FONTE : http://br.monografias.com/
Luiz Alberto Moniz Bandeira
A Venezuela, a partir do final do governo de Fernando Henrique Cardoso, passou a ocupar relevante papel na política exterior do Brasil, não apenas servindo de contrapeso para a Argentina como também conformando com ela o triângulo estratégico, no processo de integração da América do Sul, o estabelecimento de uma unidade econômica e política entre os países da região, condição necessária e indispensável a uma inserção equilibrada no cenário internacional. Entretanto, assim como a Alemanha e a França constituíram a força propulsora da União Européia, o Brasil e a Argentina, desde os primórdios, configuraram os pilares básicos do Mercosul, o núcleo da Comunidade Sul-Americana de Nações em construção. E a perspectiva era de que a Argentina executasse uma política externa coerente, constante, uma política externa de Estado, sem oscilar conforme os humores conjunturais, e funcionasse como fator de aglutinação dos países hispano-sulamericanos, o que ela teria condições de fazer, mas somente respaldada e coligada com o Brasil, o que significava unificar a América do Sul.
O Brasil estava a exercer a liderança em uma era de incertezas, em uma região marcada por crescente instabilidade econômica e política e tensões militares, devido em larga medida à presença dos Estados Unidos, particularmente na Colômbia, Equador e Bolívia. O Brasil não admitia que o Estado colombiano se desintegrasse, com as FARC a controlar 40% do seu território, mas se recusava a confundir o combate ao narcotráfico com a repressão da insurgência, e via com desconfiança a presença dos Estados Unidos nas repúblicas do Pacífico, na região da Amazônia. Daí porque procurou evitar que degenerasse em conflito militar o incidente diplomático entre a Colômbia e Venezuela, por causa da violação de sua soberania com a captura ilegal, possivelmente com o auxílio da CIA, de um dirigente das FARC em Caracas. A política do Brasil vis-à-vis da Colômbia manteve a mesma diretriz, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, consubstanciada no apoio ao processo de paz, que em verdade nunca avançou, desde a presidência de Andrés Pastrana (1998-2001), defesa da soberania nacional e repúdio à intervenção estrangeira nas questões internas do país.
Outrossim o Brasil continuou a condenar o embargo a que Cuba fora submetida pelos Estados Unidos, desde 1960, em meio de pressões e ameaças contra o regime de Fidel Castro. O presidente Lula, no entanto, visitou Havana, em 2003, onde assinou 12 acordos de cooperação, inclusive para a exploração de Petróleo pela Petrobrás, e rejeitou as pressões internacionais para que intercedesse pela liberdade de presos políticos em Cuba. "Não é boa política um chefe de Estado se meter em assuntos internos de outro país. Vou tratar dos interesses do Brasil. Não vou dar palpite em política interna de outro país", afirmou Lula no México.[56] Posteriormente, ele apelou para que Castro entendesse que o "Brasil pode ajudar a construir o processo democrático em Cuba", e reiterou a condenação do embargo imposto há mais de 40 anos pelos Estados Unidos, dizendo: "Temos muito a fazer pela democracia em Cuba. Temos que ajudar na luta contra o embargo (econômico imposto pelos norte-americanos há quatro décadas). O Brasil tem uma chance de ajudar a dar normalidade nas relações de Cuba."[57] A questão do regime político em Cuba era o que mais dificultava sua aproximação, conforme desejada por Fidel Castro, devido à "cláusula democrática".
Embora contrariasse a tradicional política exterior de não envolver-se militarmente em questões no Caribe e na América Central, tradição esta quebrada apenas quando o presidente, general Humberto Castelo Branco, também enviou tropa para Santo Domingo, em 1965, o governo de Lula decidiu despachar um contingente de 1.100 soldados para o Haiti, também como força internacional de paz (integrada por americanos, franceses, canadenses e dos países do Caribe), de acordo com resolução do Conselho de Segurança da ONU, com a missão de estabilizar o país após a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristides, com o velado suporte dos Estados Unidos, segundo tudo indicou. Essa iniciativa controvertida provocou fortes reações internas, da esquerda do PT, da CUT e MST, por ferir o princípio de não-intervenção nos assuntos internos de outros países, consolidado pela Constituição brasileira. Segundo os críticos, o fato de o Haiti haver sofrido um golpe de Estado, apoiado pelos Estados Unidos, tornava qualquer tropa estrangeira no Haiti uma força de ocupação e não parte de uma missão de paz da ONU.
Indagado sobre a razão de tal iniciativa, o chanceler Celso Amorim explicou que o Haiti era um país latino, com as mesmas raízes culturais do Brasil e não lhe interessava vê-lo tornar-se um narco-Estado. O que o Brasil procurou, no entanto, foi dar uma demonstração de que se dispunha a exercer um proeminente papel internacional, pelo menos no âmbito do hemisfério, e a vigorar sua posição de candidato a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Esta questão, a pretendida vaga no Conselho de Segurança da ONU, era que alimentava um clima de desconfiança e fricções entre o Brasil e a Argentina, reacendendo uma rivalidade residual que não fazia qualquer sentido. Em primeiro lugar, não havia qualquer possibilidade imediata de uma reforma da ONU, apesar de que fosse necessária, pois os cinco membros permanentes, principalmente os Estados Unidos não se dispunham certamente a dar o mesmo poder de veto a outros países. Em segundo lugar, avaliando o peso específico, tanto econômico quanto político e estratégico, se a América Latina viesse a ter dois representantes no Conselho de Segurança da ONU, um seria, forçosamente, o Brasil, dado o seu status de potência regional que continuava a insistir na obtenção de uma vaga (prometida aliás pelo presidente Franklin D. Roosevelt ao presidente Getúlio Vargas, devido à sua participação na Segunda Guerra Mundial), com o objetivo de denunciar o congelamento do poder mundial, sua estratificação, favorecendo apenas cinco potências, que detinham capacidade nuclear.
A política exterior do México era conflitante com a do Brasil, país com o qual não mantinha um tratado de livre comércio. O México aceitara a subordinação aos Estados Unidos e estava a concorrer para a desarticulação política dos países do Terceiro Mundo nas negociações econômicas multilaterais e regionais, e, reforçando as pressões internas neoliberais, tratou de atraí-los para a órbita dos Estados Unidos, temendo o isolamento do resto da América Latina. As negociações sobre livre comércio ou acordos preferenciais bilaterais com alguns países latino-americanos – como Colômbia e Venezuela, para formar o então G-3 – e o amplo acordo México-Uruguai, sem resultados comerciais mas que criou sérias dificuldades para o Mercosul, foram parte de uma estratégia para preservar as preferências comerciais que o México usufruía na ALADI, e amortecer as reações à mudança radical na política externa mexicana e até para abrir caminho para as futuras negociações da ALCA.[58] O exemplo do México possibilitou que outros governos latino-americanos aceitassem a proposta dos Estados Unidos para negociar a criação da ALCA. No entanto, como o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães salientou, "a posição geográfica especial do México e o acesso (legal ou ilegal) de sua população ao mercado de trabalho dos Estados Unidos, com as conseqüentes remessas de dinheiro dos imigrantes, não são válidas para outros países latino-americanos".[59] O mesmo se podia dizer com respeito aos demais países da América Central e do Caribe, todos dependentes dos Estados Unidos, particularmente das remessas de dólares, feitas pelos seus nacionais que para lá emigraram. Em tais circunstâncias, não fazia o menor sentido pensar na unidade de uma América Latina, separada não apenas pelo Canal do Panamá, mas dividida efetivamente por interesses e vínculos econômicos e fatores geopolíticos conflitantes..
O que ao Brasil convinha, assim como à Argentina, era conduzir, de maneira realista, a consolidação do Mercosul e a formação da Comunidade Sul-Americana de Nações como um sistema econômico e político unificado, dentro de um sistema mundial, fortemente competitivo e violento, em que os Estados Unidos tratavam de concentrar e congelar o poder mundial. O processo de globalização sempre significou o crescente domínio das mega-corporações americanas, o esforço de modelar um novo tipo de Império, com a transformação dos exércitos dos países neo-colonizados em forças de polícia, para defender os interesses do capital financeiro e a dolarização de suas economias. Não obstante, o sistema mundial tendia a evoluir para a multipolaridade, apesar da preeminência conjuntural dos Estados Unidos. E nem o Brasil nem a Argentina deviam considerar essa preeminência como definitiva e aceitar o destino de províncias avançadas do grande Império. A previsão do banco Goldman Sachs era a de que, por volta do ano 2025, as economias do grupo conhecido como BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China, juntas, representariam mais de metade da economia do G6, formado por Estados Unidos, Japão, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália, tendendo a suplantá-la até o ano 2050. [60]
O Brasil, ao encorajar, na reunião de Cuzco, o lançamento da União Sul-Americana de Nações, depois denominada União de Nações Sul-americanas (UNASUL), teve um objetivo estratégico, visando a tornar não propriamente a si próprio, mas o conjunto dos países do sub-continente, uma potência mundial, não só econômica, como também política. Sua dimensão ultrapassava, de longe, o caráter meramente comercial. O Brasil não abdicara do projeto de tornar-se potência mundial, porém, compreendera que a consecução de tal objetivo passava pela sua integração com a Argentina e, em uma segunda etapa, com todos os demais países da América do Sul. A união da Argentina e do Brasil não significava uma soma de dois países, mas uma multiplicação de fatores, como certa vez o presidente Arturo Frondizi (1958-1962) ressaltou.[61] E a união dos demais países da América do Sul com o Brasil e a Argentina, em uma comunidade econômica e política, conformaria uma grande potência, como enorme peso no cenário mundial.
Tornava-se necessário, portanto, criar um quadro institucional, um organismo mais amplo, para abarcar e agregar todas as nações da América do Sul que não participam plenamente del Mercosul, com o objetivo de promover a realização de vários projetos de integração, não só econômica e comercial, mas também de comunicação, infra-estrutura, transporte, energética, educacional, cultural, científica e tecnológica. A celebração do Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-americanas (UNASUL) foi um fato de grande significação histórica. A UNASUL passou a ter uma personalidade jurídica, com a forma de uma organização internacional, com um Conselho de Chefes de Estado e de Governo, um Conselho de Ministros de Relações Exteriores e um Conselho de Delegados. Constitui um avanço no sentido da coordenação de políticas. E dentro desse marco institucional deve concretizar-se o projeto do Banco do Sul e do gasoduto desde Venezuela, passando pelo Brasil, até a Argentina. Dificuldades, divergências, contradições há e sempre haverá, em virtude da enorme assimetria que existe entre os países da América do Sul, principalmente entre o Brasil e seus vizinhos. Não há, porém, qualquer perspectiva para os países pequenos se não se unirem e formarem um amplo espaço econômico comum, de modo a alcançarem melhor inserção nacional.
O Brasil constituiu, por si só, um enorme espaço econômico, não obstante a assimetria existente entre os 26 Estados que o compõem. Adquire um peso internacional maior. Maior, porém, seria o peso da América do Sul integrada. Composta por doze Estados, dentro de um espaço contíguo, possuía, em 2007, uma população total de 360 milhões de habitantes, cerca de 67% de toda a América Latina e o equivalente a 6% da população mundial (6.706.993.152 – 2008 est.), com integração lingüística, pois imensa maioria falava português ou espanhol, e detinha uma das maiores reservas de água doce e biodiversidade do planeta, além de imensas riquezas em recursos minerais, pesca e agricultura. E não apenas sua população era maior que a dos Estados Unidos (303.027.571, est. 2008). Seu território, cerca de 17 milhões de quilômetros quadrados, era o dobro do território americano, com 9.631.418 quilômetros quadrados. Em tais circunstâncias, a União de Nações Sul-Americanas, uma vez politicamente unificada, com um PIB da ordem US$ 3,5 trilhões (para o qual o Brasil concorria com US$ 1,849 trilhão (est. 007)[62], pode representar extraordinária força econômica e política, como demonstrada em 2008 na crise desencadeada pela tentativa separatista de Santa Cruz de la Sierra e demais departamentos da Media Luna da Bolívia. Evidenciou-se assim sua capacidade de influenciar e obter importantes resultados no sistema internacional, em que prevalecerão os grandes blocos, constituídos pelos Estados Unidos, União Européia, Rússia, China e Índia.
* Texto para o seminário sobre "A política exterior do Brasil em sua própria visão e na dos parceiros". Consulado-Geral do Brasil em Munique, 7 de novembro de 2008.






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