Correio Braziliense
Pressão anticalote
Ameaça equatoriana de não pagar empréstimo do BNDES para obra de hidrelétrica provoca críticas do empresariado e da oposição no Brasil. Itamaraty confia em solução diplomática na próxima semana
Da Redação
A decisão do presidente equatoriano, Rafael Correa, de expulsar os funcionários da Odebrecht, militarizar as obras da construtora e ameaçar com um calote de US$ 243 milhões referentes a um empréstimo junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pôs o governo brasileiro em situação delicada. Oposição e o empresariado saíram em defesa da Odebrecht e cobraram do Planalto uma postura mais agressiva diante da medida anunciada por Correa. A crise teve início quando surgiram problemas na Central Hidrelétrica de San Francisco, obra de US$ 282 milhões sob responsabilidade da construtora, o que comprometeu em até 12% o fornecimento de energia no Equador.
Augusto Fernandes, diretor-executivo da Conferência Nacional da Indústria (CNI), afirmou que a ação do governo equatoriano foge a qualquer padrão de economia de mercado. “Isso deixa os investidores com um pé atrás e pode prejudicar as relações comerciais entre os países”, reconheceu. Ele acredita que os empresários não vão apostar em uma economia instável, incapaz de oferecer suporte e segurança aos investimentos. Para Fernandes, o Planalto precisa buscar uma negociação jurídica ou um organismo internacional para mediar o caso. “Essa situação não se resolve colocando o Exército e ferindo o Estado de direito. O governo brasileiro tem de montar uma estratégia de defesa para as empresas e os cidadãos envolvidos”, recomendou.
Cobrança
A crise lembra o mal-estar causado pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, em 2006, quando ele ordenou a ocupação das refinarias da Petrobras no país vizinho para pressionar por uma renegociação do acordo de venda de gás natural. À época, a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva fez barulho. Agora, a situação se repete. O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), afirmou ao Correio que o Brasil precisa tomar uma “posição institucional com relação a esse tipo de comportamento que vem se tornando rotina”. Ele citou as recentes ameaças a interesses do país na Bolívia e no Paraguai. “É preciso que o Brasil aja com cautela e com diplomacia, mas também firmeza, até porque o patrimônio brasileiro está comprometido”, defendeu, lembrando que os empreendimentos são feitos com recursos do BNDES.
O parlamentar não descarta pedir que o governo tenha mais cautela na aprovação de empréstimos. “É preciso que haja salvaguardas para que o nosso patrimônio não seja ameaçado como agora”, acrescentou. Heráclito Fortes revelou que a CRE se reunirá na próxima quinta-feira para debater o assunto. Por sua vez, o deputado federal Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) culpou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) por não ter monitorado a situação no Equador. “Se o governo Lula não recebeu informações da Abin sobre a crise, significa que a lei não está sendo cumprida. Por lei, essa é a principal função da agência”, criticou o deputado, membro da Comissão de Relações Exteriores.
No Poder Executivo, o clima é de relativa tranqüilidade. Uma fonte do Itamaraty revelou ao Correio que o governo atua como facilitador do diálogo. “Na verdade, a diplomacia age um pouco mais em silêncio, pois atitudes ruidosas muitas vezes não levam a lugar algum”, explicou. O Ministério das Relações Exteriores espera os ânimos serenarem para retomar o diálogo sem prejudicar os investimentos. “Estamos aguardando o momento certo para uma solução, e esperamos que após domingo as coisas ficarão mais fáceis”, confidenciou, lembrando a data do referendo sobre a nova Constituição.
O mesmo tom foi adotado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que disse não temer calote. “O BNDES não empresrou para o Equador, mas para a Odebrecht”, argumentou. “Não vamos complicar mais a situação.”
Lula
Em viagem a Nova York, onde participou da Assembléia-Geral das Nações Unidas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também insinuou na quarta-feira que a decisão de Correa foi tomada no calor do debate eleitoral no Equador. Ele disse acreditar numa solução capaz de garantir a permanência da Odebrecht no Equador. Em Quito, a ordem na filial da construtura é de silêncio. Por telefone, uma funcionária contou que as atividades estão suspensas e os diretores se ausentaram da empresa. Dois deles buscaram abrigo na residência oficial da Embaixada do Brasil em Quito.
Rafael Correa justificou na quarta-feira a ameaça de calote ao BNDES: “É um financiamento de centenas de milhões de dólares para um projeto que não serve, então não creio que deva ser pago”. O BNDES financiou US$ 305 milhões em obras no país, mas a negociação não é feita diretamente com o governo. Os US$ 243 milhões referentes à hidrelétrica de San Francisco foram dados como crédito à Odebrecht. Depois que a obra foi concluída, o pagamento do empréstimo passou para a empresa equatoriana Hidropastaza, na qual a brasileira tem 20% de participação acionária.
US$ 43 milhões é o lucro adicional gerado pela hidrelétrica de São Francisco — construída pela Odebrecht — ao Equador
3,8 mil funcionários trabalham na construtora em território equatoriano
36 deles têm nacionalidade brasileira, de acordo com a própria Odebrecht
0 comentários:
Postar um comentário