordenado e a Luftwaffe era forte demais, de modo que o fracasso foi completo.



O General Shtevnev desfechou então um ataque na vizinhança de Gorodishche e Gumrak, com formações saídas do 62o Exército. Este conseguiu bloquear outras tentativas de penetração pelo noroeste da cidade, mas também não era tão forte que pudesse conseguir mais que isso, de modo que o acalentado projeto de Yeremenko, de um ataque pelo flanco norte do 6o Exército, teve de ser abandonado, por falta de forças. E Yeremenko só viria a saber o quanto esteve perto do sucesso depois da guerra, quando através de relatórios apanhados, se ficou sabendo que o Comandante-Chefe do 14o Corpo Panzer, General von Wietersheim, de tal forma se inquietara com o destino da coluna de Hube, isolada na margem do Volga e por vezes totalmente dependente de suprimentos lançados de avião, que decidiu retirá-la, mas foi dissuadido pelo Comandante-Chefe do grupo de Exércitos B, Coronel-General von Weichs.



Contudo agora surgia uma nova ameaça no setor sul. O 4o Exército Panzer vinha tentando, desde 19 de agosto, penetrar o canto sul das defesas de Stalingrado, em Tundutovo, mas praticamente sem qualquer êxito e com baixas muito pesadas, especialmente da sua 24a Divisão Panzer, pois as defesas soviéticas no terreno elevado, entre Beketovka e Krasnoarmeysk sobre o Volga, eram elaboradas, bem preparadas e guarnecidas por várias divisões do 64o Exército soviético apoiadas por tanques. Portanto, Hoth cancelara o ataque e, enquanto Yeremenko se ocupava em fazer contra-ataques ao norte e noroeste de Stalingrado, os tanques e a infantaria motorizada do 4o Exército Panzer estavam sendo calmamente transferidos do setor sul para o sudoeste, a fim de se reagruparem em Abganerovo, de onde foram lançados contra a 126a Divisão de Fuzileiros do 64o Exército, ao amanhecer do dia 29. Hoth pretendia meter uma cunha no centro do 64o Exército e depois executar uma volta pela direita, penetrando a retaguarda das posições soviéticas entre Beketovka e Krasnoarmeysk, evitando assim os pontos fortes que vinham tentando inutilmente destruir mediante assaltos frontais, capturando a margem do Volga e o terreno elevado ao sul de Stalingrado e isolando a ala esquerda do 64o Exército.



Todavia, o ataque alemão saiu melhor do que esperavam. A 24a Divisão Panzer, do General von Hauenschild, rompeu a linha soviética em Gavrilovka, ajudada pelo trabalho muito eficiente de alguns bombardeiros de mergulho Stuka da Luftflotte IV, e penetrou nas áreas de retaguarda dos 62o e 64o Exércitos. A situação modificou-se imediatamente. O que antes era uma tentativa de isolar a ala esquerda do 64o Exército se transformou num possível prêmio muito maior - a ala direita do 64o Exército e talvez todo o 62o Exército também. Tudo o que o 4o Exército Panzer tinha de fazer era abandonar a pretendida conversão à direita enquanto o 6o Exército deveria descer ao seu encontro. Se esse movimento fosse bem sucedido, Stalingrado fatalmente cairia dessa vez, por falta de tropas para defendê-la. Mas o grupo de Exércitos B teria de agir com presteza, pois Yeremenko já desconfiava de alguma coisa.



O General Weichs, comandante do Grupo de Exércitos B, reagiu prontamente à nova situação e ao meio-dia de 30 de agosto transmitiu uma ordem para o 6o Exército, na qual dizia: “Tudo agora depende de o 6o Exército concentrar as mais poderosas forças que for possível... desfechando ataque numa direção mais ou menos sul... para destruir as forças inimigas a oeste de Stalingrado, em cooperação com o 4o Exército Panzer...” No dia seguinte ele instou-o novamente a pôr-se em movimento. “É importante que se faça uma ligação rápida entre os dois exércitos, seguida de uma penetração para o centro da cidade.”



Mas Paulus não queria movimentar-se. Embora os contra-ataques de Yeremenko estivessem muito aquém das suas expectativas, eles haviam convencido a Wietersheim e Paulus de que sua frente norte estava em situação precária. Os contra-ataques soviéticos ainda não tinham acabado e Paulus já admitia que, se destacasse forças velozes para um avanço na direção sul, sua frente norte poderia muito bem entrar em colapso. Somente a 2 de setembro é que a pressão soviética sobre Paulus diminuiu e ele então mandou seus tanques para um contato imediato com Hoth. A 3 de setembro, a infantaria de Seydlitz também travou contato com os elementos avançados do 4o Exército Panzer, efetuando-se uma bem feita operação de cerco. Mas só uma coisa saíra errada: o Exército Vermelho tornara a escapar. Que acontecera?



Yeremenko não percebera que Hoth estava atrás da ala esquerda do 64o Exército e involuntariamente lera o pensamento alemão antes que este mudasse, de modo que, quando Weichs e Hoth, alterando seus planos, decidiram explorar o inesperado sucesso, dirigindo-se para o norte, o QG da Frente de Stalingrado já estava freneticamente emitindo um fluxo de ordens determinando o abandono do perímetro externo das defesas de Stalingrado. A ala direita do 64o Exército começou a recuar na noite de 29 para 30 de agosto, indo a maior parte dela para a linha intermediária de defesa, enquanto duas divisões (29a e 204a) eram retiradas para a reserva do Exército e o 62o Exército começava a romper contato na noite seguinte, passando a ocupar posições na zona intermediária de defesa ao norte do 64o. Esta não era exatamente uma vitória; mais propriamente, tratava-se de uma “Dunquerque”, pois o cordon sanitaire em torno da cidade fora abandonado, passando os alemães a apertar Stalingrado de todas as direções.



Mas, devido a uma estranha combinação de otimismo prematuro e reconsideração de conjeturas, Yeremenko pudera salvar suas forças principais. No todo, seus contra-ataques tinham sido um fracasso, exceto num aspecto vital: eles haviam retido Paulus nos dias críticos, entre 30 de agosto e 2 de setembro. Seu palpite sobre as intenções alemãs estava errado, quando foi feito, mas na verdade ele percebeu a oportunidade antes dos alemães, de modo que os 62o e 64o Exércitos sobreviveram para lutar mais um dia. Porém, quantos dias mais? Dessa vez fora arriscado e a renovada pressão alemã no setor sul forçou uma retirada imediata da zona intermediária de defesa para a interna, a 2 de setembro. Aqui, pela primeira vez, os alemães usaram canhões autopropulsados. Embora se diga que eles não atingiram o resultado desejado, Yeremenko apressa-se a observar que pediu a Stalin que lhe enviasse alguns. Era evidente que ele estava preocupado com o efeito dessas armas sobre as tropas que ainda não as tinham visto em ação.



A cidade oferecia agora um quadro terrível de destruição. Ela vinha sofrendo ataques aéreos quase contínuos, desde 23 de agosto, e o bombardeio de 2 de setembro foi particularmente intenso. Das estepes situadas a quilômetros de distância eram visíveis os incêndios que ardiam em Stalingrado. Do ponto de vista militar, o pior era que as barcas que cruzavam o Volga, agora o único meio de manter abastecidas as forças soviéticas, estavam sob bombardeio constante, não só por aviões mas também por artilharia. À noite, os alemães iluminavam o rio com foguetes, criando maiores dificuldades para o comando soviético, que já fora obrigado a abandonar quase que inteiramente os transportes diurnos. Mas, felizmente, os ventos às vezes afastavam os foguetes luminosos; também às vezes eles ficavam altos demais, baixos demais, perto ou longe demais para servir aos observadores de tiro da artilharia do 6o Exército. De uma forma ou de outra, o fluxo de munição, alimento e reforços continuou chegando, como tinham de chegar. Os 62o e 64o Exércitos estavam em ação quase contínua desde meados de julho e, em começos de setembro, inevitavelmente sentiam escassez de potencial humano e de equipamento. Ademais, o estágio seguinte da batalha - a luta na linha interna de defesa - estava prestes a começar.



“Todo alemão deve sentir-se sob a mira de uma arma russa”



Agora era errado chamar à parte norte da área de Yeremenko “Frente de Stalingrado”, porque, excetuando-se o 62o Exército, ela estava isolada da cidade. Esse exército foi, por isso, colocado sob a jurisdição da Frente Sul, de modo que havia um Grupo de Exércitos ao norte da brecha alemã - a Frente de Stalingrado, estendendo-se por cerca de 400 km, desde Babka sobre o Don até Yerzovka sobre o Volga, com cinco exércitos (1o de Guardas, 21o, 24o, 63o e 64o) e um Grupo de Exércitos ao sul dela - a Frente Sudeste, com quatro exércitos (62o na cidade, 64o e 57o ao sul desta e, mais ao sul ainda, o 51o Exército), que defendia um setor muito calmo, situado atrás dos lagos de Tsatsa, Barmantsak e Sarpa, abaixo do qual a linha de frente acabava na Estepe dos Calmucos, onde só patrulhas ocasionais, de ambos os lados, penetravam. Era impossível, e talvez imprudente, tentar administrar um complexo militar tão grande do abrigo subterrâneo existente na ravina de Tsaritsa, e alguns quilômetros da linha de frente. Assim, Yeremenko e Krushev atravessaram o Volga, percorreram cerca de 40 km para o norte e dobraram para o lado oeste, onde estabeleceram seu QG na aldeia chamada Malaya Ivanovka. Ali, o poderio do Stavka desceu sobre eles no começo de setembro, na figura do representante do Comandante Supremo (O temível General Zhukov) e do Chefe do Estado-Maior-Geral, Coronel General Valilevsky. Eles fizeram perguntas, sondaram, visitaram a linha de frente, chegaram mesmo a examinar as cabeças-de-ponte sobre o Don, embora não dissessem a Yeremenko nem a ninguém por que tinham feito isso. Aliás, antes de partirem de Moscou, Stalin recomendara-lhes que examinassem a possibilidade de usar as cabeças-de-ponte como bases para uma grande contra-ofensiva e que não revelassem a ninguém o que pretendiam. Em 1920, as forças Brancas do General Denikin haviam sido derrotadas ali por um movimento semelhante que, em grande parte, fora plano de Stalin. Assim, velhas lembranças começavam a vir à tona enquanto ele olhava os mapas do Estado-Maior-geral e o extenso flanco norte de Paulus.



Mas, quando ele viu o mapa da situação a 2 de setembro, a idéia de um grande golpe de mão desapareceu por momentos da sua mente. Seu preparo levaria tempo e, a julgar pelas aparências, Stalingrado não resistiria por tempo suficiente para isso, de modo que ele apressou-se em enviar uma mensagem para Zhukov em Ivanovka.



“A situação em Stalingrado está piorando. O inimigo encontra-se a três verstas (cerca de 3 km) de Stalingrado, que pode ser tomada hoje ou amanhã se o grupo norte de forças não lhe der ajuda imediata. Peça aos comandantes das forças colocadas ao norte e noroeste de Stalingrado que ataquem o inimigo imediatamente e que dêem ajuda aos habitantes de Stalingrado. Qualquer procrastinação equivale a um crime. Lance toda a aviação em auxílio de Stalingrado. Restam muito poucos aviões em Stalingrado. Acuse recebimento e tome as providências sem demora. J. Stalin”.



A palavra “Stalingrado” soa, ao longo da mensagem, como uma batida de tambor. Algumas vezes os comandantes graduados de Stalin poderiam discutir com ele, mas não desta. Ele queria que se fizesse alguma coisa com os dois exércitos de reserva do Stavka (24o e 66o), que acabavam de chegar à área de Samofalovka-Yerkovka-Loznoye. É verdade que eles ainda não estavam totalmente treinados e consistiam, na maioria, de reservistas mais velhos (a maneira perdulária como o potencial humano soviético fora desperdiçado em 1941 e em operações como a ofensiva de Kharkov de maio de 1942, estava fazendo sentir os seus efeitos), mas, como ainda não tinham visto muita ação, estavam, portanto, bem mais perto dos seus efetivos totais do que os situados ao sul da sua posição. Assim, foram lançados ao ataque que a 5 de setembro, em mais um esforço para esvaziar o saliente alemão entre o Don e o Volga.



Não o conseguiram, mas os alemães tiveram de desviar alguns dos seus esforços ao norte para rechaçá-los, o que tirou um pouco da pressão sobre os 62o e 64o Exércitos, dando-lhes o alívio de que precisavam para organizar algum tipo de linha de defesa em torno do perímetro de Stalingrado. A “linha interna de defesa” parecia boa, mas em muitos lugares ela não passava de uma linha no mapa de Yeremenko. Era preciso estender redes de arame farpado, colocar minas, abrir trincheiras e abrigos individuais; toda sorte de coisas ainda estava por ser feita. Tampouco havia reserva de potencial humano disponível, já que muitas das divisões de fuzileiros praticamente não se igualavam em efetivos a uma companhia; a 87a contava apenas 180 homens; a 112a tinha 150; a 99a brigada de Tanques tinha 120 homens e nenhum tanque.



A situação era extremamente difícil para o comandante do 62o Exército, General Lopatin. À medida que se desenrolava a batalha, maior era o seu pessimismo com relação ao resultado que ela pudesse apresentar. Diante de perspectivas tão estreitas, com o Volga às costas e com forças inimigas superiores à sua frente, seu ânimo começou a ceder. Sentindo que Stalingrado não mais podia ser defendida, decidiu retirar suas unidades, mesmo sem ordens para tanto, incorrendo, desse modo, na pena de demissão do comando. Provisoriamente. O chefe do seu Estado-Maior, Major-General N. I. Krylov, assumiu a direção das tropas. Por ser, porém, tão difícil achar bons Chefes de Estado-Maior quanto bons comandantes de exército, essa providência só podia ser temporária, e Yeremenko saiu à procura de um sucessor entre os generais que se encontravam no local.



No QG do 64o Exército não havia nenhum problema de comando. O Major-General M. S. Shumilov o vinha comandando, desde 30 de julho, com muito acerto, dando a cada momento demonstrações de calma, de equilíbrio e sensatez. Seu Subchefe era o Tenente-General Vasiluy Ivanovich Chuykov, que comandou o 64o Exército quando esta unidade, integrando na ocasião a tropa de reserva, se encontrava em treinamento perto de Tula. Também o comandara quando da chegada à área de Stalingrado, até que Shumilov o substituiu no posto. Ele não era de modo algum o “estepe do carro”, mas como o comando do exército estava nas mãos capazes de Shumilov, Chuykov podia ser, sem qualquer problema para aquele comandante, deslocado para a direção do 62o Exército, tornando-se assim, aos olhos do público soviético, afigura de proa da defesa de Stalingrado.



Chuykov contava então 42 anos de idade. Ele fora Adido Militar na China, no começo da guerra, e desde março de 1942 estava de volta à Rússia. Até julho não vira ação, mas desde então se saíra muito bem. Era decidido, consciencioso e otimista. Stalin, ao lhe ser apresentada a indicação de Chuykov, fez uma única pergunta a Yeremenko: “Você o conhece suficientemente bem?” Yeremenko respondeu que conhecia Chuykov como um líder em quem podia confiar. Stalin, então, ratificou a designação, assumindo Chuykov o comando do 62o Exército a 12 de setembro.



Segundo seu próprio testemunho, Chuykov vinha estudando atentamente as táticas alemãs de campo de batalha durante suas poucas semanas de ação. Embora admirasse a maneira eficiente como coordenavam seus aviões, tanques e infantaria, isto de modo algum amedrontava, considerando-os muitas vezes lentos e irresolutos. Ao assumir o comando de um exército que em breve estaria completamente isolado à direita e à esquerda, com um rio enorme às suas costas e um comando superior muito distante para poder supervisionar todos os seus movimentos, ele teria mais liberdade de ação do que qualquer comandante soviético de exército normalmente possuía. Portanto, suas opiniões sobre como seu exército deveria lutar têm importância acima do comum.



Ele acreditava que o êxito dos métodos alemães repousavam principalmente na excelente coordenação de elementos - aviões, tanques e infantaria - que, em si, não eram de qualidade fora do comum. Na luta desenvolvida nos rios Don e Aksay, ele observara que os tanques não atacavam senão quando a Luftwaffe estivesse sobre as posições soviéticas, e a infantaria, só depois que os tanques tivessem alcançado seus objetivos é que ia. Assim, de acordo com suas observações, o problema se solucionaria se a coordenação dos movimentos alemães fossem rompida, por quaisquer meios possíveis; e ele também percebeu que a infantaria alemã evitava sempre o combate aproximado: ela freqüentemente abria fogo com armas automáticas à distância de uns 800 metros.



Reunindo esses dois fatores - coordenação dos movimentos e combate a meia distância - ele chegou à conclusão de que a maneira correta de lutar era manter-se o mais perto deles que fosse possível. Desta forma, a Luftwaffe não poderia atacar as forças soviéticas sem arriscar suas próprias tropas, de modo que a cadeia seria rompida em seu primeiro elo, e a infantaria seria obrigada a lutar em combate aproximado, que segundo acreditava lhes era desagradável, contra um inimigo não previamente debilitado pelo trabalho dos tanques e dos bombardeiros. Ele próprio disse, mais tarde: “todo alemão tem de se sentir permanentemente sob a mira de uma arma russa”. Parecia-lhe fácil aplicar essa tática dentro da cidade, privando os alemães do seu maior trunfo - a Luftwaffe, contanto, é claro, que suas próprias tropas estivessem dispostas e fossem capazes de enfrentar os alemães em combate cerrado.



A apresentação de Chuykov ao seu novo exército não foi nem auspiciosa nem destinada a deixá-lo confiante em que suas idéias podiam ser aplicadas. Para começar, ninguém sabia onde seu QG ficava. Yeremenko acreditava que ele estivesse no abrigo de Tsaritsyn, o posto de comando subterrâneo na ravina de Tsaritsa que ele e seu QG da Frente haviam ocupado até recentemente, mas não estava ali. Assim, Chuykov ficou vagando pela cidade, espantado com as barricadas improvisadas erguidas pelas ruas - incapazes de deter um caminhão, quanto mais um tanque - e finalmente encontrou um oficial que sabia onde ficava o posto de comando do 62o Exército. Ele guiou Chuykov até o sopé da colina Mamayev Kurgan e o novo comandante galgou-a até o abrigo em que encontrou o Chefe do Estado-Maior, ao telefone, repreendendo o comandante de uma formação blindada que, sem ordens, havia recuado da Cota 107,5 para a margem do Volga (os mapas militares marcam as colinas e outras elevações em metros - pés nos ingleses e americanos - de atitude, designando-as Cotas), colocando assim o seu QG atrás do QG do exército.



Era evidente que, se tal fosse permitido, isto seria o fim dos planos de Chuykov de combater os alemães em luta cerrada, de modo que mandaram chamar o infeliz general encarregado da força blindada. Chuykov disse-lhe pessoalmente que ele era culpado de covardia e que qualquer ato futuro desse tipo seria interpretado como traição e deserção, e que até as 04:00 h ele tinha de recolocar seu posto de comando na Cota 107,5. Quando o Subchefe da Frente, General Golikov, chegou, o comandante dos blindados recebeu outra repreensão.



O primeiro pedido de Chuykov a Golikov foi de várias divisões adicionais. Ele estava diante de um inimigo que dispunha de mais ou menos 14 divisões, com reforços, apoiadas por aproximadamente 1.000 aviões da Luftflotte IV, contra os quais o 62o Exército tinha uma coleção heterogênea, incluindo três brigadas blindadas, com uma de tanques entre elas (as duas sem tanques em breve atravessaram o Volga para serem reequipadas e reorganizadas), várias divisões de infantaria, cada uma com efetivos apenas equivalentes aos de um batalhão completo, a 10a Divisão da NKVD, do Coronel Sarayev (com seus efetivos quase completos, mas com escassez de armamento pesado), e duas brigadas de infantaria, também com quase todos os seus efetivos. Suas forças aéreas de apoio eram completamente dominadas pela Luftflotte IV, que dava aos alemães franca superioridade aérea. E, para piorar as coisas, o ex-comandante do 62o Exército, General Lopatin, completamente abatido, ainda andava pelo QG do Exército, transmitindo a seus ex-subordinados todo o seu pessimismo.



Chuykov convenceu-o a abandonar o palco da batalha, mas o dano já estava feito, pois em pouco os subchefes do Comandante de Exército para Artilharia, Tanques e Engenharia alegaram motivos de saúde e desapareceram do outro lado do Volga. O trabalho intensivo das organizações do partido comunista no Exército, do departamento Político e dos próprios generais, bem como uma mensagem estimulante de Yeremenko e Krushev, contribuíram um pouco para a recuperação do moral enfraquecido; porém, precisava-se de muito mais. As representações de Golikov haviam sido eficazes e um fluxo de reforços estava a caminho - nada menos que dez divisões de infantaria, dois Corpos de Blindados e oito Brigadas Blindadas estavam programadas para chegar, por determinação do Stavka, na quinzena iniciada a 13 de setembro e pelo menos da metade da infantaria estava destinada ao 62o Exército. Aliás, ele viria a receber 10.000 homens e 1.000 toneladas de suprimentos nos próximos três dias.



Para garantir a chegada a salvo desses reforços, era essencial proteger as plataformas, muito vulneráveis, de desembarque, que permaneciam ao alcance dos canhões alemães porque a cabeça-de-ponte do 62o Exército só tinha 4,8 km de largura em seu ponto mais estreito. Além disso, o ataque era coisa pela qual Chuykov ansiava, já que isto poria seus homens em contato cerrado com os alemães e dificultaria as operações da Luftwaffe contra eles. Na sua opinião, a “terra de ninguém” (distância entre as linhas de frente) não deveria ser mais larga do que a distância atingida por uma grande lançada a mão.



Ele e Krylov ficaram acordados até as 02:00 h planejando o ataque. O exército defenderia ativamente seus flancos direito e esquerdo, enquanto o centro atacaria para recapturar a estação de Razgulyayevka e a linha férrea a sudoeste desta até a curva fechada perto de Gumrak, onde ele faria a consolidação, usando o aterro da ferrovia como obstáculo antitanque, e depois avançaria para Gorodishche e Alexandrovka. O reagrupamento necessário começaria imediatamente, e o ataque seria desfechado no dia seguinte, 14 de setembro.



Cônscio de que tinha feito trabalho bem feito, Chuykov procurou dormir um pouco. Às 06:30 h foi despertado pela explosão de bombas e granadas. Os alemães haviam-se antecipado.



O que acontecera é que o 51o Corpo de Exército de Seydlitz fora lançado num ataque de duas pontas contra o centro de Stalingrado, partindo de Gorodishche, no sudoeste, e de Peschanka, no nordeste, com duas divisões Panzer, uma motorizada e três de infantaria. Ao entardecer as defesas soviéticas avançadas haviam sido vencidas e a Estação de Máquinas e Tratores, o local onde ela estava instalada e o aeródromo tinham sido capturados, enquanto a ponta sul estava sendo impedida, com dificuldade, de avançar sobre Kuporosnoya e da margem do Volga. O pior é que Chuykov tinha apenas uma idéia muito vaga do que estava acontecendo, pois seu posto de comando, no alto da colina Mamayev Kurgan, estivera sob bombardeio contínuo durante todo o dia, por canhões e morteiros alemães, suas comunicações estavam quase que completamente destruídas e, por volta das 16:00 h, ele não tinha quase contato com suas tropas.



Até mesmo Chuykov, homem dado a atenuar estudadamente a verdade, descreve a situação como “um tanto inquietante”. Acontece que os alemães estavam sendo mantidos a distância na extremidade ocidental dos baixos operários das fábricas “Barrikady” e “Outubro Vermelho”, mas ele não sabia disso. Tudo o que sabia é que era impossível dirigir a batalha desse posto de comando, de modo que, depois de traçar apressadamente um plano para um ataque limitado na manhã seguinte, ele e seu Estado-Maior partiram, sem ter comido nada (o desjejum fora destruído por uma bomba e o jantar recebera um tiro de morteiro), para o Abrigo de Tsaritsyn. Ali eles só puderam ficar três dias, o que foi lamentável, pois este oferecia proteção muito melhor que o abrigo no Mamayev Kurgan, por estar a 9 metros abaixo da superfície e ser muito mais espaçoso.



Estas eram considerações muito importantes, pois essa batalha não era nem podia ser dirigida por controle remoto. A cabeça-de-ponte era tão pequena, que as reações aos movimentos inimigos tinham de ser rápidas e as operações não podiam ser controladas da outra margem do Volga - à parte tudo o mais, o Exército Vermelho não tinha sequer um pedaço de cabo especial à prova de água, necessário para transmitir sua comunicações telefônicas para o outro lado do Volga e suas tropas de comunicações tinham de usar cabos comuns, isolados, que precisavam ser substituídos a intervalos freqüentes. A manutenção de contato entre o QG do 62o Exército, o QG da Frente em Uvanovka e os elementos das armas de apoio do 62o Exército (artilharia, aviação e serviços de abastecimento) na margem esquerda se mostrara muito difícil, de modo que a carga extra a ser aplicada, se o QG do 62o Exército se tivesse mudado para leste do Volga, teria sido provavelmente excessiva.



Naturalmente havia o rádio, mas este podia sofrer interferências, ou, pior ainda, as mensagens transmitidas poderiam se captadas pelos eficientes serviços alemães de interceptação. Além disso, era tão difícil obter aparelhos de rádio quanto cabos telefônicos à prova de água - a maioria dos tanques não os tinha. De qualquer modo, para um general do temperamento de Chuykov, o contato pessoal com suas tropas era importante; assim, tal como Zhukov fizera, durante a defesa de Moscou, ele manteve seu posto de comando na área ameaçada, para que o moral de suas tropas não fosse afetado pela visão da partida do seu general.



O Estado-Maior do QG chegou ao abrigo pouco antes das 03:00 h de 14 de setembro. Às 03:00 h a artilharia do Exército começou a bombardear as posições alemãs e o contra-ataque teve início meia hora depois. Chuykov telefonou imediatamente a Yeremenko para informá-lo do fato e pedir proteção aérea a partir do amanhecer. O Comandante da Frente concordou e deu a Chuykov a grata notícia de que reforços estavam a caminho; a 13a Divisão de Fuzileiros do Major-General A. I. Rodimtsev se estaria reunindo durante o dia no terminal de barcas do Volga, perto de Krasnaya Sloboda. Chuykov despachou imediatamente um grupo de oficiais do Estado-Maior para receber a divisão e a seguir ele e Krylov voltaram à sua tarefa imediata - o contra-ataque.



A notícia era ruim; o contra-ataque fracassara e os alemães estavam novamente avançando, dirigindo-se para a Estação Central (Stalingrado-1). Se eles a ocupassem, haveria sério perigo de que cortassem o 62o Exército e tomassem a plataforma central de desembarque antes que a divisão de Rodimtev pudesse chegar. O destino de Stalingrado estava uma vez mais em perigo, enquanto caminhões carregados de soldados de infantaria se despejavam sobre seu centro, atrás das pontas-de-lança de tanques. Aliás, muitos alemães parecem ter pensado que a cidade estava praticamente tomada. Os homens de Chuykov viram “alemães bêbados saltar dos caminhões, tocando gaitas de boca, gritando como loucos e dançando nas ruas”. A linha de frente estava a pouco mais de 800 metros do QG do Exército e o terminal das barcas corria perigo.



A última reserva de 19 tanques de Chuykov estava nos arredores, ao sul da cidade. Ele deu ordens para que um “batalhão”- 9 tanques! - viesse para o posto de comando e, enquanto aguardava sua chegada, Krylov formou dois grupos de assalto com oficiais do Estado-Maior e a guarda do QG. Quando os tanques chegaram, duas horas depois, seis deles, com um dos grupos de assalto, partiram a bloquear as ruas que levavam da estação ferroviária ao desembarcadouro e os outros três, com e segundo grupo, a recapturar um conjunto de prédios conhecidos como “casas dos especialistas”, onde os alemães haviam instalado metralhadoras pesadas, que cobriam o desembarcadouro e o rio.



Às 14:00 h Rodimtsev chegou, após uma jornada perigosa pela cidade, desde o desembarcadouro, para se apresentar e receber instruções. Sua 13a Divisão de Guardas tinha todos os seus efetivos, com cerca de 10.000 homens, mas carecia de armas e munição. Mais de mil dos seus homens não tinham fuzis e, embora Golikov recebece ordens de entregar as armas necessárias na área de Krasnaya Sloboda até o anoitecer, não havia garantias de que elas chegassem antes que a divisão começasse a atravessar a cidade. Chuykov deu ordens imediatas para que as armas pertencentes ao pessoal do abastecimento do 62o Exército, que estava na margem leste, fosse reunida e entregue aos guardas de Rodimtsev, enquanto este último recebia ordens de trazer seus canhões antitanques e morteiros para a margem de cá do rio, mas que deixasse sua outra artilharia na margem leste, onde ela poderia fazer seu trabalho na maior segurança e sob a direção de observadores de tiro localizados na cidade.



Rodimtev foi encarregado do setor que ia de Mamayev Kurgan, no sul, até o rio Tsaritsa, no norte, que tinha a tarefa de expulsar os alemães do centro da cidade, das “casas dos especialistas” e da estação ferroviária, com dois dos seus regimentos, enquanto um terceiro defenderia o Mamayev Kurgan e um batalhão de infantaria ficaria no QG do Exército como reserva. Chuykov disse-lhe para instalar seu posto de comando num dos abrigos existentes na margem do Volga, e, quando Rodimtsev protestou contra a ordem para que ocupasse um QG atrás do Exército, Chuykov assegurou-lhe calmamente que, uma vez cumprida sua tarefa, ele podia avançar seu posto de comando.



Rodimtsev partiu a tomar providências. Sua divisão começaria a atravessar o rio ao anoitecer, dentro de umas cinco horas. Eram, naquele momento, 16:00 h e as destroçadas divisões de Chuykov teriam de resistir por mais outras dez ou doze horas. Não restavam quaisquer reservas - até mesmo os oficiais do Estado-Maior e os guardas do QG estavam em ação. A única possibilidade era a divisão da NKVD do Coronel Sarayev, mas esta não consistia de tropas do exército e Sarayev e o Comandante do Exército se detestavam. Por outro lado, Chuykov desprezava as “fortificações - fortins, barricadas - que Sarayev, como “comandante da guarnição de Stalingrado”, havia erguido, e este, de sua parte, estava disposto a tratar Chuykov como igual, e não superior, até que finalmente Chuykov teve de lhe “impor seu posto”. “Você compreende, sua divisão foi incorporada ao 62o Exército. Você tem de aceitar a autoridade do Conselho Militar do Exército sem discutir. Quer que eu telefone para o QG da Frente, afim de esclarecer a situação?”. Sarayev aceitou o argumento. “Considero-me um soldado do 62o Exército”, replicou.



O bizantinismo ficou esclarecido, mas ainda havia o problema principal das reservas. Evidente que não podiam abrir mão de nenhuma das tropas do NKVD. Contudo, Sarayev tinha sob seu comando vários policiais armados, bombeiros e operários de fábrica. Eles não dispunham de muitas armas, mas havia uns 1.500 homens, de modo que Chuykov deu ordens a Sarayev para que escolhesse alguns prédios sólidos, especialmente no centro da cidade, os fortificasse, instalasse de 50 a 100 homens em cada um, e os defendesse até o amargo fim. O 62o Exército poderia oferecer armas e munições.



As notícias da linha de frente eram esporádicas e muitas vezes a maneira mais fácil de medir o progresso da luta era ir até a saída da Rua Pushkin e ouvir. Não era preciso ouvidos apurados para isso - a 71a Divisão de Infantaria alemã estava a uns 500 metros do abrigo subterrâneo. A linha parecia estar resistindo, embora apenas escassamente. Um dos comandantes de regimento de Chuykov estava desaparecido desde as primeiras horas da manhã e o moral da tropa era tão delicado, que ninguém podia ter certeza de que ele simplesmente não havia abandonado seus homens.



Pouco antes do anoitecer, o Major Khopko chegou para informar que seu último tanque fora posto fora de combate perto da estação. Chuykov mandou-o de volta ao seu posto, com ordens de defendê-lo com os cento e poucos homens que lhes restavam e com o tanque - que podia atirar, embora não pudesse mover-se - até que fosse substituído por homens da divisão de Rodimtsev, “ou então...”



A luta começou a amainar com o cair da noite, de modo que Chuykov e seu Estado-Maior examinaram a posição. Os alemães haviam avançado até a colina Mamayev Kurgan e a ferrovia, e já haviam chegado à Estação Ferroviária Central, embora ainda não a tivessem capturado. Tinham já ocupado muitos prédios no centro da cidade, destruído quase as unidades no centro do 62o Exército e haviam pulverizado o Posto de Observação na Mamayev Kurgan. No setor sul, eles haviam sido detidos, mas todos os indícios eram de que eles se preparavam para atacar novamente.



O QG do 62o Exército fervilhou de atividade durante toda a noite, enquanto oficiais iam e vinham - alguns para combater, outros para reter os alemães nas “casas dos especialistas” e em torno da estação, para impedi-los de interferir no desembarque das tropas de Rodimtsev; e outros, ainda indo e vindo da plataforma de desembarque para receber os batalhões que chegavam e levá-los à linha de frente.



A despeito de seus esforços, foi impossível reunir toda a divisão no lado de cá do rio, durante aquela noite, porém mais de dois terços foram trazidos e postos imediatamente em posição, e na hora certa. O ataque alemão reiniciou-se na manhã seguinte, com elementos de três divisões (71a, 76a e 295a) acossando a estação e a Mamayev Kurgan, enquanto que no setor sul o esperado ataque alemão foi montado por unidades das 14a e 24a Divisões Panzer e da 94a Divisão de Infantaria. A Luftwaffe esteve extremamente ativa e as tropas de Rodimtsev mantiveram-se intensamente empenhadas em combate antes mesmo que se orientassem direito. A estação ferroviária mudou de mãos quatro vezes durante o dia, mas voltou às mãos dos soviéticos ao anoitecer, embora, em outros locais, a batalha fosse mais favorável aos alemães. Eles, os alemães, defenderam as “casas dos especialistas” apesar dos furiosos e repetidos ataques do 34o regimento da divisão de Rodimtesev, apoiado por tanques, conservando assim a capacidade de metralhar a plataforma central de desembarque. Eles também infligiram pesadas baixas à brigada de infantaria do Coronel Batrakov e elementos da Divisão da NKVD que a acompanhavam obrigando-os a recuar para o posto florestal, enquanto que a Divisão de Guardas de Dubyansky era obrigada a recuar para os arredores oeste da cidade, ao sul do rio Tsaritsa.



A batalha pela colina Mamayev Kurgan prosseguiu durante todo o dia, com resultados variados. Essa colina insignificante, marcada com o número 102.0, que era a altura que tinha, conforme os mapas alemães e soviéticos registravam, dominava todo o centro da cidade, de modo, que ambos os lados lhe davam muito valor; sua posse seria contestada até o fim da Batalha de Stalingrado, e com tal ardor que ela permaneceu livre das neves durante todo o inverno, pois o calor das bombas e granadas que explodiam tornavam-na quente demais para a neve. A Divisão de Guardas de Rodimtsev esteve engajada em luta de vida ou morte com elementos de três divisões alemãs (22a Panzer, 71 e 295a de Infantaria) durante todo o dia 15 de setembro e, ao anoitecer, parecia que ela seria forçada a abandonar o local; assim, Chuykov deu ordens para que o regimento restante da divisão (o 42o) atravessasse o Volga naquela noite e fosse levado diretamente para Mamayev Kurgan, a fim de ocupar suas posições antes do amanhecer.



À parte os problemas da linha de frente, submeteram Chuykov a muitos outros. Mudando-se os metralhadores alemães para o vale do Tsaritsa, o QG de Chuykov ficou sob castigo de fogo forte. Era debaixo de violenta trovoada que o comandante russo tinha de segurar a situação. A guarda do QG tornou a entrar em ação perto do abrigo e os feridos eram levados para seu interior. Para aumentar o congestionamento interno, o moral dos mais fracos começou a fraquejar por volta do anoitecer e grandes números de oficiais e soldados arranjaram desculpas de “assuntos urgentes” para poder entrar no abrigo e proteger-se contra o bombardeio e o fogo de metralhadora incessantes. O abrigo não tinha sistema de ventilação e a atmosfera no seu interior tornou-se intolerável. Assim, Chuykov ordenou que se instalasse outro posto de comando na margem do Volga, do lado oposto à extremidade sul da Ilha Zaitevsky, para ajudar a controlar as unidades da ala direita do exército na parte norte da cidade.



Uma vez mais, a luta amainou durante a noite. O 42o regimento atravessou o rio e tomou posição no sopé da colina Mameyev Kurgan, ao lado dos homens da já extremamente enfraquecida 112a Divisão de Fuzileiros. Ao amanhecer, a artilharia martelou as posições alemãs durante dez minutos e, a seguir, o 42o, com um regimento da 112a Divisão, avançou, debaixo de violento fogo de morteiros e bombas. Houve uma luta corpo a corpo acirradíssima, embora breve, que resolveu a questão, e as tropas soviéticas começaram a firmar-se, uma vez mais, no topo da colina. Mas o combate saíra caro, e quando o pelotão de vanguarda atingiu o alto da colina, restavam-lhe apenas seis dos trinta homens que haviam iniciado a subida, enquanto que as baixas nas formações que os seguiam foram igualmente pesadas. Não obstante, eles conseguiram rechaçar o contra-ataque alemão que se seguiu quase que imediatamente e defenderam essa importantíssima colina. A ênfase dos combates mudava-se então para a Estação Ferroviária Stalingrado-1.



Um batalhão dos Guardas de Rodimtsev se havia instalado ali desde que atravessara o rio, na noite de 14 de setembro. Na manhã do dia 17, foram vigorosamente atacados por uma formação de fuzileiros alemães apoiada por armas automáticas e por cerca de 20 tanques, que os expulsaram da estação e dos prédios adjacentes. Eles se reagruparam, contra-atacaram e recuperaram o terreno perdido, mas foram de novo rechaçados. A área mudou de dono quatro vezes naquele dia, mas, ao cair da noite, estava de novo em mãos soviéticas, e juncada de cadáveres, de alemães e de russos. A exaustão de ambas as partes pôs fim, quando já escurecia, à sangueira infernal, pelo menos temporariamente, em que transformaram a estação.



Naquela noite, com seu QG sob fogo hostilizante das metralhadoras da 71a Divisão de Infantaria alemã, Chuykov abandonou o abrigo de Tsaritsyn, mudando-se para outro posto de comando. A travessia das ruas, infestadas de metralhadoras e tanques, era perigosa demais. Portanto, o grupo atravessou o Volga até Krasnaya Sloboda, foi por rodovia até a Estação de Barcas 62 e, a seguir, transferiu-se para uma lancha blindada, para se fixar, cruzando de novo o rio, em novo local. Na saída de Krasnaya Sloboda, Gurov, membro do Conselho Militar do Exército, sugeriu que tomassem um banho e fizessem uma refeição, mas, enquanto o Comandante do Exército se refazia com uma xícara de chá, perdeu a oportunidade de voltar para a outra margem, pois as barcas só funcionavam à noite. Seguiu-se uma corrida desenfreada para a plataforma de desembarque e Chuykov conseguiu saltar para a última barca que já se desatracara. Ao chegar ao novo posto de comando, ele examinou a situação e verificou que vários dos seus oficiais graduados haviam “desaparecido” enquanto ele se encontrava na margem oriental. Era ainda muito delicado o moral da tropa.



O novo posto de comando situava-se sob a saliência da margem Volga, debaixo de alguns tanques de petróleo. Várias barcas afundadas apareciam nas águas rasas, semi-submersas, e os oficiais do Estado-Maior instalaram-se nelas enquanto o Conselho Militar e o Chefe do Estado-Maior ficaram em algumas trincheiras abertas. Provisoriamente, ajeitaram-se mesmo ao ar livre, enquanto os sapadores construíam os abrigos necessários. As precaríssimas instalações que passaram a ocupar faziam um contraste violento com o abrigo bem construído de Tsaritsyn, abrigo já não mais considerado “seguro”, se é que algum lugar da cabeça-de-ponte podia ser considerado “seguro”; pelo menos, o novo posto estava a 2 km da linha de frente.



Ao amanhecer a Luftwaffe tornou a aparecer, reacendendo a luta. Às 08:00 h, porém, os aviões de Richthofen desapareceram; a Frente de Stalingrado, ao norte da cidade, iniciara um ataque de sondagem, que logo terminou. Por volta das 14:00 h, os aviões alemães estavam de retorno, em grande número. Durante sua ausência, as tropas de flanco direito do exército melhoraram suas posições e os que estavam na colina Mamayev Kurgan também ganharam de 100 a 150 metros. No centro a situação piorou um pouco e a estação ferroviária, que mudara de mãos quinze vezes em cinco dias, finalmente caiu em poder dos alemães, na noite do dia 18. Também não havia reservas para retoma-la, pois a magnífica 13a Divisão de Guardas, do General Rodimtsev, fora reduzida a um esqueleto.



Seu sacrifício, entretanto, não fora em vão, pois não há dúvida de que ela salvara Stalingrado a 14 de setembro, e mesmo agora, indivíduos ou grupos de dois ou três homens estavam combatendo nos porões, atrás das plataformas ou de sob vagões, comportamento que sustentariam, noite e dia, durante algum tempo. Assim fazendo, eles modificaram gradativamente todo o caráter da batalha, dando sentido à expressão de Chuykov: “todo alemão deve sentir-se sob a mira de uma arma russa”. Porém, eles não mais existiam como grande formação de infantaria, depois do martelar a que tinham sido submetidos desde os seus primeiros dias na linha de frente.



Na área sul da cidade, Kuporosnoye caiu, trazendo os alemães para mais outro ponto do Volga, completando o isolamento do 62o Exército e prejudicando ainda mais o trabalho das barcas além de, com isso, colocarem de pé uma ameaça aos serviços de abastecimento e artilharia, na outra margem do rio. A artilharia tornara-se particularmente importante, porque a diminuição contínua do tamanho da cabeça-de-ponte tornava cada vez mais impraticável manter regimentos de canhões de campanha e obuseiros dentro da cidade. Yeremenko foi obrigado a reunir os fragmentos de unidades retiradas da margem leste para reagrupá-los e transformá-los numa força defensiva que cobriria o setor entre Sredne-Pogromnoye e Gromky, do lado oposto aos trechos da margem ocupados pelos alemães.



A posição do 62o Exército parecia já desesperada, e, num esforço para aliviar a pressão sobre ele, Yeremenko montou um ataque em grande escala, a 19 de setembro, visando a penetrar as defesas alemãs na área de Gumrak-Gorodische e reunir-se ao 62o Exército, que deveria entrar no combate atacando, com três divisões de infantaria e uma brigada blindada, das vizinhanças de Mamayev Kurgan para Rynok e Orlovka, a noroeste e a oeste de Stalingrado. Esse ataque fracassou. Chuykov fez alguns comentários acerbos sobre a maneira como Yeremenko o executara, alegando que ele foi preparado apressadamente, que as forças estavam mal treinadas e indevidamente dispersas, que ele foi desfechado na hora errada e contra as forças principais do 6o Exército, o qual ainda não estava cansado pela luta na cidade, e que fora lançado à luz do dia, a despeito da superioridade aérea alemã.



Embora atribuísse a maioria dessas falhas ao General Gordov, o ex-comandante da Frente (considerado o maior culpado dos desacertos soviéticos, assim como Hitler o fora pelos erros alemães), tais alegações também visavam ao superior de Gordov, Yeremenko. É verdade que Chuykov e Yeremenko tinham de comum o “temperamento da prima dona”, identificado também em muitos líderes militares bem sucedidos. Relatos que Yeremenko faz de incidentes de sua carreira de tempo de guerra já foram, algumas vezes, postos em dúvida por outros generais, mas dessa vez é de duvidar que as alegações de Chuykov possam ser plenamente confirmadas. Ele próprio admite que Paulus ainda não havia lançado as forças principais do 6o Exército no ataque à cidade e subentende que o contra-ataque da Frente de Stalingrado não deveria ter sido montado até que Paulus o tivesse feito.



Segundo testemunho de Chuykov sobre os efetivos do seu exército a 19 de setembro, é de duvidar que ele tivesse resistido a um ataque total do 6o Exército por tempo suficiente para permitir que um contra-ataque da Frente de Stalingrado lhe trouxesse a vitória. Não obstante, é verdade que o contra-ataque fracassou e foi rechaçado pelo 6o Exército sem qualquer transferência de forças da frente do 62o Exército, exceto os aviões. Mas isto confirma apenas que o ataque mal executado, não que fosse errado tentá-lo. Além disso, as duas divisões que chegaram como reforços especificamente para o contra-ataque (as de Gorishny e Batyuk) mostrariam ser tão valiosas quanto a de Rodimtsev o fora nos dias que se seguiram. A Frente de Stalingrado renovou seu ataque às 2:00 h do dia 20 e, no dia 21, Yeremenko telefonou a Chuykov avisando-o de que uma brigada blindada penetrara as posições alemãs e em breve se ligaria ao 62o Exército na área de Orlovka. O Estado-Maior do 62o Exército ficou acordado toda a noite, esperando a notícia da reunião, mas o otimismo revelado por Yeremenko estava antecipado de quatro meses e cinco dias.



A maior parte do sul da cidade encontrava-se em mãos alemãs, mas nos arredores sul havia um enorme edifício: o elevador de cereais, defendido por cerca de 30 guardas e 18 homens da nova “Infantaria Naval” (não fuzileiros navais, mas marinheiros a quem o Alto-Comando pusera em serviço de infantaria devido à escassez de potencial humano). Os marinheiros angariavam logo tremenda reputação, onde quer que fossem usados, e a maioria dos que estavam, na noite do dia 17, no elevador era do tipo particularmente valente, vindos do Ártico.



O elevador foi atacado por um batalhão alemão e a luta prosseguiu durante cinco dias. No final, elementos de três divisões alemãs (a 29a Motorizada, a 14a Panzer e a 94a de Infantaria) foram trazidos para o combate, mas somente no dia 22, quando praticamente não restava ninguém vivo na guarnição e os sobreviventes não tinham nem água nem bala, é que o elevador foi capturado. Este episódio, um microscosmo do cometimento germânico na área, dá bem a medida do apetite nazista em relação a Stalingrado. A parte sul da cidade estava, assim, praticamente em mãos alemãs, muito embora pequenos grupos de homens continuassem a lutar na retaguarda alemã, como acontecia na área da estação ferroviária.



No centro da cidade a situação era crítica. Tropas alemãs, com apoio de tanques, tentaram passar para a margem esquerda do rio Tsaritsa, a 21 de setembro, e o teriam feito se não fosse o fogo intenso da artilharia vindo da margem leste do Volga; também no dia 22 os homens de Rodimtsev foram rechaçados da plataforma central de desembarque. Quase toda a retaguarda do 62o Exército estava agora aberta ao fogo alemão. Somente as plataformas ao norte da cidade podiam ser usadas - e mesmo assim somente à noite. A recém-chegada Divisão de Batyuk foi encarregada da tarefa de liquidar a força alemã existente na área da plataforma central de desembarque e de assumir firme controle do vale do Tsarista.



Ckuykov mandou chamar Batyuk e o instruiu sobre o uso de pequenos grupos de combate, porque, interiormente, não estava certo de que Batyuk se libertara de tudo quanto preconizavam os exércitos de tempo de paz, em que as unidades eram muito maiores, até que finalmente Batyuk (que de fato observava as peculiaridades da luta de rua em Stalingrado, antes que sua divisão atravessasse o Volga, e fizera seus preparativos nessa conformidade) interrompeu a arenga do seu comandante com algumas e bem escolhidas palavras: “Vim lutar, e não participar de uma parada. Meus regimentos contêm elementos siberianos...”, depois do que Chuykov o deixou entregue a sua tarefa.



Passada uma hora, às 10:00 h de 23 de setembro, os homens de Batyuk foram preparados para o ataque pela margem do Volga na direção do desembarcadouro, enquanto Rodimtsev atacava na direção norte, com reforços de 2.000 homens. Os alemães encontravam-se tão bem entrincheirados, que nem mesmo dois dias de violenta luta conseguiram desalojá-los. Não obstante, Paulus não conseguiu sequer dar um passo à frente, e a luta começou a arrefecer novamente a partir da noite de 24. O 62o Exército, embora dividido em dois, estava ainda em ação.



Hitler muda a equipe



Enquanto a batalha ainda rugia pelas ruínas de Stalingrado, acontecimentos dramáticos ocorriam no QG de Hitler. A ofensiva contra os campos petrolíferos caucasianos também não alcançara seus objetivos, e o Führer, que jamais confiara muito em seus generais, estava à procura de bodes expiatórios. Assim, enviou ele um dos poucos soldados que desfrutavam da sua confiança, o Coronel-General Jodl, do OKW, ao QG do Grupo de Exércitos A, para saber por que seu Comandante-Chefe, o Feldmarechal List, não conseguira progredir como esperava. Jodl retornou e disse-lhe que List obedecera à letra as ordens recebidas, mas as dificuldades do terreno e a forte resistência russa se haviam combinado para frustrar a arremetida.



Hitler teve mais um dos seus acessos de raiva, chegando a ordenar a substituição de Jodl. Jodl, porém, que considerava um “erro psicológico lembrar a um ditador os seus desacertos, para conservar sua autoconfiança”, nunca mais violou seu próprio aforisma e não foi substituído. Mas List foi, a 10 de setembro. O mesmo aconteceu com o General von Wietersheim, Comandante do 14o Corpo Panzer, e com o General von Schwedler, do 4o Corpo Panzer - o primeiro, por fazer objeções ao uso dos Panzer para manter aberto o corredor de Rynok, que ia do Don ao Volga; o segundo, pelo ponto de vista que defendia, considerado “derrotista”, de que a concentração de forças tão poderosas na extremidade de um saliente, com flancos vulneráveis, poderia ser muito perigosa para o 6o Exército. Contudo, essas demissões foram eclipsadas pela partida do Coronel-General Halder, Chefe do Estado-Maior-Geral do OKH, a 24 de setembro.



Já era tempo de os estrategistas do OKH voltarem a atenção para o inverno que se aproximava e tentar prever se o Exército Vermelho desfecharia ou não qualquer ofensiva; a opinião quase unânime era de que ela seria contra o meio da frente. Assim, tanto Halder como o Comandante-Chefe do Grupo de Exércitos Centro, Feldmarechal von Kluge, estavam ansiosos por receber reforços, os quais não se encontravam disponíveis devido à pressão dos acontecimentos no sul. Novas divisões soviéticas estavam sendo identificadas no setor central quase que diariamente: permaneciam ativas por alguns dias e logo desapareciam, sendo levadas para a reserva, atrás do centro, como Kluge e Halder acreditavam.



As relações pessoais entre Hitler e Halder, que se vinham deteriorando há meses, a uma discussão trivial sobre essas evanescentes discussões soviéticas tornaram-se críticas, e Halder foi demitido a 24 de setembro. Seu sucessor, Zeitzler, foi promovido, passando por cima de muitos generais melhores e mais antigos. Seu forte era a logística e o Führer queria um homem que pudesse mover suas tropas para onde ele, Hitler, determinasse. Zeitzler seria muito bom nesse tipo de trabalho. Assim, ele juntou-se à panelinha dos servis e maleáveis que gradativamente iam povoando o OKW e o OKH. Daí por diante Hitler exerceria nesses órgãos muito mais controle direto do que no tempo de Halder.



O principal ajudante de Hitler, General Schmundt, foi promovido a Chefe do Departamento de Pessoal do Exército, em virtude do que Paulus (que durante toda a sua carreira mostrara ser tão bom cortesão quanto soldado) lhe enviou cumprimentos. Este gesto de cortesia teria enorme repercussão no decurso da batalha de Stalingrado, pois, com isso, Schumundt confidenciou-lhe que seu nome estava sendo cogitado para substituto de Jodl na chefia de Estado-Maior do OKW. Paulus compreendeu que a conquista rápida de Stalingrado muito contribuiria para a sua condução ao cargo, e, assim pensando, começou a planejar o retorno aos corredores palacianos a partir da destruição de Stalingrado - o que foi uma pena, pois ele era essencialmente um oficial de Estado-Maior, e não um comandante de campanha.



O argumento das evanescentes divisões soviéticas tinham mais conexão com Stalingrado do que percebiam os alemães. Embora a corte de Stalin se revelasse por vezes tão bizantina quanto a de Hitler, no Stavka não se notava a existência da atmosfera de intriga febril que envolvia o QG de Hitler. Embora agisse com alguma lentidão, ele era em geral mais um lugar de contemplação consciente do que de atividade frenética, e Stalin interferia menos nele do que Hitler em seu Estado-Maior-Geral. Como Schwedler, o Stavka se interessara pelo extenso, e exposto, flanco alemão ao longo do Don e, como já foi dito, o representante do Comandante Supremo, Zhukov, e o Chefe do Estado-Maior-Geral, Vassilevsky, haviam visitado as cabeças-de-ponte soviéticas do outro lado do Don no começo de setembro.



Ao retornarem a Moscou, realizaram uma conferência na qual foi elaborado um plano preliminar para uma contra-ofensiva, por isso que as divisões soviéticas começaram a aparecer e desaparecer no setor central. Estavam sendo “batizadas” nas partes relativamente calmas da frente central e depois eram retiradas; desse modo, os alemães não se enganavam quando admitiam que estivessem sendo postas na reserva. E assim era, mas não no centro; destinavam-se à área de Stalingrado, pois o que se preparava era uma gigantesca operação de pinças - o cerco e destruição do 6o Exército, do 4o Exército Panzer e tantos dos satélites quantos pudessem ser encontrados.



A atenção alemã concentrava-se em Stalingrado, portanto a cidade tinha de ser defendida. Mas tratar Stalingrado como uma máquina de destruição, como os alemães haviam feito em Verdun, em 1916, e como Paulus parecia estar preparado para fazer, não era medida elegante nem possível, dada a crítica escassez de potencial humano do Exército Vermelho. Além disso, a cabeça-de-ponte em Stalingrado era tão pequena, que a colocação de grandes forças ali criaria espantosos problemas de abastecimento, e exporia nas mãos da Luftwaffe e da infantaria alemã - cujas capacidades, independente das deficiências da sua liderança superior, eram formidáveis.



Portanto, a decisão de não travar batalha de atrito não foi de todo voluntária, mas, de qualquer modo, tal tipo de batalha não seria do agrado de Zhukov, o único dos comandantes soviéticos, até então, que mostrara como pôr um inimigo mais forte em fuga - em Moscou no ano anterior - e que, para fazer isso, sentira a necessidade de dar ordem “proibindo categoricamente” os ataques frontais a pontos mais fortificados. Assim o 62o Exército foi reforçado o bastante para mantê-lo ativo, mas a maioria absoluta das divisões mandadas da reserva do Stavka para o sul, entre 1o de setembro e 1o de novembro, não entrou na cidade, estacionando em áreas de concentração ao norte da curva do Don. As necessidades de Chuykov eram imensas e ele recebeu o equivalente a 10 divisões; mas quase o triplo dessa quantidade - 27 divisões - concentrou-se nas áreas de reunião situadas atrás da Frente de Stalingrado.



Também a estrutura de comando fora reorganizada. A responsabilidade dupla de Yeremenko foi abolida e as Frentes foram confusamente rebatizadas: A Frente de Stalingrado transformou-se na Frente do Don, e posta sob o comando do Tenente-General K. K. Rokossovsky, enquanto que a Frente Sudeste passou a denominar-se Frente de Stalingrado, continuando sob o comando de Yeremenko; um novo Grupo de Exércitos, a Frente Sudoeste, foi criado e entregue ao comando do Tenente-General N. F. Vatutin. No momento certo ele tomaria posições à direita das forças de Rokossovsky, mas enquanto aguardava esse momento, sua existência se manteve em segredo e suas tropas permaneceram atrás da linha, treinando, equipando-se e preparando-se.



O êxito do plano soviético dependia de duas coisas: primeira, da avaliação do Stavka, de que os efetivos alemães estavam diminuindo lentamente e que não havia grandes reservas estratégicas disponíveis para lançar contra a ofensiva soviética, quando esta fosse desfechada; a segunda, do sucesso do 62o e do 64o Exército em manter uma grande força alemã retida na área de Stalingrado. Isto, por sua vez, dependia da capacidade do 62o Exército de defender a cidade, porque, uma vez que esta caísse, o 6o Exército desviaria forças, tanto da sua própria infantaria como dos tanques do 4o Exército Panzer, para defender seu flanco norte.



A cabeça-de-ponte sobre o Volga compreendia apenas a parte norte da cidade, formada da Fábrica de Tratores, a fábrica de material bélico “Barricadas”, a siderúrgica “Outubro Vermelho” e várias outras fábricas menores, que se entendiam em fileira ao longo da margem do Volga ao norte da colina Mamayev Kurgan, e com as casas dos seus operários situadas diretamente a oeste delas. A 4 de outubro, sob um estímulo duplo - a esperança de promoção e o medo do inverno russo, que começava a anunciar sua chegada - Paulus desfechou o seu mais violento ataque.



Embora a maior parte do 62o Exército estivesse animada, de vez em quando havia sérios problemas de moral. Em fins de setembro, Chuykov começou a desconfiar dos relatórios, chegados pelo rádio, de duas brigadas que estavam isoladas do corpo principal do exército e lutando independentes ao sul do Tsaritsa. Numa investigação, ele descobriu que o Comandante e o Estado-Maior do QG da formação haviam abandonado seus homens e se instalado na Ilha Golodny, onde preparavam relatórios falsos sobre o desenvolvimento da luta, transmitindo-os ao QG do Exército. Chuykov não revelou o castigo que lhes infligiu, mas provavelmente foram rigorosos.



Contudo, era tarde demais, pois a 26 de setembro uma das brigadas abandonadas deixou suas posições, fugindo para o lado oposto do rio. A outra, foi retirada antes que viesse a fazer o mesmo e transportada para o norte, para o distrito industrial, onde, sob o comando de novos oficiais, se saiu muito bem. Todavia, a retirada desatara as mãos dos alemães à esquerda do 62o Exército, e os preparativos para mais outro grande ataque contra a colina Mamayev Kurgan, que era a cavilha da extremidade sul do precário ponto de apoio de Chuykov, na cidade, tiveram início.



O moral da tropa alemã estava no auge, pelo menos entre os que realmente travavam os combates. Embora dois novos exércitos aéreos soviéticos se estivessem deslocando mais ao norte, os alemães encontravam-se preparados para a contra-ofensiva. Novas formações vindas da Alemanha - na maioria unidades especializadas, como destacamentos de sapadores e lança-chamas - eram trazidas para o último esforço, e não tomavam quaisquer precauções para camuflar a intenção de montar novos ataques. Alguns de tão arrogantes, especialmente os que ainda não havia combatido, gritavam para as posições russas (que freqüentemente ficavam do outro lado de uma rua ou no prédio adjacente): “Russo! Amanhã, bang-bang!”, avisando assim aos seus adversários fortificados e dando-lhes tempo para tomar as medidas adequadas.



A cabeça-de-ponte era agora tão pequena que quase toda ela podia ser atacada com fogo de armas pequenas e o movimento ao ar livre, durante o dia, tornara-se quase sinônimo de suicídio. Os ganhos e perdas em batalha eram medidos a metros e a unidade básica de combate era a tocaia individual ou o grupo de assalto de diferentes armas, normalmente automáticas, granadas de mão, fuzis antitanques, ou, às vezes, um canhão antitanque. Isto não era luta de rua, no sentido exato da palavra, já que normalmente era perigoso demais sair à rua, ferindo-se a luta sempre dentro de prédios. Os grupos de assalto normalmente se compunham de seis a oito homens cada um; seu trabalho consistia em penetrar nos prédios, e iam levemente armados. Atrás deles, deslocavam-se os grupos de reforço, que os seguiam tão logo estivessem dentro do prédio, e criavam um campo de fogo ao redor do alvo, para impedir a aproximação de reforços inimigos. Para este fim, os grupos de reforço eram mais bem armados. Portavam metralhadoras pesadas e armas automáticas, morteiros, fuzis ou canhões antitanques, pés-de-cabra, picaretas e explosivos. Além desses, havia também o grupo de reserva, usado para suplementar os grupos de assalto, bloquear os flancos contra ataques inimigos e, se necessário, proteger a retirada dos grupos de assalto e de reforço. Essas pequenas unidades altamente especializadas, revelaram-se muito eficientes, e o pequeno tamanho da unidade básica, o grupo de assalto, possibilitava a formação de grupos de diferentes tamanhos e composições, conforme a natureza do objetivo.



Na defesa, os grupos de assalto apoiavam-se em armas antitanques, no andar térreo, metralhadoras, nos andares superiores, com infantaria em todos os andares, incluindo o porão. O 62o Exército, graças à sua estrutura tática especializada, mostrou-se superior na luta aproximada, mesmo em desvantagem numérica; e a negligência, por parte de Paulus, em adotar métodos especiais para enfrentar condições específicas, mostrou, uma vez mais, que a liderança alemã abordava mal a situação. Contra a habilidade das táticas especializadas de Chuykov, a resposta era concentrar números cada vez maior de forças na extremidade do saliente - exatamente onde Zhukov as queria.



Chuykov conseguira transformar o 62o Exército num bom corpo de combatentes de casa em casa, e sua tática de se manter perto do inimigo estava dando resultados. Em setores onde a luta era mais acirrada, a Luftwaffe estava reduzida ou à impotência ou a bombardear ambos os lados, mas agora havia todas as indicações da iminência de um grande ataque alemão. O 62o Exército precisaria de toda a sua habilidade e capacidade de luta.



As informações obtidas pelos serviços de reconhecimento e pelos descuidos dos alemães em ocultar intenções permitiram deduzir, por volta de 26 de setembro, que a ofensiva de Paulus seria montada, de Gorodishche-Razgulyayevka, contra as casas dos operários das fábricas “Barricadas” e “Outubro Vermelho” e, daí, contra as própria fábricas e a margem do Volga atrás delas. Compreendendo que a sucessão de ataques alemães reduzia ainda mais seu limitado espaço para manobrar, e sabendo que mais reforços estavam a caminho (a 193a Divisão de Infantaria do General Smekhotvorov começaria a cruzar o rio na noite de 27, seguida, no dia 30, pela 308a de Infantaria, do General Gurtiev, e, a 3 de outubro, pela 37a de Guardas, do General Zholudev), Chuykov decidiu tentar interromper os preparativos de Paulus mantendo o bombardeio constante pelo grupo de artilharia situado na margem leste e fortalecendo as defesas no lado norte da cidade, que no momento estavam fracamente protegidas pela 112a Divisão de Infantaria, totalmente exausta, e por uma brigada de tanques cujos efetivos estavam muito reduzidos.



A situação na colina Mamayev Kurgan novamente causava apreensão, pois os alemães se encontravam nas suas fraldas ocidental e sul, a pouco mais de cem metros do topo. Vigoroso contra-ataque ali talvez pudesse restaurar a posição; talvez pudesse até mesmo interromper o plano de Paulus de atacar a área da fábrica, obrigando-o a desviar tropas de volta ao centro da cidade - e elas estariam vulneráveis ao bombardeio da artilharia enquanto estivessem percorrendo, o grosso a estrada Gumrak-Stalingrado. Contudo, o grosso do exército, teria de permanecer em posição para resistir à ofensiva de Paulus e, no final, somente as divisões, já fracas, de Gorishny, Batyuk e Rodimtsev puderam ser usadas.



Chuykov ainda receava que seus subordinados recaíssem nas práticas de ataque de tempo de paz, usando grandes formações, tanto que na ordem para o ataque (Ordem do Exército nº 166, 26 de setembro) sentiu necessidade de declarar: “Torno a avisar a todos os comandantes de unidade e formação para que não executem operações de combate com unidades inteiras, como companhias e batalhões. A ofensiva deve ser organizada principalmente com base em grupos pequenos, com armas automáticas, granadas de mão, garrafas de mistura inflamável e fuzis antitanques...”



Depois de um bombardeio de artilharia de 60 minutos, a infantaria pôs-se em movimento às 06:00 h do dia 27, mais depois de alguns ganhos iniciais, ela foi obrigada a proteger-se dos bombardeiros de mergulho alemães, que apareceram por volta das 08:00 h. Às 10:30 h teve início um maciço ataque alemão contra a colina Mamayev Kurgan e contra as casas dos operários da fábrica “Outubro Vermelho”. Três divisões alemãs, a 24a panzer, a 100a de Infantaria e 389a de Infantaria, estavam envolvidas; a 100a era uma divisão nova e a 389a tinha quase completos os seus efetivos. Chuykov venceu Paulus no golpe por apenas quatro horas e meia; começara o período mais crítico para o 62o Exército.



A Luftwaffe cobrira toda a cabeça-de-ponte com bombas e o ponto fortificado da 95a Divisão de Gorishny, no alto da colina Mamayev Kurgan, foi obliterado. O QG do Exército, sob a saliência da margem do Volga, esteve debaixo de ataque aéreo durante todo o dia. O reservatório de petróleo adjacente aos tanques de petróleo que ficavam sobre o QG começou a arder, cobrindo a área com um manto de fumaça negra e asfixiante. Por volta do meio-dia os telefones começaram a apresentar defeitos e as ligações radiofônicas deixaram de funcionar. Havia sérias dificuldades na linha de frente, mas era impossível, no -G, descobrir se as coisas iam muito mal.



Assim sendo, os líderes do 62o Exército dispersaram-se para descobrir: Chuykov foi para a Divisão de Batyuk; Krylov para a de Gorishny e Gurov para a formação blindada. Quando voltaram, descobriram que muitos dos oficiais de seu Estado-Maior haviam fugido, de modo que compararam notas da melhor maneira que podiam, mas só a noite adentro é que tiveram um quadro completo da situação. No norte, os alemães haviam penetrado os campos minados, vencido as posições avançadas da 112a Divisão e, em certos lugares, obrigaram-na a recuar mais de 1.600 m, penetrando o bairro operário da fábrica “Barricadas”; enquanto isso, no centro, a Divisão de Gorishny fora expulsa da colina Mamayev Kurgan, com pesadas baixas, e o que restava dela se mantinha precariamente nas encostas nordeste. “Mais uma batalha destas”, pensou Chuykov, “e estaremos no Volga”.



Krushev telefonou do Q-G da Frente e Chuykov informou-lhe que, apesar de todos os esforços do 62o Exército, a superioridade alemã em homens e materiais começava a dar-lhes vantagem, mas que seu Conselho Militar estava examinando a maneira de destruir a força atacante. “De que ajuda você precisa?” perguntou Krushev. “Não me estou queixando da força aérea, que está lutando heroicamente, mas o inimigo tem o domínio do ar. A Luftwaffe é o seu trunfo. Portanto, peço mais auxílio nesse setor - proteção aérea, ainda que por algumas horas por dia”. Krushev respondeu que a Frente já estava fazendo tudo o que podia, mas comprometeu-se a ver se era possível fazer mais alguma coisa.



Naquela noite (de 27 para 28 de setembro), os comandantes de unidades e os chefes políticos receberam ordens de sair dos abrigos e trincheiras para estimular seus homens ao máximo, enquanto dois dos regimentos de Smekhotvorov atravessaram o rio e foram mandados de imediato para a linha de frente na extremidade ocidental do bairro operário da fábrica “Outubro Vermelho”. A artilharia bombardeou a Mamayev Kurgan a noite inteira, para que os alemães que estavam no seu topo não pudessem instalar-se, sendo também organizado um contra-ataque para o dia seguinte, com a Divisão de Batyuk e os remanescentes da de Gorishny.



A Luftwaffe tornou a surgir, ao amanhecer do dia 28, lançando tudo o que podia obter (não há registro de que tenha lançado uma pia de cozinha, mas pedaços de metal, arados, rodas de trator e latas vazias caíram às centenas sobre os homens de Chuykov, juntamente com as bombas). Os aviões mantiveram ataques constantes contra as tropas, barcas de carga foram postas fora de ação; as chamas dos tanques de petróleo que ardiam alcançaram o abrigo do Conselho Militar e o cozinheiro pessoal de Chuykov, Glinka, foi ferido na cratera de uma bomba que ele usava como cozinha.



Não obstante, Chuykov via motivos de esperança. Os ataques alemães pareciam-lhe descoordenados e mais lentos do que antes. Melhor ainda, a promessa de Krushev de melhorar o apoio aéreo dera resultados e o Comandante da Força Aérea, o Brigadeiro Khryukin, de 32 anos de idade, deu ao 62o Exército o maior apoio aéreo que ele jamais recebera até então, e com o qual o contra-ataque à colina de Mamayev Kurgan prosseguiu com alguma possibilidade de êxito. O topo não foi recapturado, mas os alemães não conseguiram conservá-lo. Durante muito tempo, ele tornou-se “terra de ninguém”, sofrendo intenso fogo de artilharia de ambos os lados.



A luta de 28 de setembro fora relativamente boa para o 62o Exército, mas sua posição ainda era extremamente precária, de modo que o Stavka reconsiderou sua decisão anterior de reforçar a área desse exército o menos possível, especialmente porque um ataque feito a 27 de setembro, contra Kuporosnoye, pelo 64o Exército também fracassara, deixando o 62o Exército tão isolado quando antes. Os reforços começaram então a chegar a Stalingrado, mas não divisões de infantaria ou tanques para o 62o ou o 64o Exércitos. Desta vez a maioria deles era de batalhões de metralhadoras e tropas de “área fortificada” (formações estáticas, compostas em geral de homens mais velhos e destinadas basicamente à defesa estática), mas não se destinavam à cidade.



A ordem do Stavka era para que fortificassem as ilhas do Volga e a margem leste entre Sredne-Pogromnoye e Gromki. A artilharia, na margem leste, foi reorganizada, pra fazer parte das defesas, ao mesmo tempo que continuava apoiando as tropas na cidade, e nove batalhões de metralhadores e uma divisão de fuzileiros foram despachados, da reserva do Stavka, para a margem leste. O mesmo aconteceu com a 159a Área Fortificada, com doze batalhões de metralhadores de artilharia e várias outras formações, incluindo a 43a brigada de Engenharia, que se pôs logo a minar a margem leste.



Se os alemães penetrassem nesse ponto e atacassem para o norte, pela margem leste, as divisões soviéticas que se reuniam a oeste do rio, atrás do Don, correriam perigo. O grande plano para uma operação de cerco entraria em colapso. Assim era preciso erguer-se uma cerca atrás do 62o Exército.



O Stavka estava presente nos dois lados.



Agora que se perdera a maioria das barcas de carga, o transporte de homens e munição para a cidade se tornaria mais difícil; havia também grande número de feridos, os quais não puderam ser evacuados durante a noite. Tropas de infantaria descansadas e tanques alemães estavam sendo trazidos para a área da fábrica “Outubro Vermelho”; o até então calmo “saliente de Orlovka” estava prestes a entrar em erupção.



O saliente de Orlovka sobressaía, ao norte da cidade, a distância de uns 8 km e tinha cerca de 1.600 m de largura na sua garganta, situada na parte leste de Orlovka. Os que a cercavam (elementos da 16a Divisão Panzer, da 60a Motorizada e das 100a e 389a de Infantaria) estavam basicamente ocupados em proteger o flanco norte do 6o Exército contra qualquer tentativa de Yeremenko no sentido de penetrar para ajudar Stalingrado, e enquanto as tropas soviéticas dentro do saliente permanecessem imóveis, os alemães não se preocupariam muito com elas. De sua parte, Chuykov não dispunha de tropas para uma ação verdadeiramente forte numa parte meio distante do setor defendido pelo 62o Exército, de modo que evitou provocar os alemães nessa área e a guarneceu com forças relativamente fracas. Não obstante, Paulus entrevia alguma perigo na existência do saliente. Se Yeremenko conseguisse penetrá-lo, seu flanco esquerdo do Volga, em Latashanka, seria isolado; se Chuykov colocasse qualquer das suas novas divisões no saliente, o flanco das forças alemãs que atacavam a área industrial ficaria vulnerável.



Com o início da ofensiva na parte norte da cidade, que incluiria um grande ataque contra a área industrial, era evidente que chegara o momento de Paulus liquidar o saliente de Orlovka, e ele assim passou a agir. As poucas forças ali existentes logo foram vencidas e, em vista dos informes do serviço de inteligência sobre concentrações de tanques e infantaria da 14a Divisão Panzer e da 94a de Infantaria alemãs no Vishmevaya, nas ravinas “Longa” e “Profunda” e no cemitério “Outubro Vermelho”, evidentemente em preparativo para renovado ataque contra as Fábricas de Trator e “Barricadas”, Chuykov sentiu que nada podia fazer para aliviar a situação no saliente Orlovka, de modo que retirou a maioria da brigada de infantaria de Andryusenko, reforçou-a com um regimento antitanques e duas companhias da brigada de Gorokhov e preparou-se para um contra-ataque dentro de três dias ao bairro operário da “Barricadas”.



A 39a Divisão de Infantaria de Guardas de Guryev começou a atravessar o Volga naquela noite, 30 de setembro. Seus efetivos estavam reduzidos à metade, mas a qualidade da tropa era comprovadamente boa. Chuykov decidiu colocá-la entre a Fábrica de Silicato e a Rua Zuyevskaya, pois planejava usá-la no contra-ataque ao bairro operário da “Barricadas”. Todavia, no dia seguinte, seus vizinhos da esquerda, a Divisão de Smekhotvorov, sofreram sério revés quando os alemães enfiaram uma cunha profunda em suas posições e deram a impressão de que penetrariam na Fábrica “Outubro Vermelho”. Foi então ordenado o deslocamento da 39a de Guardas para trás dos homens de Smekhotvorov, com ordens de transformar os prédios da fábrica em pontos fortes. A 1o de outubro, as pinças alemãs se encontraram no saliente de Orlovka, isolando o 3o Batalhão de Andryusenko, o único que não fora retirado. O batalhão tinha apenas 200 salvas por fuzil e alimento para dois dias. A despeito disso, ele resistiu cinco dias e, a 7 de outubro, 120 sobreviventes conseguiram retornar às linhas do 62o Exército, deixando atrás deles 380 mortos e feridos.



Já então a posição do 62o Exército piorava rapidamente. A divisão de Smekhotvorov estava em sérias dificuldades desde que chegara; ela perdera três comandantes de regimento e um de batalhão no seu primeiro dia e depois de menos de uma semana em ação estava reduzida a cerca de 2.000 homens. Felizmente, outra divisão de reforços já se reunia do outro lado do Volga, a 308a de Infantaria, do Coronel Gurtuev, na maioria siberianos. Nos setores de Batyuk e de Rodimtsev, no centro da cidade, os alemães estavam apenas sendo retidos, mas começavam a intensificar a pressão. Um batalhão de alemães disfarçados com uniformes do Exército Vermelho tentara penetrar a Ravina “Profunda” até o Volga, mas fora descoberto e eliminado; a Divisão de Smekhotvorov vinha sendo rechaçada, os alemães se aproximavam da fábrica “Outubro Vermelho” e, para aumentar os problemas de Chuykov, seu Posto de Comando voltara a ser atacado.



Uma semana antes, o reservatório de petróleo situado sobre ele pegara fogo e, desde então, o posto vivia coberto por um manto de fumaça negra e oleosa que tornava quase intoleráveis as condições de trabalho, mas, ainda bem, oferecia uma cortina de fumaça que mantinha afastada a Luftwaffe. Contudo, a 2 de outubro, um decidido ataque aéreo e de artilharia foi desfechado contra o posto e desta vez os próprios tanques de petróleo rebentaram, engolfando o posto de comando, as barcaças danificadas e o próprio Volga em óleo incandescente. As linhas telefônicas se incendiaram, o rádio só funcionava intermitentemente e não havia como fugir; assim, Krylov deu ordens para que o Estado-Maior procurasse abrigar-se em outro lugar, recomendando-lhe que mantivesse contato com as tropas pelo rádio. O incêndio durou vários dias, o posto continuou sendo bombardeado e era impossível dormir, mas talvez o mais irritante nesses dias, segundo Chuykov, era ser chamado constantemente através do rádio pelo Chefe do Estado-Maior de Yeremenko, General G. F. Zakharov, para responder a perguntas triviais, destinadas unicamente a verificar se o QG do Exército ainda existia.



A pressão alemã intensificava-se gradativamente. Por toda a parte do norte da cidade, o perímetro soviético se contraía aos poucos e a Fábrica “Outubro Vermelho” passou a sofrer ataque direto, mas os homens de Guryev continuavam resistindo, e o mesmo acontecia com as divisões no centro da cidade. Surgia, porém, nova ameaça. A 4 de outubro, as patrulhas de Chuykov observaram a presença de três divisões alemãs de infantaria e uma Panzer, numa frente de cerca de 4 km, entre Mechetka e a Cota 107,5. A Fábrica de Tratores estava prestes a ser atacada.



No dia anterior, Chuykov fora notificado de que a 37a Divisão de Infantaria de Guardas (Major-General Zholudev) começaria a cruzar o rio, para Stalingrado, naquela noite. Ela atravessara sem seus canhões antitanques devido à escassez de barcas e, por alguma razão inexplicável, seu QG não pôde atravessar naquela noite, de modo que os regimentos foram postos sob o comando direto do QG do Exército e colocados rapidamente em posição à direita dos homens de Gurtyev, para defender a Fábrica de Tratores. Na noite seguinte eles se juntaram aos tanques leves da 84a Brigada Blindada - os tanques médios não puderam ser trazidos para a margem em que se achavam. Os tanques leves eram inúteis contra os tanques PzKpfw III e IV alemães; portanto, foram instalados e usados como pontos estáticos de tiro.



Os reforços chegaram a tempo, pois mal alcançaram suas posições quando o principal ataque alemão contra a Fábrica de Tratores da 14a Divisão Panzer, da 60a Motorizada e 389a de Infantaria. A 37a de Guardas os deteve, e eles não progrediram nada. O dia 6 de outubro foi calmo, pois os alemães pararam para se reagrupar e Yeremenko, tomando isto como indício de exaustão, incitou Chuykov a usar a 37a de Guardas para um contra ataque no dia seguinte, mas este não ocorreu porque os alemães o frustraram com um ataque em grande escala, lançando suas divisões de infantaria e grande número de tanques. A 37a foi obrigada a recuar lentamente, cobrando um tributo pesado por palmo de terreno que cedia, e o principal ganho alemão do dia foi - um quarteirão de apartamentos no bairro operário da Fábrica de Tratores. Às 18:00 h, os foguetes Katyusha obtiveram êxito fortuito, mas fantástico, eliminando quase que todo um batalhão nazista, a oeste da ponte ferroviária sobre o Mechetka, com uma única salva. Isto elevou as baixas de Paulus, naquele dia, a quase quatro batalhões - preço muito alto para um quarteirão de apartamentos; e ele parou para um reexame da situação.



A calmaria durou quatro dias, mas era evidente que a luta seria extremamente dura quando se reiniciasse. Ambos os lados reagruparam-se e o 62o Exército preparou-se para enfrentar o renovado ataque à Fábrica de Tratores. Yeremenko ordenou um contra-ataque aos arredores do local da Fábrica de Tratores, que foi desfechado pela 37a de Guardas e por um regimento da divisão de Gorishny, no dia 12. Indicativo da tensão entre os principais protagonistas soviéticos é o fato de Chuykov haver escrito: “Não esperávamos grandes resultados do contra-ataque, mais achávamos que, dessa vez, o Comandante da Frente não estava pedindo ao 62o Exército que realizasse uma operação ativa sem qualquer propósito”. E qual é a sua razão para dar crédito a Yeremenko por algum sentido “nessa ocasião?” É que ele fora notificado de que o 62o Exército em breve estaria recebendo rações reduzidas de munição, sempre um indício, para qualquer comandante soviético, de que uma grande ofensiva estava para ser montada. Estava sendo mantido o mais absoluto segredo sobre a planejada contra-ofensiva - o próprio Yeremenko fora informado do “Plano Urano”, como fora chamado, menos de uma quinzena antes - mas este indício era inequívoco.



Pelos padrões de Stalingrado, o contra-ataque foi muito bem sucedido, pois os homens de Zholudev ganharam mais de 300 metros, e os de Gorishny, cerca de 200 - mas isto foi o máximo que puderam avançar. Lutaram durante todo o dia 13 sem ganhar mais um centímetro sequer, e no dia 14 Paulus lançou cinco divisões, duas delas Panzer, contra as Fábricas de Tratores e “Barricadas”. O dia 14 de outubro foi dia de crise terrível para o 62o Exército. A Luftwaffe fez quase 3.000 surtidas, enquanto que, em terra, as 14a e 24a Divisões Panzer, a 60a Motorizada, a 100a e a 389a de Infantaria, atacaram as divisões de Zholudev, Gorishny e Gurtyev e a 84a brigada Blindada. Pouco antes do meio dia, parte da linha de Zholudev foi sobrepujada, um grupo de cerca de 180 tanques penetrou-a e alguns deles se dirigiram para a Fábrica de Tratores, outros percorreram o Mechetka, para pegar a 112a Divisão pela retaguarda. Houve luta confusa durante todo o dia e, por volta da meia-noite, os alemães haviam cercado a Fábrica de Tratores por três lados e estavam lutando nas oficinas. Ao redor das paredes havia cerca de 3.000 alemães mortos, prussianos do leste, pertencentes à 24a Divisão Panzer e homens de infantaria hessenos, da 389a Divisão, bem como centenas de guardas de Zholudev. Naquela noite, as barcas do Volga evacuaram 3.500 soviéticos feridos.



O ataque foi reiniciado, no dia seguinte, com o acréscimo da 305a Divisão de Infantaria às forças alemãs, quando Paulus tentou ampliar seus ganhos, ao norte e ao sul, ao longo da margem do Volga. Ele estava muito perto do sucesso; o 62o Exército fora dividido, os prussianos do leste, da 24a Divisão Panzer, haviam alcançado a margem do Volga na extremidade norte da Fábrica de Tratores e o “grupo norte” de Chuykov (três brigadas de infantaria e os pouquíssimos sobreviventes da 112a Divisão) foi cercado em Spartanovka; as comunicações com eles eram apenas esporádicas. A 37a Divisão de Guardas de Zholudev fora obrigada a afastar-se da Fábrica de Tratores e o que restava dela batia-se como guarnições separadas, a maioria no bairro operário da Fábrica de Tratores.



Também a divisão de Gorishny encontrava-se em más condições e a infantaria alemã havia chegado a 350 metros do QG do exército. Os fios telefônicos estavam em chamas, não só no posto de Comando como também no posto de comando de emergência, situado do outro lado do rio, ameaçando assim um colapso total das comunicações com o Exército e a Artilharia, na margem leste, de modo que Chuykov foi obrigado a considerar a possibilidade de o QG do Exército vir a ser destruído; ele conseguiu falar com Yeremenko, pedindo-lhe permissão para transferir várias seções do QG do Exército para o outro lado do Volga, comprometendo-se a ficar na cidade, juntamente com Gurov e Krylov. Yeremenko negou permissão. À vista do QG preparando-se para partir seria demais para as tropas na linha de frente, num momento tão crítico.



Assim, eles ficaram onde estavam e na noite de 16 de outubro os alemães haviam sido detidos uma vez mais. As divisões de Zholudev e Gorishny perderam 75% dos seus integrantes a 15 de outubro, mas as baixas dos atacantes alemães foram tão pesadas, que Paulus foi obrigado a parar a ofensiva. Ele começava a sentir escassez de potencial humano - já tivera de recorrer a outras partes do grupo de Exércitos B, em busca de reforços dos quais mal se podia dispor, inclusive do Exército de Substituição, sediado na Alemanha, e já não podia esperar por mais reforços. Enquanto isso, o barril soviético ainda não estava de todo vazio. Um regimento da 138a Divisão de Fuzileiros, do General Lyudnikov, já atravessara o rio e entrara na cidade. Os outros dois atravessaram-no na noite de 16 para 17 de outubro e foram logo enviados a fortalecer os setores defendidos pelas divisões de Zholudev e Gorishny.



Chuykov achava perigoso tentar ignorar qualquer setor da sua frente durante muito tempo. Ele observou uma grande força de alemães que se reunia numa posição de onde podia atacar a fábrica “Outubro Vermelho” e teve de tomar providências para enfrentar essa possibilidade, ao passo que nos setores mais calmos, ao sul da área industrial, ele desconfiava de que Paulus planejava um ataque de surpresa enquanto o grosso do 62o Exército estivesse retido na área industrial. Com isso, ele parece ter dado a Paulus o crédito de ser demasiado sutil.



Yeremenko conversara com Chuykov no dia 15, e, convencido (ele não diz por que, mas o pedido para fazer parte do QG do Exército, atravessar o rio provavelmente teve algo que ver com isso) de que o ânimo de Chuykov se abatera (e seria um milagre se tal não acontecesse, mas a capacidade de Yeremenko, oportuna ou não, para o otimismo era notória), ele decidiu visitá-lo, conseguindo cruzar o rio numa segunda tentativa, pois na primeira fracassara. Chuykov não ficou muito satisfeito em vê-lo (durante toda a batalha ele fez o máximo para desencorajar a visita de gente importante, que considerava um fardo e uma distração), mas a visita não registrou momento desagradável algum, e Yeremenko partiu ao amanhecer, concedendo mais reforços, como Chuykov pedira, em unidades pequenas, e não em divisões, e munições. Contudo, o humor de Chuykov não melhorou quando, no dia seguinte, o informaram de que receberia uma quantidade de munição para o mês seguinte, quantidade que não duraria um dia de luta intensa; mas os protestos vigorosos só resultaram num aumento muito pequeno na quantidade. Era evidente que se estava planejando algo muito grande.



Na noite do dia 17, o 62o Exército mudou mais uma vez o seu posto de comando para um local na margem do rio situado a uns 800 metros ao sul da Ravina Banny e à mesma distância da colina Mamayev Kurgan, onde permaneceria até o fim da batalha. Os alemães continuaram ganhando terreno na direção da fábrica “Outubro Vermelho” no dia 18 e, no fim da manhã, dominaram o flanco direito de Smekhotvorov, ameaçando cercar algumas unidades da divisão de Gurtyev, adjacente àquele. Assim, para impedir isso, Chuykov deu ordem para que os homens de Gurtyev recuassem cerca de 200 a 300 metros; esta era a primeira vez que ele ordenava uma retirada na área urbana, desde que assumira o comando do exército.



Os dias 19 e 20 de outubro foram relativamente calmos, isto segundo os padrões de Stalingrado. Os alemães continuaram atacando o grupo norte, isolado em Spartanovka, e mantiveram a pressão sobre as fábricas, mas sem qualquer sucesso significativo. Paulus não estava recebendo mais reforços; entretanto, podia ainda deslocar tropas de setores mais calmos da longa frente do 6o Exército, enquanto que os reforços do 62o Exército apresentavam dificuldades físicas muito maiores. O Serviço de Inteligência informou de nova concentração de alemães no bairro operário da “Barricadas” e as unidades de abastecimento do 62o Exército tiveram de ser formadas com potencial humano novo. Os ferreiros, sapateiros, alfaiates, mecânicos e lojistas foram reunidos em companhias de infantaria e transportados, do outro lado do rio, para a cidade.



A 21 de outubro, os alemães atacaram as fábricas “Barricadas” e “Outubro Vermelho” e as últimas barcas do 62o Exército, mas novamente sem qualquer êxito digno de nota. No dia seguinte, porém, a pressão intensificou-se quando Paulus lançou a 79a Divisão de Infantaria com apoio de tanques. Ao anoitecer, a linha soviética na fábrica “Barricadas” havia sido rompida, os alemães estavam avançando sobre a fábrica ao longo dos desvios ferroviários e uma companhia de fuzileiros, com armas automáticas, da 79a Divisão de Infantaria chegara ao ângulo noroeste da siderúrgica “Outubro Vermelho”. Na manhã seguinte a pressão tornou-se mais intensa ainda, quando pequenos grupos de alemães, com fuzis-metralhadoras, penetraram nas oficinas da fábrica “Outubro Vermelho”.



Os efetivos de ambos os lados estavam diminuindo; como as divisões de Paulus viessem sofrendo destruição na proporção de uma para cada cinco dias, ou mesmo em menor tempo, na área industrial, era evidente que ele não poderia manter essa pressão indefinidamente. Em comparação, as forças soviéticas que lutavam na cidade haviam sido divididas, a Fábrica de Tratores e a maior parte da “Barricadas” estavam nas mãos dos alemães, e a luta continuava muito renhida na fábrica “Outubro Vermelho”, onde metralhadores soviéticos, dentro dos fornos apagados, tentavam deter os alemães na outra extremidade da fundição. Enquanto isso, a 37a de Guardas e as 308a e 193a Divisões de Infantaria quase tinham deixado de existir.



No dia 25, o ataque ao grupo norte em Spartanovka foi reiniciado, o centro do local da fábrica foi perdido e as tropas de Gorokhov recuaram para o rio; porém, depois de mais dois dias de luta, durante os quais os canhões da Flotilha do Volga, da marinha soviética, provocaram grande holocausto entre os alemães atacantes - o 6o Exército foi repelido. Mais ao sul, as coisas saíam mal para Chuykov, enquanto as tropas da 79a Divisão alemã avançavam para a fábrica “Outubro Vermelho” e atingiam o QG da 39a de Guardas de Guryev, contra o qual começaram a lançar granadas de mão. Chuykov apressou-se em despachar uma Companhia de Guardas do QG do Exército para salvar a situação, mas ela não pôde retornar ao posto de comando e teve de ficar com a divisão de Guryev na “Outubro Vermelho”. O pior é que no mesmo dia (27 de outubro), os alemães atingiram um ponto, entre as fábricas “Barricadas” e “Outubro Vermelho”, situada a menos de 400 metros do Volga, colocando a última plataforma de desembarque do 62o Exército ao alcance do fogo direto de metralhadoras.



Felizmente, outra divisão de reforços soviéticos - a 45a de Infantaria, de Sokolov - começara a cruzar o rio, na noite anterior, e dois dos seus batalhões conseguiram alcançar a cidade antes do amanhecer do dia 27. Esses reforços foram colocados em posição entre as duas fábricas, com ordem de manter os alemães afastados do rio, o que conseguiram fazer até a noite, quando foram obrigados a recuar, no flanco esquerdo, cerca de uns 100 metros. Um dia de luta custara à 45a Divisão metade dos seus dois primeiros batalhões e o desembarque das unidades restantes seria muito lento, difícil e demoraria dois ou três dias. Poderia, no entanto, o 62o Exército resistir ainda? Paulus ocupava já nove décimos da cidade e cada centímetro da décima parte dominada pelos soviéticos estava sob bombardeio. Os homens de Chuykov retinham somente a colina Mamayev Kurgan, uns poucos prédios das fábricas e uma faixa estreita da margem do Volga, de vários quilômetros de comprimento e algumas centenas de metros de largura.



Por incrível que pareça, ele não só resistiu como também conseguiu montar um pequeno contra-ataque com três tanques remendados. A luta continuou até 30 de outubro, mas os ataques alemães enfraqueciam cada vez mais. Ainda uma vez o 62o Exército sobreviveu a Paulus.



“Haverá uma festa também na nossa rua”



O 6o Exército desfecharia outros ataques e haveria outros momentos de ansiedade para Chuykov, nenhum deles, porém, se igualaria àqueles que seu exército já havia suportado. A ofensiva alemã não atingiria os objetivos fixados na primavera, isto estava suficientemente claro. O inverno chegaria em breve e a guerra de atrito do verão deixara a Wehrmacht mal preparada para enfrentá-lo. Os homens do 62o Exército não sabiam, mas já a 14 de outubro Hitler suspendera todas as operações ofensivas, exceto em Stalingrado e num pequeno setor do Cáucaso. Eles sabiam - não pelos canais oficiais, pois a segurança mais rígida protegia os preparativos para a contra-ofensiva, mas pelos boatos que corriam por toda a parte - que havia algo muito grande no ar. A redução do fornecimento de munição, as idas e vindas da alta oficialidade do Stavka, o discurso pronunciado por Stalin a 7 de novembro, o 25o aniversário da Revolução, com sua declaração enigmática: “Também haverá um feriado na nossa rua”.



Yeremenko comunicou a Chuykov que os alemães planejavam cancelar a ofensiva contra o 62o Exército e retirar tropas da cidade para os flancos e retaguarda. Eles ainda não estavam fazendo isso, e Chuykov viu nessa declaração um convite velado para manter o 6o Exército na cidade, mediante operações de hostilização. Shumilov lançou seu 64o Exército numa pequena ofensiva na área sul, em Beketovka, ostensivamente destinada a ajudar os defensores da cidade, mas na verdade visando a desviar a atenção alemã daquilo que estava acontecendo ao norte do Don.



E o que estava acontecendo lá precisava, por certo, ser mantido oculto. A equipe do Stavka, General-de-Exército Zhukov, Coronel-General Vassilevsky, faces familiares no QG da Frente do Don, tinham voltado no começo de novembro, trazendo um novo visitante, o Coronel-General de Artilharia N. N. Voronov, Comandante da Artilharia do Exército Vermelho. A 3 de novembro, Zhukov iniciou a última da série de conferências que fez com os comandantes até o nível de divisão, no QG do 5o Exército de Tanques da nova Frente Sudoeste. Depois, conferenciou com seus equivalentes na Frente do Don e, finalmente, com os comandantes da pinça sul, no QG da Frente de Stalingrado.



O alcance do plano era vasto, e vastas as forças reunidas para a sua execução. De oeste para leste, ao longo do Don, desde Veshenskaya até o começo da grande curva, e daí para o outro lado do Volga, em Yerezovka, estavam cinco exércitos - o 5o de Tanques e o 21o da Frente Sudoeste, os 65o 24o e 66o da Frente do Don. Ao sul, os reforçados 57o e 71o Exércitos da Frente de Stalingrado já haviam ocupado os desfiladeiros entre a série de lagos. Ao todo, a força compreendia mais de um milhão de homens, com 13.541 canhões e morteiros, 894 tanques e 1.115 aviões. Os alemães só de leve desconfiavam da sua existência, e só tarde demais reconheceram a sua finalidade, fato que se deveu à segurança do Exército Vermelho e à sua habilidade em despistamento.



Embora fosse imensa, a força não era grande demais para a tarefa a que estava destinada. Numericamente, era um pouco inferior às forças totais do Eixo na área, pois estas também contavam com um pouco mais de um milhão de homens, com cerca de 10.000 canhões e morteiros, 675 tanques e uns 1.200 aviões. Assim, o Exército Vermelho tinha apenas uma vantagem nítida em tanques e canhões. Tendo isto em mente, e de acordo com o principio militar de só atacar o inimigo em seu ponto mais fraco, Zhukov e seus colegas do Stavka planejaram concentrar tanques, canhões e aviões contra as forças romenas, em ambos os lados do 6o Exército e do 4o Panzer - do 3o Romeno, no Don, e do 4o Romeno, a oeste dos lagos situados ao sul de Stalingrado.



Sabia-se que os exércitos romenos eram mal equipados, estavam descontentes (a maioria não via o que tinha de fazer nas profundezas da Rússia) e, muitas vezes, em más relações com os alemães. Além disso, devido à escassez de tropas alemãs, que tornara necessário recorrer à contribuição romena, Hitler teve de aquiescer aos desejos do líder romeno, Marechal Antonescu, de empregá-las como formações completas, contrariando o ponto de vista de alguns de seus generais, que queriam “ampará-las” com tropas alemãs para lhes aumentar a resistência. Seu equipamento era lamentavelmente inadequado, sobretudo em armas antitanques e em tanques, e, para piorar as coisas, a situação do 8o Exército italiano, localizado imediatamente a oeste do 3o Romeno, não era muito melhor, de modo que havia pouca esperança de ajuda do flanco se o 3o Exército romeno encontrasse dificuldades.



Devido ao seu equipamento inadequado e ao ser reduzido entusiasmo pela causa, os romenos não tinham feito nada sobre as cabeças-de-ponte soviéticas da margem oeste do Don, em Serafimovich e Kletskaya, mas haviam-nas observado ansiosamente e não podiam deixar de notar que elas estavam sendo reforçadas, por mais estritas que fossem as precauções soviéticas. O comandante romeno, Coronel-General Dimitrescu, havia avisado, mais de uma vez, do perigo representado pelas cabeças-de-ponte soviéticas e, embora não chegasse a oferecer os serviços de suas tropas para eliminá-las, pedira que levassem unidades alemãs de tanque e de antitanque para o setor do 3o Exército.



Hitler não acreditava que as cabeças-de-ponte do Exército Vermelho sobre o Don oferecessem de fato perigo e, neste caso, seu impulso normal de eliminar os russos antes que os acontecimentos realmente justificassem tal rumo foi reforçado por uma avaliação do serviço militar de inteligência, que não dava ao Exército Vermelho “nenhuma reserva operacional de qualquer importância”. Observando-se acontecimentos passados, essa avaliação parece incrível, mas na época em que foi feita, os territórios soviéticos ocupados pelos alemães continham cerca de 40% da população total da União Soviética, as perdas do Exército Vermelho já superaram todos os efetivos com que as forças armadas haviam iniciado a guerra. Além disso, o emprego de reservistas mais velhos, marinheiros e homens convocados da Sibéria eram boas razões para se crer que o “rolo compressor russo” estava perdendo a força. Não obstante, a maneira como essa avaliação, por ter de se basear em informações inadequadas, “palpites” e aproximações, fora transformada em artigo de fé por Hitler e o OKH, não aumenta a credibilidade dos procedimentos do QG das forças armadas da Alemanha.



De qualquer modo, embora não estivesse muito disposto a levar a sério as preocupações dos romenos, Hitler concordou em lhes entregar forças de tanques e antitanques e deu ordem para que o 48o Corpo Panzer fosse para o setor do 3o Exército, a 10 de novembro. As primeiras neves do inverno já haviam caído quando o Corpo, temporariamente destacado do 4o Exército Panzer, partiu para Serafimovich, levando consigo algumas unidades da 14a Divisão Panzer.



O Corpo consistia da 22a Divisão Panzer e de uma divisão romena de tanques. Não eram muito boas as suas condições. Entre seus tanques havia muitos de fabricação tcheca, já obsoletos, e alguns dos melhores tanques alemães PzKpfw III e IV; seu regimento Panzergrenadier fora afastado cerca de nove meses antes e o seu batalhão de Engenheiros de Assalto, Paulus destacou para atuar em Stalingrado. Ele estava inativo desde setembro, estacionado atrás do 8o Exército italiano, e devido à escassez de combustível, os motores da maior parte dos tanques não funcionavam há dois meses, e foram mantidos, durante o período de inatividade, camuflados e protegidos contra a geada com palha e junco. Quando a divisão alemã recebeu ordem de partir, 65 dos seus 104 tanques não puderam funcionar. Depois de intenso trabalho de recuperação, 42 ficaram em condições de operar. A razão era simples. A palha atraíra camundongos; estes haviam entrado nos tanques, a procura de comida, e tinham gostado dos isolantes que revestiam os fios elétricos, de modo que, ligados os motores, houve curtos-circuitos nos sistemas elétricos e vários deles se incendiaram por causa das fagulhas. A outra formação - a 1a Divisão Panzer romena - não sofreu esse problema; porém, dos seus 108 tanques, somente dez não eram o obsoleto tcheco 38-TS. Esses tanques não tinham condições de sustentar duelo com os T-34 ou KV-1 soviéticos. Enquanto o 48o Corpo Panzer ia, aos trancos e barrancos, para seu novo setor, poucos dos seus suarentos soldados teriam considerado o episódio como um bom augúrio para a próxima batalha; tampouco seu ânimo teria sido estimulado se tivesse sabido que esse agrupamento maluco de veículos ficaria bem no caminho da ponta-de-lança blindada soviética. O 5o Exército de Tanques, do Tenente-General P. L. Ropmanenko, uma formação inteira com centenas de T-34, na época os melhores tanques médios do mundo.



O mês de novembro começou mal para a Alemanha. No dia 4, o exército de Rommel, na África, iniciou a longa retirada para Trípoli, e no dia 8 as forças anglo-americanas desembarcaram na África do Norte francesa. Hitler viu-se na contingência de ter de invadir a França desocupada, e assim prendeu formações que poderiam ter sido despachadas imediatamente para a Frente Oriental, para onde tantas das unidades alemãs na Europa Ocidental, mais tarde, iriam. Em meio às crises criadas, e com o Grupo de Exércitos B finalmente começando a perceber o perigo que pairava sobre ele, Hitler deixou o QG em Vinnitsa para ir a Munique, já que 9 de novembro de 1942 era o aniversário da fracassada tentativa de tomar o poder na Baviera, em 1923, e ele devia falar nas comemorações realizadas na Burgenbraukeller. O que eram desastre na África e o perigo na Frente Oriental, comparados com a oportunidade de reviver velhas lembranças e fazer um discurso ilusório sobre a maneira como a guerra estava correndo, sob a sua inspirada liderança, e em particular, sobre como “nenhum poder na terra nos fará sair de Stalingrado”?



Entrementes, nessa cidade, Chuykov enfrentava um novo problema - o gelo no Volga. Devido ao tamanho e à sua posição relativamente meridional, este rio às vezes demora semanas, ou mesmo meses, para congelar. Assim que a temperatura atinge 15o C abaixo de zero, grandes massas de gelo descem o rio, tornando-o inavegável, muito embora os blocos de gelo se solidifiquem e parem de se mover somente quando a temperatura desce ainda mais, tornando o rio utilizável para o tráfego de veículos e a pé. A grande massa de gelo estava agora em movimento e Chuykov temia que Paulus preparasse outra ofensiva para o período em que o 62o Exército estivesse privado das suas rotas de abastecimento. Desse modo, ele fez o que pôde para acumular estoques durante os poucos dias que restavam de navegabilidade do rio e estabeleceu uma escala de prioridades: primeiro, homens e munições; segundo, alimentos e, terceiro, roupas quentes.



Mas, de um modo ou de outro, Chuykov não conseguia fazer com que os serviços de abastecimento compreendessem que um soldado com frio e fome, mas com munição, é melhor do que um outro, agasalhado, bem alimentado, mas sem munição. O Subchefe dos Serviços de Abastecimento do Exército Vermelho, General Vinogradov, estava encarregado da margem leste e tinha idéias próprias, de modo que uma avalancha de tapa-orelhas e botas de feltro foi despejada sobre o 62o Exército, até que seus depósitos estavam para estourar de tanta roupa e alimentos. Chuykov teve de convencer Krushev a intervir a afastar Vinogradov, depois do que o 62o Exército passou a implorar, pedir emprestado ou roubar toda a munição que houvesse por perto. Ex-marinheiros e pescadores, em suas fileiras, fizeram seus próprios barcos e jangadas para que os meios ortodoxos de entrega de munição pudessem ser suplementados durante os poucos dias que restavam de navegação no rio. Também foram trazidos alimentos e Chuykov acumulou uma reserva de 12 toneladas de chocolate. Numa emergência, o Exército poderia sobreviver com isso por uma ou duas semanas.



Patrulhas confirmaram que Paulus estava novamente se reagrupando para um último esforço quando verificaram que a última formação ainda não comprometida do 6o Exército - a 44a Divisão de Infantaria - fora trazida para a cidade. Era evidente que a ofensiva alemã não demoraria - o temor de Chuykov de que Paulus a coordenasse com a interrupção da navegabilidade do rio não demoraria a provar que era plenamente justificado.



Às 06:00 h de 11 de novembro, Paulus lançou seu último esforço para capturar a cidade, com sete divisões (13a e 24a Panzer, 100a Ligeira, 44a, 79a 305a e 389a de Infantaria), com elementos da 116a e da 294a trazidos de avião de Rossosh e Millerovo. Elas se aproximaram numa frente de quase 5 km, entre a Rua Volkhovstroyevskaya e a Ravina Bunny, e era espantosamente forte, considerando-se que a maioria delas já sofrera muito na luta das semanas anteriores. As tropas de Chuykov enfrentaram-nas frontalmente e o isolado grupo norte, comandado pelo Coronel Gorokhov, tentou aliviar a pressão, contra-atacando da ponte ferroviária sobre a foz do Mechtka, na direção da Fábrica de Tratores.



Depois de cinco horas de feroz combate cerrado, que se tornara o normal da batalha, Paulus lançou sua reserva tática, sobrepujando o flanco direito da 95a Divisão de Gorishny e alcançando o Volga na área da fábrica “Outubro Vermelho”, numa frente de uns 600 m. A 138a Divisão de Lyudnikov estava agora isolada do resto do 62o Exército que, assim, fora dividido em três partes - o grupo norte de Gorokhov em Spartanovka; a divisão de Lyudnikov no Volga, ao norte da fábrica “Outubro Vermelho”, e o corpo principal, desde o sul da mais recente brecha alemã até a colina Mamayev Kurgan.



Desta vez, porém, não havia a tensão, no 62o Exército, existente nos dias críticos anteriores: os defensores sabiam que esta era a última tentativa de Paulus, e, embora a luta fosse dura, o apoio da Luftwaffe carecia da força que tivera em outubro, pois os homens de Richtofen haviam diminuído para um terço as 3.000 surtidas que costumavam fazer, por dia, nas operações anteriores. As baixas soviéticas foram muito pesadas na luta de 11-12 de novembro (o 118o Regimento de Guardas tinha 250 homens quando a luta começou no dia 11, e perdeu 144 deles nas primeiras cinco horas e meia), mas desta vez todos podia, ver que o fim estava perto.



De fato, ao anoitecer do dia 12 o ataque alemão esgotou-se, muito embora ainda houvesse muita ação e a divisão de Lyudnikov estivesse numa posição muito precária. Chuykov pôs-se a chamá-lo pelo rádio para dizer-lhe que a ajuda estava a caminho. Isto era puro blefe e destinava-se aos ouvidos alemães, pois Chuykov não tinha ajuda alguma para mandar imediatamente. O que poderia aliviar a divisão de Lyudnikov seria recuar lentamente para suas posições, prédio por prédio. Agora o 62o Exército iniciava seu contra-ataque por toda a parte da cidade, quarteirão por quarteirão, casa por casa, quarto por quarto. Quase que imperceptivelmente, a maré começou a virar.



Na noite do dia 18, Chuykov e seu oficiais graduados realizavam uma reunião muito melancólica em seu abrigo. Eles estavam preocupados com o potencial humano, pois Yeremenko não cumprira a promessa de enviar reforços. O telefone tocou. Era o QG da Frente: “Uma ordem será enviada dentro em pouco. Aguardem seu recebimento”. Eles olharam uns para os outros. O que poderia ser? De repente, Gurov, o “membro do Conselho Militar”, bateu na testa e disse: “Sei o que é! É a ordem para a grande contra-ofensiva!”



Era. As Frentes Sudoeste e do Don atacariam na manhã seguinte, da área de Kletskaya, dirigindo-se para a grande ponte sobre o Don, em Kalach. A Frente Stalingrado tomaria a ofensiva no dia 20, partindo da área de Raygorod, também na direção de Kalach, enquanto o 62o Exército manteria os alemães na cidade ocupados com contra-ataques, de modo que não pudessem transferir forças para outros setores. Zhukov preparara muito bem a sua armadilha e estava prestes a fazê-la saltar.



A armadilha de Zhukov



Para os alemães do 6o Exército e do 4o Exército Panzer, 19 de novembro começou como qualquer outro dia. À sua frente, a banquisa ainda descia lentamente o Volga, e atrás deles erguiam-se as chaminés dos subúrbios de Stalingrado. A troca normal de tiros começou aos primeiros clarões da manhã. A bruma espessa impedia a atividade da força aérea, quer alemã, quer soviética. O dia anterior registrara ataque da aviação alemã, ao qual esteve ausente o entusiasmo observando uma semana antes, pois o cântaro fora vezes demais à fonte, e somente a disciplina imposta a mantinha em ação. Tinha-se a impressão de que ela passaria o inverno reduzindo gradualmente os rudes Ivãs dos grupos de assalto de Chuykov: era um grande contraste com a guerra de movimento travada no verão.



Os alemães, no entanto, não sabiam que a guerra de movimento recomeçara a 112 km de distância, a noroeste deles. Às 07:30 h, os canhões e morteiros de Voronov - 3.500 deles - desfecharam uma barragem de fogo de oitenta minutos contra o 3o Exército romeno. A barragem cessou: varando a bruma, a infantaria soviética abateu-se sobre os espantados romenos, leva após leva, carregando também com os ameaçadores tanques T-34, mais de 200 deles, sobre a ala esquerda romena, enquanto o 4o Corpo de Tanques do 21o Exército de Chistiakov martelava seu flanco direito. Os romenos resistiram durante algum tempo, mas em breve os T-34 penetraram, e formações heterogêneas de tanques e cavalaria abateram-se sobre as áreas de retaguarda do 3o Exército, destruindo QGs, destroçando as unidades de reserva sempre que estas tentavam avançar, dispersando a infantaria de linha de frente quando esta procurava recuar.



Os romenos cederam, fugindo, em pânico, para a retaguarda. Atrás deles, a imperturbável infantaria soviética avançava, prendendo volumosos grupos de romenos em debandada, enquanto as forças móveis se reuniam para as missões seguintes - o 1o Corpo de Tanques para dirigir-se ao sul, para o Don; o 26o Corpo de Tanques para Kalach e sua ponte, e o 4o Corpo de Tanques para Golubinsky. Na verdade, todos se dirigiam para a retaguarda do 6o Exército, sem nenhum obstáculo no caminho, exceto o fraco 48o Corpo Panzer com seus tanques danificados pelos ratos. Primeiro ele recebeu ordens de se dirigir para nordeste, contra o 4o Corpo de Tanques, mas, assim que se pôs a caminho, deram-lhe ordens para desviar e rumar para noroeste, contra uma força muito maior e mais perigosa, os dois corpos (1o e 26o) do 5o Exército de Tanques.



O 48o Corpo fez o que pôde, mas os roedores haviam trabalhado ativamente. As infelizes tripulações tiveram também de enfrentar outra dificuldade: não tinham camisas de neve para as lagartas dos tanques, de modo que os que podiam mover-se derrapavam desesperadamente pelas estepes congeladas. Eles conseguiram atravessar o caminho dos tanques de Romanenko e causar algum dano, mas eram vinte contra mais de dez vezes esse número, e o 5o Exército de Tanques estava com pressa. Ele se desviava para a esquerda e direita, evitando a obstrução; aceitou a perda de 20% dos seus tanques como azares da guerra e se afastou para sudeste, mal fazendo uma pausa em seu avanço. Pelo amanhecer do dia 29, o 26o Corpo de Tanques estava na aldeia de Perelazovsky e o QG do 5o Exército de Tanques recebera o prazo de cinco dias para chegar a Kalach e já cobrira mais de um terço do caminho.



O amanhecer do dia 29 viu o começo do ataque de Yeremenko, do sul, na direção de Kalach, com o 51o Exército, e do sudeste para a retaguarda do 6o Exército em Stalingrado, com o 57o Exército. Também nesse ponto os setores defendidos pelos romenos haviam sido escolhidos como alvos do avanço soviético. Yeremenko tinha a força menor, dois exércitos, contra os cinco no norte, e não recebera o comando da força do norte, pelo qual tanto esperara naquelas distantes semanas em Moscou, mas, ainda assim, dirigia um importante ataque. Faz parte do registro que fez, na ocasião, o seguinte trecho: “Não há nada mais agradável para os que só tinham experimentado o amargor da retirada e o sangrento esforço de muitos meses de defesa”.



O ataque de Yeremenko era feito com duas pontas. À sua direita, parte dos 64o e 57o Exércitos, com seis divisões de infantaria, atacariam na direção da retaguarda do 6o Exército, e quando tivessem aberto uma brecha, o 13o Corpo Mecanizado avançaria para o rio Chervlenaya, para encurralar a força de Stalingrado. Enquanto isso à sua esquerda, o 51o Exército abriria uma brecha através da qual o 4o Corpo Mecanizado e o 4o Corpo de Cavalaria seriam lançados para Sovetsky e, dali, Kalach, tentando formar um anel em torno do grosso do Grupo de Exércitos B. Às forças que enfrentavam o assalto de Yeremenko eram formadas pelo 6o Corpo de Exército do 4o Exército romeno, com quatro divisões de infantaria e cavalaria, algo reforçadas pela 29a Divisão Motorizada alemã.



Também era denso, e o ataque, programado para as 08:00 h, teve de ser adiado, primeiro para as 09:00 h, depois para as 10:00 h. Finalmente, o nevoeiro começou a dissipar-se, e às 10:00 h as salvas de foguetes Katyusha assinalaram o início do bombardeio de artilharia. Por volta das 15:00 h, as defesas do Eixo haviam sido penetradas em todos os setores e as forças móveis avançavam.



Naturalmente a chave para o sucesso da operação era o avanço dos tanques e da cavalaria sobre Kalach. Mas, sozinhos, estes só poderiam estabelecer um cerco simbólico, que teria de ser seguido de outro, este, sim, real, pelas forças consideráveis de infantaria, de modo que o plano soviético de atacar o setor norte, onde Zhukov, assumira pessoalmente o comando, incluía vários ataques secundários, alguns destinados a fragmentar as forças do Eixo na área, e outros para criar uma “frente externa de cerco”, o que representava o estabelecimento de forças em posições de onde poderiam resistir a qualquer tentativa de salvar a força de Paulus assim que esta estivesse cercada. Desse modo, enquanto o Corpo de Tanques de Romanenko se dirigia para sudeste, para Kalach, sua infantaria rumava para sudoeste e sul, a fim de se estabelecer ao longo da margem leste do rio Chir, e o 65o e o 24o Exércitos estavam retendo as divisões alemãs na pequena curva do Don, enquanto seu outro exército (o 66o) mantinha o flanco norte do 6o Exército ocupado no corredor entre o Don e o Volga.



Ao Grupo de Exércitos B chegara a ocorrer a idéia, embora vaga e indefinida, do golpe que estava sendo preparado ao longo do flanco norte da sua frente, mas o ataque de Yeremenko ao sul de Stalingrado o surpreendeu completamente, e a única formação alemã de bom tamanho, existente na área sul, era a 29a Divisão Motorizada, comandada pelo Major-General Leyser, Com o 48o Corpo Panzer no norte, ela vinha sendo atribulada por ordens conflitantes e prejudicada pelos romenos em fuga, mas pelo menos os ratos não haviam atacado seus tanques. Na manhã de 20 de novembro, o comandante do 4o Exército Panzer, Coronel-General Hoth, despachou a divisão para tapar a brecha aberta pela força mista dos 57o e 64o Exércitos soviéticos e durante a manhã infligiu sério revés local ao 13o Corpo Mecanizado, detendo temporariamente o avanço russo.



Enquanto a ação prosseguia, Hoth recebeu a notícia de que a frente romena fora rompida pelo 51o Exército soviético, mais ao sul, e preparou-se para mandar a divisão até lá, para as providências que se impunham. Entrementes, o comandante da força móvel soviética, o 4o Corpo Mecanizado, foi informado do sério revés sofrido pelos seus colegas mais ao norte e, ao alcançar a área de Zety, parou, à espera de uma batalha defensiva. Como era a ponta sul do movimento de pinças sobre Kalach, houve algum perigo de que toda a operação parasse, mas na verdade a 29a Motorizada recebeu ordem para retornar à área de Stalingrado, com o objetivo de defender o flanco sul da posição, porque, a despeito do revés temporário imposto ao 13o Corpo Mecanizado, fora relativamente fácil pôr a ofensiva de novo em andamento.



O último problema de Yeremenko consistia em fazer que o 4o Corpo Mecanizado se pusesse novamente em ação, e ele o resolveu despachando um avião para o Comandante do Corpo, General Volsky, com uma “ordem categórica” para que desse prosseguimento a sua tarefa. Volsky obedeceu, e não mais criou dificuldades, reiniciando seu avanço no dia 22, para alcançar Kalach vinte e quatro horas depois. Na verdade, o desempenho do seu Corpo deu-lhe o direito de ser promovido a “Guardas”.



A lenta reação dos alemães aos cataclismas nos flancos do 6o Exército exige explicação, já que o exército alemão, afinal de contas, se orgulhava, com razão, da excelência do trabalho de seu Estado-Maior e da rapidez com que podia reagir a situações. Durante todo o outono, o 6o Exército tentara o destino concentrando parte muito grande do seu peso à frente e subestimando a habilidade soviética em explorar o fato. Naquele mês a Alemanha havia sido atingida por várias crises, em diferentes teatros da guerra, e seria de pensar que seus líderes estivessem em seus postos, trabalhando dia e noite para encontrar resposta para os problemas que os assaltavam.



Mas nada disso acontecia! Depois das celebrações de Munique, Hitler dirigira-se ao seu retiro em Berchtesgaden, nos Alpes Bávaros. O QG da Área 1, a seção mais importante do OKW, alojara-se provisoriamente próximo da cidade, e o Estado-Maior de operações do OKW estava em seu trem especial, na estação de Salzburgo, alguns quilômetros além da fronteira austríaca, enquanto que o OKH estava a centenas de quilômetros de distância, nas florestas da Prússia Oriental, perto de Angetburg. O Alto-Comando da Luftwaffe (OKL) também se encontrava lá, embora, como de hábito, ninguém soubesse por onde andava o Marechal do Reich e Comandante-Chefe da Lufstwaffe, Hermann Göering (ele estava em Paris). Para complicar ainda mais as coisas, o QG do 6o Exército também estava de mudança. Até o começo da contra-ofensiva soviética, ele tinha sede em Golubinsky, a oeste do Don, mas um QG permanente fora construído em Nizhne-Chirskaya, na confluência do rio Chir com o Don.



Destinava-se ele a servir como QG do 6o Exército durante o próximo inverno e tinha excelentes comunicações com o QG do Grupo de Exércitos B, com o OKH e com o OKW. Portanto, quando, em Golubinsky, o QG foi ameaçado pelo avanço dos tanques de Romanenko, e mais ainda pelo movimento de avanço do 4o Corpo de Tanques que operava à frente do 21o Exército de Chirstiakov, deus-e a sua rápida evacuação, no dia 21 de novembro, e a corrida desenfreada durante a noite terminou com a chegada em Nizhne-Crirskaya, na manhã de 22 de novembro. Paulus afirmou que se mudara para lá com a intenção de utilizar suas excelentes instalações de comunicações e familiarizar-se com a situação antes de levar seu QG de volta ao bolsão que se formava. Mas Hitler, por seu turno, julgou que ele estivesse abandonando suas tropas e deu-lhe ordem para que instalasse o QG no aeródromo de Gumrak, nos arredores de Stalingrado.



Seja qual for a verdade, o fato é que o 6o Exército ficou sem liderança durante os dias críticos de 21 a 23 de novembro, enquanto as forças soviéticas avançavam velozmente pela brecha de 200 km aberta entre as linhas de partida de Romanenko e Yeremenko. Num momento em que velocidade e coordenação eram essenciais para que se pudesse salvar alguma coisa dos escombros, Paulus e seu Estado-Maior estavam rodando para lá e para cá, pelas estradas de gelo da estepe do Don - é algo estranho que Paulus tivesse levado tantos elementos do seu Estado-Maior para Nizhne-Cherskaya, se tudo que ele queria era dar alguns telefonemas, mas todo comandante tem seus próprios métodos.



Não que Paulus houvesse permanecido completamente inerte. Na própria cidade de Stalingrado, ele terminara todos os ataques e retirara elementos das 14a, 16a e 24a Divisões Panzer para serem despachados para o Don, contra o avanço das colunas das Frentes Sudoeste e do Don, e na tarde do dia 22, ele e seu Chefe do estado-Maior, Major-General Schmidt, partiram de avião para o novo QG em Gumrak.



Era quase impossível acompanhar os eventos, que se desenrolavam vertiginosamente. A frente romena desmoronara, e as forças de ataque soviéticas deslocavam-se com rapidez pelo território aberto, e coberto de neve, de ambos os lados do Don. Para que estabelecesse um cerco realmente sólido, uma ou outra das forças tinha de atravessar o rio, que naturalmente estava congelado mas que não suportaria o peso de tanques, e grandes canhões. Só havia uma ponte - a de Kalach - e o problema consistia em saber se ela poderia ser conquistada antes que os alemães pudessem destruí-la. Um ataque ortodoxo não daria certo, já que as cargas de demolição haviam sido colocadas. Surgiu então uma esperança: um rápido e forte golpe desferido antes que os guardas da ponte soubessem o que estava acontecendo.



O 26o Corpo de Tanques, do Major-General Rodin, tomou a aldeia de Ostroy na noite de 21 para 22 de novembro. Kalach ficava a cerca de três horas de distância para uma coluna móvel, se esta pudesse passar sem despertar suspeitas. Ele decidiu que valia a pena tentar. Reuniu uma coluna de cinco tanques, duas companhias de infantaria em caminhões e um carro blindado. O Comandante da 14a Brigada de Fuzileiros, Tenente-Coronel G. N. Filippov, encarregou-se da direção da coluna, que formou na estrada Ostrov-Kalach, pronta para partir. Às 03:00 h, Filippov embarcou no veículo da frente e ordenou o “Acendam os faróis”.Eles iam fingir que eram alemães, pois certamente os guardas da ponte não esperariam que uma coluna soviética se aproximasse da ponte sem tentar ocultar-se, e com seus faróis acesos.



As três horas que se seguiram foram de expectativa quase insuportável, enquanto o resto da força de Rodin se aprontava para prosseguir, ouvidos bem abertos às notícias. Pouco antes das 06:00 h, os homens de Filippov se aproximaram da ponte e parte do destacamento se reuniu para o assalto à cabeceira da ponte mais próxima, quando se desse o sinal, enquanto o resto se enfiaria pela ponte adentro e desapareceria na escuridão. Alguns minutos depois um foguete subiu nos ares na margem oposta. Eles tinham conseguido; a ponte estava em mãos soviéticas, e intacta. Não satisfeito com isso, o destacamento então tentou capturar toda a cidade, mas isto era ambição demais para as duas companhias e cinco tanques. Os alemães, agora totalmente despertados, obrigaram-no a recuar, cercaram-no e se esforçaram por recapturar a ponte. A pequena força de Filippov sofreu intensa pressão durante muitas horas, mas finalmente a força principal chegou para salvá-la e se preparou para a tomada da cidade.



Enquanto o Corpo de Tanques estava em tumulto, a infantaria apertava seu domínio sobre os bolsões dos romenos que haviam sido abordados no norte. Os 4o e 5o Corpos romenos, cercados na aldeia de Raspopinskaya, proporcionaram a primeira grande leva de prisioneiros, quando, pelo entardecer do dia 23, o oficial-comandante, Brigadeiro Stanescu, despachou um emissário, com uma bandeira branca, para discutir os termos de rendição. Ao receber condições satisfatórias, sua força de cinco divisões capitulou, e 27 mil oficiais e soldados marcharam para o cativeiro.



Na tarde do dia 23 também se deu um desenvolvimento muito importante, mais do que a simples reunião do grupo de Raspopinskaya, por mais significativa que fosse, quando, às 16:00 h, os elementos avançados do corpo de Volsky, que haviam capturado os prédios de uma fazenda em Sovetsky, viram tanques que se aproximavam do norte. Por momentos, foi difícil distinguir de que lado eram, mas à medida que se aproximavam, suas silhuetas atarracadas se tornavam inequívocas. Eram os T-34 do 4o Corpo de Tanques, do General Kravchenko, a ponta-se-lança do avanço da Frente Sudoeste vinda de Kalach.



Fecharam-se a porta atrás dos 6o e 4o Exércitos Panzer e só restava passar-lhe a tranca, coisa que quase foi completada naquele dia, pois ao anoitecer as unidades avançadas da infantaria do 21o Exército alcançaram o Don, perto de Kalach - a cidade caíra após um ataque conjunto de duas das brigadas de tanques de Romanenko, pouco antes das 14:00 h. Nem mesmo o Stavka sabia do vulto do sucesso obtido, pois acreditava que tinha cerca de 85.000 soldados do Eixo cercados, enquanto que, na verdade, havia 20 divisões alemãs e 2 romenas dentro do anel, além de numerosas unidades individuais e de especialistas, num total de 330 mil homens aproximadamente.



Esta era a verdadeira medida da realização do 62o Exército: teimando em permanecer em Stalingrado, ele havia atraído quantidade cada vez maior de soldados alemães para a área e preparara o terreno para um golpe de dimensões épicas. Ele havia resistido à tremenda pressão, mas os papéis se inverteriam, pois os sitiantes se haviam transformado em sitiados, e os alemães, romenos e croatas, dentro do cerco, viriam a sofrer tudo o que o 62o Exército sofrera - porém por mais tempo e com os fardos adicionais do frio, da fome e da desesperança, porque, ao contrário do 62o Exército, não estavam defendendo um pedaço de chão da pátria, às margens de um rio que, para um russo, é uma “história líquida”, tanto como a Tâmisa o é para um inglês.



Eles eram soldados de um exército de conquista, um exército cujo desempenho se assentava na convicção da superioridade profissional, assim como a ideologia dos seus senhores políticos engordava na despudorada história da dominância do ariano. A disciplina e o medo do cativeiro nas mãos de quem Hitler considerava subgerente os manteriam sem seus postos, mas chegaria o momento quando a possibilidade de morrer num campo de prisioneiros russo pareceria infinitamente preferível à morte certa pelo frio, pela fome ou pelo ferimento produzido por bala russa.



“O 6o Exército ainda estará firme na Páscoa”



A princípio, as reações alemãs ao cerco foram muito confusas. Alguns comandantes subordinados achavam que Stalingrado devia ser evacuada imediatamente, enquanto ainda possível abrir caminho para oeste. Outros relutavam em ceder as posições conquistadas em Stalingrado, não só por causa do esforço despendido, como também porque os porões e ruínas pelo menos ofereciam abrigo contra o rigoroso inverno russo. De qualquer modo, independente da decisão final a ser tomada, todos concordavam quanto à necessidade de se defender a retaguarda do exército, requisito prévio essencial para qualquer ação futura, pois era evidente que não haveria nem penetração nem defesa se o Exército Vermelho sobrepujasse as posições alemãs da retaguarda.



Portanto, por enquanto, tendo em mente a possibilidade do cerco, a 21 de novembro Weichs ordenou ao 6o Exército que defendesse Stalingrado e a frente ao longo do Volga “em quaisquer circunstâncias” e se preparasse para abrir caminho. Mas, antes que pudessem pensar em penetração, vários problemas teriam de ser resolvidos, e o mais importante deles era o combustível, que, já bastante escasso, trazia todas as formações alemãs mal abastecidas. Por isso, a prioridade era para aquelas que tinham tarefas móveis a desempenhar. Desde setembro, o 6o Exército e suas formações acompanhantes do 4o Exército Panzer não tinham tido grande necessidade de combustível e, portanto, seu quinhão era pequeno.



Havia escassez também de munição, e Paulus calculava que só tinha alimentos para seis dias. Ele radiografou ao grupo de Exércitos B na noite de 22, afirmando que pretendia defender Stalingrado, mas que não poderia fazê-lo se não conseguisse isolar sua frente ao sul e se não fosse muito bem abastecido pelo ar, pedindo também liberdade de ação para abandonar sua frente norte em Stalingrado para escapar, se necessário. A resposta ao seu pedido chegou quase que imediatamente, dada pelo próprio Hitler. O 6o Exército devia manter-se firme a “deve saber que estou fazendo tudo o que é necessário para ajudá-lo. Mandarei ordens no devido tempo”.



Paulus fez nova tentativa na manhã do dia 23 e Weichs apoiou seu pedido, cientificando ao OKH da impossibilidade de abastecimento aéreo adequado. Mesmo antes de receber a resposta, Paulus convocou uma conferência dos seus Comandantes de Corpo e, pouco antes da meia-noite, enviou uma mensagem diretamente a Hitler, expondo-lhe as condições reinantes na frente, em franco processo de deterioração.Penetrações soviéticas no sul e sudoeste eram iminentes; muitas das baterias de artilharia de campanha e antitanques não tinham munição, estando o exército ameaçado de “aniquilamento no futuro próximo”, a menos que se autorizasse o abandono das frentes Oriental e Norte, concentrando-se todas as forças para uma escapada ao sul e sudoeste (ao longo da margem leste do Don, na direção de Rostov). Mesmo assim, grande quantidade de material teria de ser abandonada, mas boa parte dele e a maioria dos homens poderiam salvar-se. E tornou a pedir liberdade de ação.



A resposta de Hitler chegou na manhã seguinte, na forma de uma Führerbefehl (uma Ordem do Führer, a mais obrigatória das formas de comando). Não só não haveria nenhuma retirada, como também todas as unidades do 6o Exército que ainda estavam a oeste do Don teriam de se deslocar para leste: para dentro do bolsão. A ordem terminava assim: “as atuais Frentes do Volga e do Norte devem ser defendidas a qualquer preço. O abastecimento será feito pelo ar”.



A questão do abastecimento aéreo era crítica para a decisão de Hitler e requer um exame mais detalhado. Já dissemos que os comandantes soviéticos achavam que devia haver cerca de 85.000 soldados do eixo no bolsão, enquanto que na verdade havia cerca de 330.000. Este número só foi verificado depois da batalha, e, quando aventada a questão do abastecimento aéreo, os próprios alemães estavam incertos quanto ao número de homens que teriam de ser abastecidos. O Estado-Maior de Operações achava que havia cerca de 400.000; o Chefe do Serviço de Intendência do Exército, Wagner, calculou-o em 300.000: cerca de 200.000 sob comando, e 100.000 “soltos”.



Assim, a discussão sobre os aviões necessários teve lugar numa atmosfera de grande incerteza e os números sobre os quais houve concordância eram apenas aproximados. Por fim decidiu-se, com base nos números do General Wagner, que seriam necessárias cerca de 600 toneladas diárias e que, para entregar essa quantidade, teriam de ser lançados em operação uns 300 dos “cavalos de batalha” da Luftwaffe, o velho Junkers 52, trimotor. Desde o começo evidenciou-se a impossibilidade de obterem esses aviões; mas, se não era possível conseguir os 300 aparelhos, o número necessário, quanto mais os necessários para compensar os aparelhos em reparo, danificados na decolagem ou aterrissagem em aeródromos improvisados, ou derrubados pelos caças ou artilharia antiaérea soviéticos, que elevaria o número necessário para 500, no mínimo.



Nas circunstâncias, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, Coronel-General Jeschonnek, fez tantas restrições à possibilidade do abastecimento aéreo, que ficou claro que ele duvidava da sua viabilidade. Mas Göering ignorou a cautela dos seus conselheiros e, com ostentoso desprezo pelos fatos, prometeu que a Luftwaffe manteria o 6o Exército abastecido pelo ar. Era isto o que Hitler queria ouvir, e deu ordens para que Stalingrado fosse defendida, na esperança de que, de um modo ou de outro, Göering conseguiria um milagre da Luftwaffe. Ao mesmo tempo, Hitler tinha esperanças de que a recuperação soviética deixasse de existir pelo exercício de habilidade militar superior, e o homem que ele escolheu, a 20 de novembro, para recuperar a situação era o conquistador da Criméia, Feldmarechal Erich von Manstein, que já evidenciara seu notável talento nas campanhas francesas e russa e que no momento estava servindo no setor norte da Frente.



O OKH instruiu-o para que formasse um novo Grupo de Exércitos na curva do Don, entre os Grupos de Exércitos A e B, assumindo o comando do 6o Exército, do 4o Panzer e do 3o Exército romeno, com a tarefa de “deter os ataques inimigos e capturar as posições previamente ocupadas por nós”. Considerando-se que dois desses três exércitos já estavam quase cercados e que o terceiro vinha sendo massacrado pelas forças blindadas soviéticas, as exigências feitas não eram nada modestas, mesmo para um general da qualidade de Manstein.



Este e seu Estado-Maior tiveram de viajar de trem, devido às condições atmosféricas, mas as incertezas da viagem ferroviária, que era um alvo preferido do crescente número de guerrilheiros soviéticos, fizeram que ele só chegasse ao QG do Grupo de Exércitos B, em Starobelsk, no dia 24, onde encontrou Weichs e seu Chefe do Estado-Maior, von Sodenstern, em estado de completo desânimo, ficando mesmo incapaz de afirmar se o 6o Exército recebera as instruções que ele despachara antes de viajar, para que controlassem a ponte de Kalach a qualquer preço. De qualquer modo, isso não tinha muita importância, e quando Manstein chegou à cidade sagrada dos cossacos, Novocherkassk, onde ficaria seu QG, já não tinha quaisquer forças à sua disposição.



Cinco das sete divisões do 3o Exército romeno haviam sido tomadas na rendição em Raspopinskaya, e embora os exércitos sitiados em Stalingrado ainda existissem, sua liberdade de ação estava tão restringida pela Führerbefehl de dois dias antes, que Manstein não podia fazer muita coisa por eles. Pior ainda, Zhukov não estivera ocioso enquanto o trem de Manstein percorria a Rússia. Ele vinha despejando infantaria no outro lado do Don, para estabelecer frentes firmes voltadas para oeste e leste, contra uma surtida para salvar o 6o Exército ou contra uma tentativa de fuga deste. Sua infantaria estava intensamente apoiada por artilharia e por foguetes Katyusha, incluindo mais de mil canhões antitanques.



Nenhuma improvisação, brilhante que fosse, seria útil aqui; o que Manstein precisava era de forças. Para complicar sua tarefa, ele julgava que os russos pretendessem atacar na direção da costa sul, em Rostov, isolando também o grupo de Exércitos A, enquanto que, na verdade, isto seria atribuído a Vatutin e Yeremenko, em uma fase posterior da operação. Todo o planejamento soviético enfatizava a destruição da força de Stalingrado.



Enquanto a frente do Grupo de Exércitos do Don era defendida por uma mistura de unidades formadas por pessoal do setor de abastecimento, equipe de terra da Luftwaffe e homens que voltavam de licença, Manstein bombardeava o OKH com pedidos de forças que começavam a chegar nos primeiros dias de dezembro: a 11a Divisão Panzer, vinda da Europa ocidental, as 62a, 294a e 336a de Infantaria, duas Divisões da Luftwaffe e uma de tropas de montanha. O que restava do 48o Corpo Panzer também foi levado para a linha de frente, e quando se tornou perceptível que Zhukov por enquanto não pensava em realizar de imediato qualquer ataque importante ao outro lado do Chir, pretendendo, em vez disso, que sua força ali destacada defendesse o anel, enquanto os sete exércitos de campanha que ele concentrara em torno de Stalingrado prosseguissem na tarefa de aniquilar o 6o Exército, todos puderam respirar mais livremente.



As forças sobre o Chir, agora agrupadas no “Destacamento de Exército Hollidt” (Seu Comandante), conseguiu inclusive defender sua cabeça-de-ponte em Nizhne-Chirskaya, a apenas 40 km do perímetro ocidental do 6o Exército. As tentativas soviéticas de elimina-la e criar algumas travessias suas foram frustradas pela 11a Panzer na segunda semana de dezembro, numa série de ações dirigidas com brilhantismo e que eliminaram temporariamente a ameaça de outras penetrações soviéticas para o outro lado do Chir, embora à custa de metade dos tanques da divisão. Isso permitiu ao grupo de Exércitos do Don concentrar-se na operação de ajuda, enquanto as divisões continuavam a chegar do Cáucaso, dos setores norte da frente, da Polônia e do Ocidente.



Embora a cabeça-de-ponte em Nizhne-Chirskaya estivesse relativamente perto da força de Stalingrado (40 km), Manstein decidiu não montar a principal tentativa de ajuda a partir daquele ponto, já que a escolha seria por demais óbvia e os russos poderiam facilmente reforçar seu cordão de defesa naquele setor. Além disso, a tentativa feita daquele local implicaria a travessia para o lado oposto do Don; assim, ele preferiu aproximar-se do sudoeste, embora a distância fosse de 120 km. Ali, porque as tropas de Yeremenko levaria mais tempo, enquanto só se teria de transpor os pequenos rios Aksay e Myshkova, em lugar do Don, o que constituía uma outra vantagem.



De acordo com o plano, de codinome Wintergewitter (Tempestade de Inverno), a força de auxílio, dirigida pelo Coronel-General Hoth e pelo Estado-Maior do 4o Exército Panzer (agora empregado porque a maior parte do exército em si estava dentro do bolsão), poderia rumar direto para Stalingrado ou, se a resistência soviética fosse forte demais, avançar para o norte, ao longo da margem leste do Don, até a cabeça-de-ponte de Nizhne-Chirskaya, onde o 48o Corpo Panzer se uniria a ela, para um avanço pelo caminho mais curto até a cidade. Independente da variação sobre o plano adotado, o 6o Exército teria de escapar e avançar para se encontrar com a força de auxílio ao receber a senha Donnerschlag (Trovão).



O Donnerschlag apresentava uma dificuldade, porquanto era muito improvável que o 6o Exército pudesse defender as posições existentes (o que, por ordem de Hitler, estava obrigado a tentar), bem como escapar para ir ao encontro do grupo de Hoth, mas a ordem operacional de Manstein ignorava isso, a fim de não atrair a atenção de Hitler. Na verdade, ele se estava preparando para colocar o Führer diante de um fato consumado, ajudando o 6o Exército e depois retirando-o da difícil posição em que se encontrava.



Foi preciso algum tempo para reunir as forças para o Wintergewitter. O 57o Corpo Panzer foi retirado do Grupo de Exércitos A, que relutou muito em cedê-lo; além disso, o 57o teve muitas dificuldades nas estradas lamacentas, enquanto recuava para embarcar no trem em Maykop, pois o degelo começara cedo no Cáucaso. Ao chegar, verificou-se que não havia vagões-plataforma suficientes para seus tanques, alguns dos quais tiveram de ficar para trás, juntamente com toda a artilharia pesada. O OKW mostrou grande relutância em liberar a 17a Divisão Panzer da reserva, e esta eventualmente chegou com um atraso de dez dias. Não obstante, uma força de 13 divisões, incluindo as 6a, 17a e 23a Panzer, finalmente se reuniram, e Manstein, decidindo que não podia mais adiar a tentativa, desfechou-a a 12 de dezembro. Atrás dela esperava uma grande quantidade de caminhões, tratores e ônibus, prontos para levar três mil toneladas de suprimentos pelo corredor até o 6o Exército, assim que os tanques de Hoth abrissem a estrada.



A princípio a oposição soviética foi leve. O 51o Exército consistia de oito divisões, apoiadas pelo 4o Corpo Mecanizado, sendo claro que não era suficientemente forte para deter o avanço alemão, embora pudesse tentar atrasá-lo. O atraso, em si, era importante, porque o verdadeiro esforço para deter Hoth seria feito no rio Myshkova, entre Verkhne-Kumsky e Kapkinsky, e a força escolhida para a tarefa teria de ser transportada para a área.



A razão para isto era que a segunda fase da ofensiva soviética (“Operação Saturno”) fora desfechada bem distante, ao norte, onde uma força de ataque proporcionada pela Frente Sudoeste, de Vatutin, e pela Frente Voronezh, do General Golikov, que lhe era adjacente (Golokov fora recentemente promovido depois de ter trabalhado como assistente de Yeremenko em Stalingrado), foi lançada contra o 8o Exército italiano no médio Don, depois do que ela se abateria sobre as forças alemãs ao longo do Chir e se dirigiria, esmagadas estas, para Millerovo e Rostov, atrás do Grupo de Exércitos A e Don.



O Stavka pensava fazer exatamente o que Manstein temia, mas não através do avanço de Yeremenko pelo Don abaixo (embora também isto estivesse sido planejado). O 2o Exército de Guardas, comandado pelo tenente-General R. Y. Malinovsky, fora formado para participar dessa ofensiva e estava destinado a partir de Kalach, na direção de Rostov e Taganrog, mas quando se tornou claro que a ofensiva de Hoth era um empreendimento sério, com alguma possibilidade de sucesso, decidiu-se transferir o 2o Exército de Guardas para o rio Myshkova.



Este exército, que não se encontrava esgotado por batalhas anteriores, compreendia seis divisões de fuzileiros, com todos os seus efetivos; um corpo mecanizado e unidades de especialistas. Só havia um regimento de tanques em cada um dos dois corpos de infantaria (de três divisões cada) e, como uma formação de Guardas, ele estava mais bem suprido de artilharia, metralhadoras, armas automáticas do que o comum dos exércitos soviéticos. Muitos dos seus homens haviam sido transferidos da marinha e proporcionavam uma base sólida para as divisões. Embora constituísse esse grupamento formidável força de batalha, o problema residia em saber se ele poderia chegar a Myshkova antes de Hoth. Não era um exército motorizado, portanto sua infantaria teria de cobrir a pé todo o caminho, na alternação caprichosa da geada noturna e o degelo do dia claro, no começo do inverno russo, pela distância de até 200 km.



A ofensiva pelas Frentes Sudoeste e de Voronezh foi desfechada sem o 2o de Guardas, e logo começou a afetar a batalha mais ao sul. Os italianos, em breve, foram destroçados e os grupos de assalto soviéticos começaram a tirar o “Destacamento de Exército Hollidt” das suas posições, na margem oeste do Chir, incluindo a cabeça-de-ponte de Nizhne-Chirskaya. Isso significava que não haveria possibilidade de ajuda do 48o Corpo Panzer e que a opção de avançar pela margem leste do Don acima não mais existia; agora era o ataque direto ou nada. Contra isso, Manstein pôde, a 17 de dezembro, empenhar a 17a Panzer na ala esquerda do grupo Hoth, aumentando significativamente os efetivos de sua força móvel.



Isso dava a Manstein sensível preponderância em blindados sobre as forças soviéticas que se lhe opunham, embora fosse arriscado prosseguir na operação enquanto as Frentes Norte e Oeste do grupo de Hoth mostrassem todos os sinais de colapso. Mas o abandono da tentativa significaria o aniquilamento de todo o 6o Exército, porque, rompida a frente sobre o Chir, os aeródromos de abastecimento estariam ameaçados. A ponte aérea nem de longe chegara a realizar as bazófias de Göering, mas, sem ela, o 6o Exército duraria apenas uns poucos dias, de modo que a penetração se tornara questão da máxima urgência.



O estranho, porém, é que Paulus já não estava muito entusiasmado com isso. Parecia satisfeito em esperar que Hoth abrisse caminho até ele, mas a possibilidade de que Hoth pudesse fazê-lo diminuía com o passar das horas, pois os elementos avançados do 2o Exército de Guardas começavam a deslocar-se ao longo do Myshkova. As unidades soviéticas menores que lá se encontravam passaram ao comando de Malinovsky, e uma nova formação blindada - o 7o Corpo de Tanques - também chegara, sob um comandante enérgico, que já estava adquirindo fama como líder de tanques, o General P. A. Rotmistrov. Recuando e alinhando-se à direita do 2o Exército de Guardas estava outra formação soviética, já um tanto maltratada, mas ainda capaz de lutar - o 5o Exército de Choque, do General M. M. Popov. Hoth já perdera a corrida contra o Exército Vermelho.



A única maneira de salvar a operação seria fazer que o 6o Exército abrisse caminho pela retaguarda das forças soviéticas sobre o Myshkova, de modo que Manstein entrou em contato com Paulus, que foi evasivo, e depois com Zeitzler, no OKH, pedindo-lhe que “tomasse medidas imediatas para iniciar uma saída pelo 6o Exército na direção do 4o Exército Panzer”- pedindo-lhe, com efeito, ordenasse a Paulus para sair, ou, pelo menos, convencesse Hitler da necessidade de mudar a ordem que retivera o 6o Exército na cidade. Também isso ficou sem resposta; assim, tendo perdido a maior parte do dia 18 em vãs tentativas de solucionar o problema pelo telefone e pelo rádio, ele decidiu tentar uma abordagem pessoal e, naquela noite, despachou seu Chefe do Serviço de Inteligência, Major Eismann, para o bolsão a fim de expor seus pontos de vista a Paulus.



Eismann foi de carro de Novocherkassk ao aeródromo de Morozovskaya, decolando dali pouco antes do amanhecer, pousando em Gumrak às 07:50 h do dia 19, sendo levado imediatamente ao QG, nas proximidades. Depois de ouvir a opinião de Manstein em favor de uma saída, Paulus passou a salientar as dificuldades da sua realização. O Chefe de Operações e o Chefe do Serviço de Intendência do Exército fizeram coro com ele, mas ambos expressaram a opinião pessoal de que uma saída era não só imperiosa como também viável.



Mas foi o Chefe do Estado-Maior, Major-General Arthur Schmidt, quem deu a resposta definitiva. Nazista convicto e dotado de caráter forte, era ele quem, à medida que o sítio prosseguia, se comportava como o verdadeiro comandante do 6o Exército. “É impossível abrir caminho para sair agora... O 6o Exército ainda estará em posição na Páscoa. Tudo o que vocês têm que fazer é abastecê-lo melhor”. Eismann discutiu com eles o dia inteiro, mas sem resultado, pois Paulus citou finalmente a Führerbefehl, que excluía a possibilidade de uma saída.



Quando Eisman retornou, no fim do dia 19, Manstein admitiu a idéia de demitir Paulus e Schmidt, mas a possibilidade de obter a aprovação do OKH, e de Hitler, sem prolongada negociação, parecia tão reduzida, que ele desistiu. No dia 20, ele fez nova tentativa no sentido de induzir Zeitzler a fazer pressão, mas sem resultado. Finalmente, às 18:00 h. deu ordem a Paulus para “começar o ataque Wintergewitter o mais cedo possível”, salientando ser “essencial que o Donnerschlag venha imediatamente após o ataque Wintergewitter”.



A única resposta de Paulus foi um bombardeio verbal. Para reagrupar para o ataque, disse ele, seriam precisos seis dias e acarretaria sérios riscos no norte e a oeste do perímetro. Os soldados estavam fracos demais, e como se viram forçados a matar os cavalos, para comer, sua mobilidade se reduzira excessivamente para tal empreendimento, especialmente no frio intenso. Manstein rejeitou todas essas desculpas e Paulus voltou com a decisiva, dizendo que era impossível cumprir a ordem porque isto implicaria um avanço de 48 km, e ele só tinha combustível para 36 km. Em outras palavras, não se moveria.



Como Paulus alegara dificuldades técnicas e Zeitzeler se mostrara fraco, Manstein fez uma última tentativa, um apelo pessoal a Hitler. Na tarde de 21, telefonou ao Führer para tentar persuadi-lo de que o 6o Exército tinha de sair do bolsão imediatamente. Tudo o que Hitler fez foi citar as objeções de Paulus como resposta. Paulus só tem gasolina para uns 24 a 32 km no máximo. Ele próprio diz que não pode sair no momento.



Assim, selou-se o destino do 6o Exército. O Comandante do Exército alegou falta de combustível e a ordem do Führer. O Führer recusou-se a mudar a ordem, porque o Comandante do Exército alegara falta de combustível. O cego conduzindo o cego para o abismo.



No Myshkova, como acontecera no outono de 1941, Hoth fora bastante ingênuo para acreditar que as ordens do Comandante do Grupo de Exércitos eram para ser cumpridas (estava travando combate com as forças de Malinovsky há vários dias). Ele conseguira atravessar o rio, num local próximo de Nizhne-Kumsky, e cercara várias unidades, algumas do tamanho de regimento. Seus homens estavam combatendo com a eficiência característica do soldado alemão, embora com reduzida esperança de sucesso. Um estafeta que fora capturado e levado para o Chefe do Estado-Maior do 2o Exército de Guardas, General Biryuzov, disse-lhe: “Nossos soldados se consideram sentenciados à morte...”



No seu ponto mais próximo, o grupo de Hoth estava a apenas 35 km do perímetro do 6o Exército, onde os soldados do atribulado exército podiam ver os clarões dos tiros de canhão iluminando o céu noturno, ao sul, e ouvir, quando o vento soprava na direção certa, o ruído surdo das explosões, de modo que eles se sentiram muito animados nas vésperas do Natal. No dia 22, Hoth fez seu último esforço, lançando mais de 60 dos seus tanques contra um regimento da 24a Divisão de Guardas Fuzileiros, no flanco direito de Malinovsky.



O regimento consistia, em grande parte, de ex-marinheiros da Frota do Pacífico que, como para mostrar desprezo pelo “ameno” inverno da Rússia Européia, tiraram os capotes e lutaram, com roupas de marujo, a temperaturas abaixo de zero. Depois de horas de combate, os tanques de Hoth tiveram de dar-lhes a palma e recuar. A noite caiu e Malinovsky resumiu assim os resultados do dia, em seu posto de comando: “Hoje, finalmente, detivemos o inimigo formidável. Agora, passaremos ao ataque”.



Na véspera de Natal, o 2o Exército de Guardas fez exatamente isso. Hoth travou uma série de porfiadas ações de retaguarda, durante todo o caminho de volta à sua linha de partida, em Kotelnikovo, mas quando a retirada terminou, ele fora obrigado a recuar 90 km para aquém desta. No perímetro sul do 6o Exército, seus integrantes viram, noite após noite, os clarões se afastarem cada vez mais, até que finalmente não eram mais vistos. Também no Chir, onde os homens da extremidade ocidental do perímetro de Stalingrado haviam assistido aos fogos de artifício da cabeça-de-ponte do Nizhne-Chirskaya, a 40 km de distância, o céu escureceu, escurecendo também as perspectivas do 6o Exército.



Na véspera do Ano Novo, Biryuzov estava trabalhando no QG do 2o Exército de Guardas quando chegou um oficial de Rotmistrov trazendo um convite para uma Festa de Ano Novo. O Chefe do Estado-Maior era um homem bastante severo e solene, e sua primeira reação foi achar que isso era de uma frivolidade inadmissível. Mas pensou melhor e, pouco antes da meia-noite, dirigiu-se para o QG do general em Kotelnikovo. No caminho, passou por um tanque alemão incendiado e, impelido pela curiosidade, iluminou-o com sua lanterna. O tanque estava camuflado para o deserto - um dos reforços destinados a Rommel na África. Dando de ombros, prosseguiu em seu caminho.



Abrindo a porta do QG de Rotmistrov, ele parou espantado. Todos os oficiais graduados estavam presentes, até o Chefe do Estado-Maior-Geral, Vasilevsky, em torno de uma árvore de Natal e, numa mesa próxima, havia toda a sorte de frutas, vinhos da França, queijos da Holanda e “bacon” da Dinamarca, uma variedade enorme de conservas da Noruega, e tudo marcado Só para alemães. “Nem todos os meus soldados podem ler alemão”, disse Rotmistrov, “de modo que, por causa de sua falta de instrução, eles pegaram tudo. Mas temos de devolver as velas a Hitler, para que ele possa iluminar o velório do 6o Exército”.



Poucos dias antes também o 6o Exército tivera uma festa especial - uma Ceia de Natal. Cem gramas de pão, 80 gramas de pasta de carne, 20 gramas de manteiga e 20 de café. No primeiro dia útil depois do Natal houve carne extra: dois pastéis de carne de cavalo para cada homem.



Aniquilamento



Em Stalingrado, o frio tornava-se cada vez mais intenso. O 62o Exército deixara de ser sede de grande amargura e tormento. Passou a fazer parte de um anel de aço, formado por sete exércitos. Além de seus velhos companheiros de armas do 64o Exército, havia o 21o, o 24o, o 57o, o 65o e o 66o Exércitos, todos ansiando por acabar com a presa. Chuykov ainda vivia alguns problemas, naturalmente, pois havia semanas que os blocos de gelo vinham descendo o Volga, tornando o abastecimento quase impossível. Eles tinham recorrido aos lançamentos de pára-quedas, com as pequenas “máquinas de costura” PE-2, mas era muito arriscado: se caíssem a cem metros em determinada direção, os alemães ficavam com os suprimentos; se caíssem cem metros em outra, eles desapareciam no Volga.



Por volta das 16:00 h de 16 de dezembro, a atenção do comandante foi atraída por um forte estrondo. Saindo às pressas do abrigo, ele viu uma imensa massa de gelo descendo por trás da Ilha Zaytsevsky e esmagando tudo pelo caminho. Ela estava diminuindo visivelmente a velocidade e parou do lado oposto a seu abrigo. O Volga finalmente congelara. Na manhã seguinte, várias pranchas foram lançadas através dele, para que os suprimentos pudessem chegar com relativa facilidade; homens descansados poderiam vir, e às divisões mais maltratadas seria possível a concessão de um repouso, para restabelecer seus efetivos.



Tornou-se então possível o contato com a divisão de Lyudnikov, que fora isolada, o que foi feito a 23 de dezembro. No dia seguinte, as devastadas divisões de Sologub, Smekhotvorov e Zholudev, e os remanescentes de duas brigadas de infantaria, foram transferidos para a reserva, a fim de se reorganizarem, e, enquanto estas partiam, a de Guyev começou a expulsar da área da fábrica “Outubro Vermelho” os já enfraquecidos alemães. A colina Mamayev Kurgan foi assaltada, mas os alemães não se deixaram desalojar e, na defesa, mostraram haver aprendido muito bem as lições que o 62o Exército lhes ensinara.



Apesar da fome e do desespero da sua posição, não houve colapso enquanto acreditaram que Manstein estivesse a caminho. Mesmo quando a esperança feneceu, o Exército se desvaneceu, em lugar de entrar em colapso. Durante o mês de dezembro, perderam eles cerca de 80.000 homens, um quarto da força sitiada, em virtude de ferimentos, fome e doenças, mas o restante continuou lutando. O comandante de Frente soviética do Don, General Rokossovsky, decidiu-se então por uma operação para enfraquecê-los.



O ataque principal seria desfechado, do oeste, pelo 65o Exército, de Batov, e o 21o, de Chistiakov, que visariam a dividir a força sitiada. O 66o Exército (Zhadov) e o 24o (Galanin) atacariam simultaneamente, do norte, enquanto que o 57o (Tolbukhin) e o 64o (Shumilov) viriam do sul. O 62o Exército foi encarregado de manter os alemães suficientemente ocupados para que não pudessem retirar forças para enfrentar os ataques dos outros exércitos, e também para impedir qualquer tentativa alemã de se retirar para o outro lado do Volga, já congelado. A data para o ataque foi fixada para 10 de janeiro de 1943.



Entretanto, o Representante do Stavka, Coronel-General de Artilharia Voronov, e Rokossovsky decidiram primeiramente tentar a oferta de uma capitulação honrosa. Assim, a 8 de janeiro, eles enviaram representantes para as linhas alemãs, protegidos pela bandeira de trégua. A oferta, datilografada num papel de anotações do Stavka, era uma curiosa mistura de guerra psicológica do século XX e de meticulosidade militar do século XVIII. Ela dizia o seguinte:

Para o comandante do 6o Exército alemão cercado em Stalingrado, Coronel-General Paulus, ou seu representante.

“O 6o Exército alemão, formações do 4o Exército Panzer e unidades de reforço a eles ligadas estão completamente cercados desde 23 de novembro de 1942. Unidades do Exército Vermelho envolveram esse grupo de forças alemãs em um anel sólido. Todas as esperanças de salvamento das suas forças através de ataques de tropas alemãs do sul e sudoeste, mostraram-se injustificadas. As forças alemãs que acorriam em seu auxílio foram destruídas pelo Exército Vermelho e os remanescentes dessas forças estão recuando para Rostov. A força aérea de transporte alemã, que estava trazendo minguadas porções de alimento, combustível e munição, tem sido obrigada a mudar freqüentemente de aeródromos, devido ao avanço rápido e bem sucedido do Exército Vermelho, tendo de voar para as posições das tropas sitiadas, cobrindo grandes distâncias. Além disso, a força aérea de transporte alemã está sofrendo perdas imensas, em aviões e tripulações, com os ataques da Força Aérea Russa. Sua ajuda às tropas sitiadas está-se tornando fictícia.

“A situação das tropas sitiadas é séria. Estão padecendo fome, frio e ferimentos. O rigoroso inverno russo está apenas começando; as geadas fortes, os ventos cortantes e as tempestades de neve estão ainda por vir, e seus soldados, sem vestimenta especialmente feita para a rigorosa estação fria, não terão condições de a suportar.

“O senhor, como Comandante, e todos os oficiais das forças sitiadas compreendem muito bem que não têm possibilidade de romper o cerco. A resistência é completamente inútil.

“Em vista da sua posição desesperada, e para evitar derramamento de sangue desnecessário, propomos que aceite os seguintes termos de capitulação:

“1 . Que todas as forças alemãs sitiadas pelo senhor e seu Estado-Maior cessem a resistência;

“2 . Que nos entreguem todo o pessoal, armamentos e equipamentos e propriedades militares em bom estado de funcionamento.

“Garantimos a todos os oficiais, suboficiais e soldados que cessarem a resistência a vida e a segurança, e, depois do final da guerra, o retorno à Alemanha ou a qualquer país para onde os prisioneiros desejem ir.

“Todo o pessoal das forças que se render pode conservar seus uniformes militares, distintivos de posto e medalhas, objetos de uso pessoal, objetos de valor e, no caso dos oficiais superiores, suas espadas.

“Rações normais serão instituídas, imediatamente, para todos os oficiais, suboficiais e soldados que se renderem. Ajuda médica será fornecida a todos os feridos, os doentes ou os que sofrem enregelamento.

“Esperamos sua resposta até as 15:00 h, hora de Moscou, de 9 de janeiro de 1943, por escrito e entregue por um representante pessoalmente indicado pelo senhor e que deve vir num veículo leve, com uma bandeira branca, pela estrada do desvio de Konny para a estação de Kotluban.

“Seu representante será recebido por oficiais russos autorizados na área B, a 0,5 km a sudoeste do desvio, 564, às 15:00 h de 9 de janeiro de 1943.

“Caso o senhor recuse nossa proposta de capitulação, advertimo-lo de que o Exército Vermelho e a Força Aérea Vermelha serão obrigados a levar a questão até o aniquilamento das forças alemãs sitiadas e por cuja destruição o senhor será considerado responsável.”



O ultimato foi assinado por Voronov, em nome do Stavka, e por Rokossovsky, como Comandante-Chefe da Frente do Don. Ele era de considerável persuasão psicológica, com suas referências aos horrores do inverno ainda por vir, sua descrição fria mas exata (cuja veracidade Paulus podia verificar) do malogro da expedição de auxílio, a promessa de alimentação e tratamento médico, e o roque de coisa antiga, que lembrava os termos de rendição de Grant a Lee, no Appomattox, em 1865, o apelo ao senso tradicional de cortesia militar: “Os oficiais podem conservar suas espadas”. Para redobrar o efeito sobre o moral, cópias do ultimato foram lançadas para os soldados de Paulus.



Por mais persuasivos que fossem os termos da proposta, Paulus ainda não estava disposto a se entregar, ou talvez não fosse suficientemente enérgico para dobrar o decidido Schmidt, de modo que os termos foram recusados. Voronov preparou-se então para cumprir a ameaça contida no último parágrafo do ultimato. Ele queria acabar tudo depressa, para que os sete exércitos retidos em Stalingrado pudessem ser melhor usados em outros locais, no desenvolvimento da ofensiva, num destroçamento total da Frente alemã no sul. A “Operação Anel”, a dissecção e aniquilamento do 6o Exército e suas unidades anexas, prosseguiria.



A operação foi cuidadosamente planejada, porque os comandantes graduados do Exército Vermelho não subestimavam o adversário. A preocupação com o factível, coisa que os generais de Hitler freqüentemente consideravam necessário ou conveniente ignorar, impunha planejamento cauteloso. O Führer estava sempre a exigir milagres das suas tropas, e freqüentemente os recebia, mas o Stavka, como cabia aos instrumentos de um regime declaradamente ateu, tendia a evitar o sobrenatural.



Para a “Operação Anel” eles tinham sete exércitos, enquanto Paulus contava com apenas o equivalente a dois (o 6o e a maior parte do 4o Panzer, numerosas unidades individuais, duas divisões de infantaria romenas e um batalhão de croatas separatistas). Mas o exército soviético era mais ou menos equivalente a um corpo alemão, e dois dos exércitos (62o e 64o) estavam muito aquém dos seus efetivos. Na verdade os alemães tinham um pouco mais de homens e tanques no bolsão do que a força que os sitiava, embora o Exército Vermelho tivesse superioridade em artilharia, na base de três para dois e, em aviões, de três para um.



Mas era imensa a diferença entre os soldados bem agasalhados e adequadamente alimentados da Frente do Don, com o odor da vitória nas narinas, e os soldados friorentos, famintos e mal agasalhados do 6o Exército, assim como os T-34 das forças móveis de Rokossovsky, adequadamente abastecidos de combustível e munição, não se podiam comparar com os tanques PzKpfw III e VI alemães, quase imóveis e impotentes pela falta daqueles elementos. Não obstante, Voronov não se arriscou, e a operação foi realizada com o mesmo cuidado aplicado diante dos alemães descansados e ainda insofridos.



Ele iniciou às 08:05 h de 10 de janeiro, com um bombardeio de 55 minutos por milhares de canhões e morteiros e centenas de aviões. Então, às 09:00 h precisamente, o assalto a Stalingrado teve início com um golpe direto à cidade, partindo de Vertyachi, na direção da fábrica “Outubro Vermelho”, e destinado a dividir em duas partes a força de Paulus. Ao mesmo tempo, desfecharam-se ataques secundários, de Tsybenko para a estação Basargino e de Yerzovka para Gorodishche.



Uma vez mais, o torturado solo de Stalingrado abalou-se com as explosões de bombas e granadas e os nomes familiares de meses antes - o rio Rossoshka, Pitomnik, o Tsaritsa - voltaram a aparecer nos comunicados, só que desta vez a seqüência era muito acelerada, pois enquanto no outono Paulus enfrentava tropas bem alimentadas, Voronov lançava seus exércitos contra um inimigo faminto, com frio e desmoralizado, sem alimentos, munição ou esperança. Nas circunstâncias, o fato de o alemão ainda encontrar ânimo para lutar, embora soubesse perdida a causa que defendia, é prova da demorada contemplação, pelos nazistas, desses momentos de alucinação do homem.



Mesmo assim, não era de esperar que ele pudesse repelir o avanço soviético. O que Paulus levara semanas para capturar, Voronov e Rokossovsky recuperaram em dias. A força principal (todo o 65o Exército e mais as forças de ataque dos 21o e 24o) atingiu a margem oeste do Rossoshka no dia 13, os alemães foram rechaçados do rio Chervlenaya e, no dia 14, perderam seu principal aeródromo de abastecimento, em Pitomnik. Ao anoitecer do sai 16, toda a área conquistada pelos alemães para fazer a tomada de Stalingrado estava reduzida à metade. Seu abastecimento agora dependia somente do aeródromo subsidiário em Gumrak; se a Luftwaffe fora incapaz de satisfazer as necessidades mínimas de 300 toneladas diárias (jamais houve a possibilidade de ela poder entregar as 600 toneladas necessárias ao sustento adequado da guarnição sitiada, e seu melhor desempenho foi a entrega de 289 toneladas em um dia) com dois aeródromos, não havia esperanças de o 6o Exército ser abastecido, tendo apenas o aeródromo de Gumrak disponível.



Nesses dias de janeiro, as cenas nos aeródromos eram indescritíveis. Um avião descia aos solavancos pela pista coberta de neve e era descarregado a toda a brida, porque a artilharia soviética muitas vezes bombardeava a área, caças soviéticos sobrevoavam o local, pronto para atacar os transportes aéreos alemães nas suas idas e vindas e grupos errantes de T-34 periodicamente abriam fogo contra o aeródromo. Então começava o embarque, enquanto os atribulados oficiais do Controle de Movimento e da Feldgendarmerie (polícia do exército), freqüentemente com pistolas à mão, tentavam separar, dos que tinham direito, os desertores da luta - o oficial que não tinha nenhum ferimento no braço enfaixado, o coronel que falsificara os papéis que lhe ordenavam que fosse ao Grupo de Exércitos do Don “para deveres especiais”, ou o sargento com ferimento causado por ele próprio.



Entrementes, os casos de padiola esperavam indefesos para embarcar, pensando, se ainda capazes disso, se embarcariam mesmo e se sobreviveriam aos caças soviéticos e às centenas de canhões antiaéreos que o Exército Vermelho instalara na estepe, ao longo do seu caminho. Então, tudo estava pronto; o avião corria aos solavancos até o final da pista, ganhando velocidade e decolando. Em dois casos, isso aconteceu com gente apavorada ainda pendurada à cauda, até que, passados minutos, suas mãos se enregelavam, e vinha a queda para a morte.



Por trás do ludíbrio das declarações veiculadas pela rádio nazista, que diziam que “tenaz resistência se opunha ao ataque de forças avassaladoramente superiores”, a tétrica realidade do desenrolar da última fase da “Operação Anel”, que Voronov e Rokossovsky se esforçavam por se tornar verdadeiramente asfixiante.



Ao anoitecer do dia 17, a Frente do Don se reagrupava para o último avanço. O aeródromo de Gumrak caiu em mãos soviéticas no dia 21 e o estágio final da “operação Anel” começou no dia seguinte. Os papéis principais couberam à infantaria e à artilharia em massa, particularmente esta última - na frente ocupada pelos Exércitos 21o, 57o e 64o havia um canhão ou um morteiro a cada seis metros de distância, ao longo de 22 km - totalizando 4.100.



Nenhum exército podia resistir por muito tempo ao peso de um ataque assim. Por volta do dia 25 a Frente do Don atingira o centro de Stalingrado. No bairro operário da “Outubro Vermelho” e na colina de Mamayev Kurgan, os tanques do 21o Exército de Chistiakov repentinamente viram à sua frente não tropas alemãs, mas soviéticas. A força principal do 62o Exército já não se encontrava mais isolada na Frente do Don. Agora Paulus ocupava uma área de nada, em relação à que havia dominado, com suas forças divididas em dois, como a de Chuykov estivera por tantas semanas. Sua destruição era apenas questão de dias.



Até mais ou menos o dia 24 de janeiro, o 6o Exército alemão, cumprindo excelente performance, vinha conseguindo reter o avanço das tropas soviéticas, particularmente a ofensiva de Yeremenko contra Rostov, cujo objetivo principal era isolar a retirada do grupo de Exército A do Cáucaso. Mas, por volta do dia 24, era evidente que esse Grupo de Exércitos conseguiria escapar por Rostov é que o 6o Exército, cujo último aeródromo, Gumrak, caíra três dias antes, já não era mais capaz de sustentar a pressão do soldado russo.



Alguns oficiais comandantes haviam começado a negociar rendições individuais das suas unidades com as forças adversárias, a despeito de ordens em contrário, e não havia por que continuar resistindo. Às 16:45 h do dia 24, Manstein recebeu uma comunicação do 6o Exército que informava, entre outras coisas: “... Condições terríveis na área da cidade propriamente dita, onde cerca de 20 mil feridos sem socorro procuram abrigo nas ruínas. Com estes, encontra-se aproximadamente o mesmo número de homens famintos e enregelados, bem como extraviados, a maioria sem armas... A última resistência nos arredores da parte sul de Stalingrado ocorrerá no dia 25 de janeiro... A Fábrica de Tratores talvez resista um pouco mais...”



Manstein tentou pela última vez, pelo telefone, obter de Hitler permissão para render-se, mas em vão. O Major Zitzewitz, o oficial de ligação do OKH em Stalingrado, partira num dos últimos aviões a decolar de Gumrak no dia 20 e, a 23, ele fez idêntica tentativa, numa entrevista pessoal com o Führer. Mas Hitler estava completamente desligado da realidade e falava em mandar um único batalhão dos novos (e ainda não experimentados) tanques médios Pantera pelos 150 km de território controlado pelos soviéticos, entre o Grupo de Exércitos Don e Stalingrado, para abrir um corredor. Zitzewitz estava estupefato, mas fez o máximo para recolocar Hitler em contato com a realidade. Ele falou da fome, do enregelamento, da falta de suprimentos, dos feridos, sem socorros e terminou com a rude declaração: “As tropas em Stalingrado não podem mais receber ordens de lutar até a última bala, porque não são mais fisicamente capazes de lutar e não têm mais a última bala”.



Hitler pareceu não vê-lo. “Os homens se recuperam muito facilmente”, disse ele, e enviou uma mensagem pelo rádio para Paulus: “A rendição está proibida. O 6o Exército defenderá suas posições até o último homem e a última bala e pela sua resistência heróica fará uma contribuição inesquecível para o estabelecimento de uma frente defensiva e para a salvação do mundo ocidental”.



Assim, o 6o Exército foi enviado para sua destruição com uma mentira sórdida. Ele não estava fazendo nenhuma contribuição, inesquecível ou não, para o estabelecimento de uma frente defensiva. Tampouco se podia esperar que os povos da Europa Ocidental ocupada encarassem facilmente o regime que lhes destruíra a liberdade e independência, em 1939 e 1940, como sendo contribuintes para a “salvação do mundo ocidental”.



Paulus tivera de mudar seu QG de Gumrak quando os soviéticos dominaram o aeródromo e se instalou, e ao seu Estado-Maior, no porão de uma grande loja, a “Univermag”, nos arredores oeste da cidade. A 30 de janeiro o General Shumilov, do 64o Exército, em cujo setor a loja estava, soube disso e logo organizou um destacamento móvel de tanques e infantaria motorizada da 38a Brigada Motorizada, acrescentando um batalhão de sapadores cujo trabalho seria limpar as minas em torno da loja. Com o destacamento estava o Oficial do Serviço de Inteligência da Brigada, Tenente Ilchenko. Por volta das 06:00 h do dia 31 eles haviam cercado a loja e começaram a bombardeá-la.



Depois de alguns minutos, um oficial alemão saiu por uma porta lateral e chamou um oficial. Ichenko atravessou a rua e o alemão disse: “Nosso chefe quer falar com seu chefe”.



“Nosso chefe está ocupado. Vocês terão de tratar comigo”, disse Ilchenko, que foi levado para o porão acompanhado de dois dos seus soldados, onde encontrou Schmidt e o Major-General Rosske, do Estado-Maior de Paulus. Rosske disse que a rendição seria negociada somente com representantes da Frente ou do Comando do Exército. Ilchenko transmitiu isso pelo rádio a Shumilov, que incontinenti enviou seus Chefes de Operações e do Serviço de Inteligência, Coronéis Lukin e Ryzhov. Ao chegarem lá, negociaram primeiramente com Rosske e depois com Schmidt, que disse: “Desde ontem Paulus não é responsável por coisa alguma”, embora de vez em quando eles desaparecessem pela porta da sala onde este se encontrava, fumando cigarro atrás de cigarro e se agitando nervosamente em seu leito. O Estado-Maior de Paulus recusou-se a negociar a rendição do grupo norte, que estava sob o comando do General Strecker, e quanto ao grupo sul, concordaram com sua capitulação, mas observaram que não tinham meios de transmitir a ordem aos seus soldados.



Finalmente, concordou-se em que a ordem fosse entregue pelos oficiais de cada exército, e os coronéis Ryzhov e Mutovin, do Estado-Maior do 64o Exército, foram destacados para acompanhar os oficiais de Estado-Maior alemão nessa tarefa. Somente depois que eles saíram é que o Coronel Lukin foi levado à presença de Paulus. O QG do 6o Exército recebeu o prazo de uma hora para fazer as malas e, enquanto faziam isso, o Chefe do Estado-Maior de Shumilov, Major-General Laskin, chegou para levar Paulus e Schmidt ao QG de Shumilov, em Beketovka.



Shumilov aguardava sua chegada com impaciência e curiosidade. Finalmente a porta se abriu e um homem alto, grisalho e trajando o uniforme de Coronel-General entrou na sala. Ele ergueu o braço na saudação nazista a que estava habituado, mas baixou-o humildemente e disse: “Bom-dia”, em lugar de “Heil Hitler”.



Austeramente, Shumilov pediu seus documentos de identidade; Paulus procurou nos bolsos e apresentou sua caderneta militar. Shumilov, decidido a não correr riscos, examinou-a e depois pediu os documentos certificando que Paulus era o Comandante-Chefe do 6o Exército. Felizmente Paulus tinha-o consigo (Shumilov não diz o que teria feito se Paulus não o tivesse) e, finalmente, o meticuloso comandante do 64o Exército perguntou se os informes dizendo que ele fora promovido a Feldmarechal eram verdadeiros. (Eram; Hitler o promovera na esperança de que isso o encorajaria a morrer lutando).



Schmidt ouvia a conversa com crescente impaciência, e não pôde suportar estar fora dela. Com um orgulho talvez não de todo adequado às circunstâncias, anunciou, num tom cerimonioso: “Ontem, por ordem do Führer, o posto de General-Feldmarechal, o mais alto do reich, foi conferido ao Coronel-General Paulus”.



Shumilov acreditava que os Chefes de Estado-Maior só deviam falar quando se lhes fosse dirigida a palavra, e voltou-se para Paulus. “Então posso informar ao Stavka que o “Feldmarechal Paulus foi feito prisioneiro por soldados do meu Exército?” Jawohl (sim), foi a resposta.



Durante o interrogatório oficial que se seguiu, a vivacidade de Paulus começou a melhorar quando ele compreendeu que podia esperar um tratamento civilizado por parte de seus captores e, quando o almoço foi servido, ele estava mais contente do que estivera em muitas semanas. Pediu vodka, encheu um cálice para cada um dos seus oficiais e propôs um brinde. “Aos que nos derrotaram, o exército russo e seus líderes.” Todos se ergueram e beberam.



O grupo norte do General Strecker durou apenas um pouco mais e, sob a pressão dos 62o, 65o e 66o Exércitos, também capitulou, a 2 de fevereiro de 1943. Houve três dias de luto nacional e cerimônias fúnebres na Alemanha e durante algumas semanas até mesmo Hitler pareceu ter perdido fé em seu gênio militar, de modo que Manstein desfrutou, por breve período, de uma liberdade de ação que poucos generais alemães haviam tido naquele ano. E a utilizou bem, infligindo sério revés aos exércitos excessivamente estendidos de Golikov e Vatutin e recuperando grande parte do terreno perdido ao norte do Don. Mas a campanha de Stalingrado realmente terminou a 2 de fevereiro de 1943, pois nenhuma vitória tática subseqüente poderia apagar o que aconteceu nas margens do Volga.



A importância militar da vitória pode ser parcialmente expressa em números. Quase todos os cinco exércitos do Eixo haviam sido eliminados quando veio o degelo - todo o 6o Exército, a maior parte do 4o Exército Panzer, cinco das sete divisões do 3o Romeno, quase todo o 4o Exército romeno e o 8o Italiano. Cerca de 32 divisões e três brigadas foram completamente destroçadas e outras 16 divisões perderam mais de metade dos seus efetivos, enquanto muitos outros tiveram de abandonar grande parte do seu equipamento pesado para poder escapar. As baixas totais do Eixo em mortos, feridos, desaparecidos ou capturados jamais serão conhecidas com absoluta certeza, mas estiveram por perto de um milhão e quinhentos mil, entre agosto de 1942 e fevereiro de 1943, enquanto se perderam cerca de 3.500 tanques e canhões de assalto (cerca de sete meses de produção), com mais de meio ano de produção de canhões e morteiros (cerca de 12.000) e 3.000 aviões (pelo menos quatro meses de produção). Ao todo, o equipamento perdido entre agosto e fevereiro bastaria para equipar aproximadamente 75 divisões.



Mas os números contam apenas parte da história. Os generais alemães poderiam racionalizar a derrota, como tinham feito com a de Moscou, constatando vários erros cometidos por Hitler e, depois da guerra, muitos deles travariam a batalha novamente em suas memórias, desta vez vencendo-a se o plano original de Halder tivesse sido obedecido; se Kleist e Ruoff se tivessem movimentado mais tarde, para que eles e Hoth pudessem ter flanqueado a Frente Sul, em vez de simplesmente empurra-la para o Cáucaso; se Hoth não tivesse sido mandado para o sul, para ajudar Kleist, que não precisava de ajuda; se Hitler não tivesse desviado divisões para o Ocidente; se todas essas e outras coisas tivessem sido feitas de maneira diferente, então o resultado - obviamente - também teria sido diferente.



Mas existe uma falha fatal nesse tipo de raciocínio; quando examinado atentamente, sempre se supõe que o inimigo está fazendo o que ele realmente fez na ocasião, ao passo que, na vida real, as ações de cada lado são determinadas, até certo ponto, pelas dos seus adversários. Se os alemães se tivessem comportado de maneira diferente, as reações do Stavka também teriam sido diferentes; e o Stavka também cometeu seus erros, o mais evidente deles, aquela preparação da ofensiva de Kharkov, em maio. O historiador, escrevendo depois da ocorrência, tem informações que o general que dirigia as operações não tinha, na época, e qualquer batalha, sobretudo da dimensão e complexidade da de Stalingrado, é um acontecimento dinâmico, no qual se tem de tomar decisões freqüentemente, rapidamente, e com base em informações incompletas. Na multiplicidade de coisas que nos são atribuídas, inevitavelmente sairão erradas muitas; algumas poderão ser até desastrosamente erradas. Fazendo-se, porém, um balanço dos erros e acertos dos generais soviéticos, o resultado é bastante favorável a eles, não se podendo o mesmo afirmar com relação aos alemães, que cometeram alguns verdadeiros desastres táticos. A flexibilidade e a imaginação da defesa soviética; e a audácia do plano que orientou a contra-ofensiva, concebido e executado basicamente por Zhukov e Vasilevsky, postas em confronto com o comportamento da máquina de destruição em que se constituíram o grupo de Exércitos B e o 6o Exército, destacam claramente que o brilho das decisões tomadas, e não a simples superioridade numérica, é que decidiu o problema.



Na medida em que o Stavka jogou, ele o fez com sucesso, primeiro na habilidade demonstrada em manter o 62o Exército na posição de isolamento, e, segundo, em ser capaz de reunir as grandes forças de ataque para a contra-ofensiva, sem atrair a atenção dos alemães. Por outro lado, os líderes alemães apostaram na habilidade que julgavam possuir de poder riscar do rol de combatentes, em questão de meses, uma nação com o dobro do potencial humano da Alemanha. Há quem argumente com o fato de eles, os alemães, quase terem conseguido vitoriar-se, mas isso se deveu mais à obstinação demonstrada pelo soldado alemão nos campos de batalha do que à qualidade da “supercúpula” alemã.



Também o lado soviético comporta suas discussões, mas num nível mais pessoal, sobre se foram os “generais do sul” ou “moscovitas”, os mais responsáveis pela vitória. Na época de Stalin, esse tipo de disputa não poderia surgir, porque todo o sucesso derivava do seu gênio. Mas, uma vez que ele deixou o palco, os argumentos irromperam com maior fúria ainda, por ter sido represado durante dez anos. Krushev estivera no sul desde o começo da guerra e sentia que a repulsa dirigida aos “generais do sul” se refletia nele próprio.



É verdade que os generais estacionados na área de Stalingrado para restaurar a situação eram vários dos que haviam ocupado altos postos na batalha de Moscou - Zhukov, Vasilevsky, Yeremenko, Golikov, Vatutin, Rokossovsky, G. F. Zakharov (o Chefe do Estado-Maior de Yeremenko), Batov (65o Exército), Zhadov (66o Exército), e que esses homens haviam assumido os papéis principais; Zhukov, o diretor supremo, e todos os comandantes de Frente realmente dirigiram toda a campanha na batalha de Moscou. Durante a ascensão de Krushev, o trabalho desses homens foi atenuado, e a importância dos “locais” especialmente de Krushev, foi exagerada.



Um nome que até agora não foi mencionado é o de Georgy Malenkov que, como membro do secretariado de Stalin, passou muito tempo no local e provavelmente desempenhou um papel mais importante do que Krushev em manter Stalin informado e em assegurar que a maquinaria partidária fosse mobilizada para dar apoio à tropa de defesa de Stalingrado.



Todavia, é evidente que a grande figura do preparo da “armadilha” e do seu lançamento foi Zhukov. Como subcomandante supremo, ele era o mais graduado soldado da operação. O 62o Exército funcionou como a isca da armadilha colocada para pegar a Wehrmacht, e a maneira como Chuykov lidou com ela, sobretudo no desenvolvimento de táticas de pequenas formações (nunca houve um sítio dentro de uma cidade, que lhe fosse comparável em escala e duração), permitiu que o 62o, sustentando seu ponto de apoio, retivesse a grande força alemã em sua vulnerável posição avançada por tempo suficiente para que se reunisse a força de contra-ofensiva. Da mesma forma, sem as improvisações frenéticas mas inspiradas de Yeremenko, a 23 de agosto, seria duvidoso que o 62o Exército tivesse tido tempo de desenvolver as táticas que empregou com tanto sucesso contra as forças alemãs, que eram no local bem mais robustas, especialmente aérea.



As fontes publicam dados muito escassos sobre as perdas do Exército Vermelho, mas é evidente que elas foram consideravelmente inferiores às dos alemães, pois os números destes não mostram grandes aprisionamentos de soldados soviéticos em qualquer momento depois de maio de 1942. Poucos soviéticos, assim mesmo os feridos, caíram prisioneiros dos alemães. As baixas provocadas pelo frio ou pela fome foram insignificantes, em comparação com as alemãs, e o único atrito importante ocorreu entre as divisões enviadas depois, para Stalingrado. As perdas então verificadas foram, por vezes, muito pesadas, mas a maioria dos feridos foi evacuada para o outro lado do Volga, onde a maior parte deles tinha boa possibilidade de recuperação. Quanto aos mortos, a remoção para novo sepultamento na cidade apresentou 147.200 alemães e 46.700 soviéticos.



Dos 330.000 cercados dentro da faixa de terreno original (da qual a área da cidade era apenas pequena parte), somente 91.000 saíram depois da capitulação. Estes homens já estavam em estado muito precário, por causa do frio e da falta de alimentos, e o tifo já aparecera pouco antes da rendição. Depois que os homens foram transferidos para campos de prisioneiros de guerra provisoriamente estabelecidos em Beketovka-Krasnoarmeysk, houve uma epidemia de tifo que matou cerca de 50.000 dos enfraquecidos sobreviventes e milhares dos restantes morreram a caminho de campos no interior, a maioria na Ásia Central, depois de terem sido levados a pé para Moscou, onde desfilaram como multidão apática, num dos mais impressionantes espetáculos registrados cinematograficamente. Os prisioneiros alemães foram postos em trabalhos forçados e o último deles só regressou em 1955. Somente 5.000, dos 91.000 prisioneiros, voltaram a ver a Alemanha.



E o que Hitler pensava de tudo isso? Ele estava estupefato com a rendição e profetizou que os generais seriam torturados e obrigados a fazer transmissões antinazistas pela Rádio de Moscou. Eles realmente as fizeram, embora não pareça que tenham sido realmente torturados - pelo menos nenhum dos que voltaram depois da guerra fez qualquer declaração sobre maus tratos sérios. Cerca de 24 generais foram para o cativeiro e, ao contrário dos seus comandados, a maioria sobreviveu à guerra. Paulus tornou-se um membro ativo da “Comissão de Oficiais Livres”, antinazista, embora ele tivesse muito do cortesão em sua formação, o que não nos possibilitou constatar se ele “vira a luz” ou se se adaptara ao serviço de um novo senhor. Talvez a segunda alternativa seja a correta, pois depois da guerra ele preferiu viver na Zona Soviética da Alemanha.



À parte as conseqüências militares da derrota - a mais importante das quais foi a mudança permanente no equilíbrio de potencial humano, de tal modo que, enquanto em novembro de 1942 o Exército Vermelho começava sua contra-ofensiva em igualdade de condições, sete meses e meio depois, quando se iniciou a batalha de Kursk, ele tinha uma superioridade em potencial humano de mais de dois para um - também houve importantes efeitos políticos. Em Munique, o berço do movimento nazista, registraram-se distúrbios entre estudantes, e embora fossem brutalmente suprimidos, mostraram que já estavam aparecendo algumas fendas da união alemã, atrás de Hitler.



Daí em diante, um soldado alemão mandado para a Frente Oriental era visto não tanto como herói, mas mártir. Na área da Ásia Menor e do Oriente Médio, qualquer esperança que os alemães pudessem nutrir de atrair a Turquia para a guerra do lado do Eixo desapareceu na forte luz da realidade, assim como os sonhos de surpreender os britânicos pela retaguarda, cortando os suprimentos de petróleo do Oriente Médio para os Aliados na fonte, ou de deter o fluxo de suprimentos para a Rússia através do Irã.



Mas, a grande ironia é que a Alemanha pôde continuar lutando por mais dois anos e três meses, depois daquele dia fatal de fevereiro, em Stalingrado. Embora jamais conseguisse pôr as mãos no petróleo do Cáucaso, o sucesso dos seus químico-industriais na fabricação de petróleo extraído do carvão permitiu-lhe manter seus exércitos e sua economia em funcionamento, embora não sem a escassez debilitante provocada pelos bombardeios aliados das refinarias, assim como pela falta de matéria-prima ou de capacidade de refinação. Foram exageradas as apreensões de Hitler quanto ao seu próprio suprimento de petróleo, que o levaram a estimular seus exércitos a fazer mais que a tarefa relativamente simples de interromper o suprimento de petróleo soviético, e a divisão fatal da força, que não lhe deu nem o Cáucaso nem o Volga.



Afinal, bem feitas as contas, fora tudo desnecessário...

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

1 comentários:

Unknown disse...

Algum louco leu a postagem inteira??

O autor da postagem leu a notícia inteira??

Duvido.

abraços

Daniel
www.ideiascorporativas.wordpress.com